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Simpósio debate a ação da Psicologia nas políticas públicas para combater a desigualdade social

Construída em torno dos principais eixos do IV Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão, realizado em São Paulo entre os dias 19 e 23 de novembro, a programação de “simpósios magnos” propiciou debates aprofundados e com grande presença de público. O último deles, realizado no fim da tarde de sábado (22), versou sobre as políticas públicas e o combate à desigualdade, contando com a presença de Manuel Angel Calviño, da Universidade de Havana, Isabel Fernandes de Oliveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Marcelo Luiz Pellizoli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Abrindo o simpósio, Isabel de Oliveira apresentou diversos dados que demonstram que, se houve avanços consideráveis no sentido da diminuição da miséria e da pobreza no Brasil nos últimas décadas, isso não significou necessariamente uma diminuição na desigualdade social do país – que segue entre aqueles com a pior distribuição de renda. “Ainda somos extremamente desiguais, não conseguimos alterar esse coeficiente. No Brasil, 10% das pessoas concentram 41,2% dos rendimentos, e os 10% de menor renda concentram 1,1% apenas”, explicou.

Para Oliveira, há uma conexão inevitável entre capitalismo e desigualdade. Segundo ela, no que diz respeito à inserção política dos psicólogos nesse contexto, há dois elementos importantes para discussão: a questão da pobreza, “que precisa ser atacada em sua complexidade”; e as políticas sociais, “que têm um contexto de implementação e que colocam em questão a contradição entre seus avanços e sua funcionalidade ao capitalismo contemporâneo”.

“Ao meu ver, por mais que tragam avanços, essas políticas representam a suavização das tensões sociais, mas não visam eliminar a pobreza”, apontou a professora. Ela comparou, ainda, o resgate da política vista como tensão social e a desnaturalização dos problemas sociais: “Não é natural revirar lixo pra viver, bater na janela do carro pra pedir dinheiro, depender do Estado pra sobreviver, precisamos se posicionar de forma mais firme sobre isso.”

Práticas integrativas

Já Marcelo Pellizoli apresentou algo que considera um dos caminhos mais importantes e relevantes surgidos no contexto da saúde brasileira dos últimos anos: as práticas integrativas. Para ele, essas ações teriam como objetivo “ver o ser humano em seu raio de complexidade”.

Pellizoli partiu de sua experiência concreta no Centro Integrado de Saúde (CIS), instituição que articula Universidade, ONG’s e prefeitura da cidade do Recife em um bairro popular. Lá a comunidade pode acessar uma série de ações terapêuticas e atividades não convencionais na saúde tradicional: terapia comunitária, tai chi, massagem, biodança, bioenergética, constelação familiar, alimentação viva e natural, cursos de plantas medicinais, meditação, rádio comunitária, laboratório de mídia, cinema, biblioteca, grupo de pesquisas, jiu-jitsu, circo, capoeira, etc.

“No CIS a gente tira o foco da especificidade e o coloca em todos os elementos do cuidado”, resumiu o gaúcho. Ele também falou sobre a diferença entre o trabalho realizado lá e o de uma unidade de saúde convencional.“Não é só o tipo de prática, é o modelo de acolhimento, que é o segredo da transferência e é pautado no diálogo, com escuta real.”

Segundo Pellizoli, a saúde integrativa vai desde uma alimentação que não afete o meio ambiente até uma relação humana diferenciada, passando pela percepção do seu corpo e da opressão. O objetivo seria estimular a percepção do usuário sobre seu estilo de vida e buscar o resgate da responsabilidade e de seu propósito de vida, utilizando a força medicadora da ação em comunidade.

Mudanças

Por fim o cubano Manuel Angel Calviño, conhecido como Manolo, mostrou-se mais pessimista do que os outros colegas de mesa: “Estou em um momento mais apocalíptico.” “Em Cuba, há uns 50 anos começamos construindo uma sociedade com uma vocação muito assistencialista, e criticamos muito isso de lá pra cá por ser pernicioso e criar sujeitos passivos, mas hoje nos damos conta que hoje isso é o que as pessoas mais demandam e querem”, apontou.

“Historicamente acreditávamos que a lógica do capital é da sociedade capitalista, mas infelizmente a lógica socialista é também a do capital, não rompe com essa lógica”, prosseguiu, afirmando que o maior problema atual em Cuba é o social. Nos últimos cinco anos o investimento social cubano, que ainda é o principal gasto do governo, foi reduzido em aproximadamente 65%, e a subvenção às famílias caiu 67%.

Citando Che Guevara, Calviño defendeu aliar a luta contra a miséria com a luta contra a alienação: “A miséria não é só a realidade objetiva, é também subjetiva, um modo de pensar, de crer, de sentir, de atuar, e que não se modifica com comida.” E completou: “As políticas sociais não são só certas políticas governamentais, mas também as práticas das pessoas que participam delas, e se não chegamos a essas práticas cotidianas teremos discursos políticos gerais maravilhosos que não vão servir para muito.”

Com base nesse contexto político e econônico, Manolo levantou três desafios prioritários para os profissionais da Psicologia: a qualidade da formação profissional, a participação social e a mudança do paradigma de uma profissão “de classe média” para uma profissão que abranja toda a sociedade.

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