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Alckmin e a educação básica: uma conta que não fecha

Candidato à presidência, tucano tem declarado que, caso eleito, seu foco será a educação básica

Há 23 anos, o governo do estado de São Paulo é comandado pelo PSDB. Houve duas breves passagens quando o governo não esteve nas mãos dos tucanos: de março de 2006 a janeiro de 2007, quando o vice Cláudio Lembo (PFL) assumiu o governo para Geraldo Alckmin (PSDB) concorrer à presidência; e recentemente, em abril de 2018, quando Alckmin repetiu a manobra dando lugar para seu vice Márcio França (PSB).

Somados todos os anos que Alckmin esteve à frente do governo do estado mais rico do Brasil, são aproximadamente 12 anos do tucano no governo de São Paulo. Agora, candidato à presidência, Alckmin tem apresentado como sua principal plataforma na educação o Ensino Básico (infantil, fundamental e médio).

Para Anatalina Lourenço, professora da rede pública estadual e municipal e membro da direção estadual do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeosp), a possibilidade de generalizar as políticas do governo tucano em São Paulo para todo o Brasil seria “catastrófica”.

“Ampliar essas políticas que são implementadas aqui no estado de São Paulo para o Brasil é o mais absurdo sucateamento da educação, é o fosso da educação”, afirma. 

A professora cita o fechamento das salas, o superlotamento, a progressão continuada, a baixa qualidade da merenda escolar, a falta de estrutura nas escolas, o tratamento dado aos professores, entre outros elementos.

Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, acrescenta como problemas graves da gestão tucana o fato da qualidade da educação ser aferida unicamente por indicadores e a desumanização presente nos processos avaliativos. O professor critica ainda o problema dos indicadores utilizados serem altamente manipuláveis. “A escola na gestão Alckmin é totalmente desumanizada, as pessoas e as liberdades não estão envolvidas no processo de gestão da rede estadual”.

Educação não é aprendizagem

Contra a cultura de repetência, Anatalina Lourenço, da Apeosp critica a forma como a progressão continuada foi implementada no estado de São Paulo. Antes, os educadores tinham cotas para aprovar. Hoje, os alunos passam de ano de forma compulsória. Para ela, os critérios e condições que determinam se um estudante deve avançar de ano, devem ser revistos. “Como está não dá. [Não podemos seguir] sem propor para as crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem uma alternativa eficiente”

Ela descreve o quadro do ensino do estado com salas superlotadas com mais de 50 alunos. “Um único professor ali para dar conta de tudo isso é impossível. Isso leva ao adoecimento do profissional, desestímulo do aluno, hoje temos na evasão escolar como um problema gravíssimo. Ela existe porque a escola pública do estado de São Paulo não dá conta dos alunos que recebe, e não representa esses alunos, eles não se vêem representados nesta escola e nesse currículo que está aí”, lamenta.

No Brasil, segundo dados do Banco Mundial divulgados em abril deste ano, 1 em cada 4 brasileiros de 15 e 17 anos, abandonam a escola todos os anos. Já de acordo com o Censo Escolar 2016, a rede estadual abriga 84% do total dos alunos que estão no Ensino Médio no estado de São Paulo. Cerca de 26% não concluem os estudos e abandonam a escola antes do fim.

Além de condições externas às escolas, como nível socioeconômico, gravidez e trabalho precoce, a superlotação, apontada pela diretora municipal da Apeosp, é um dos elementos que colaboram para esse resultado.

Em 2015, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo constatou que 95% das unidades educacionais possuem salas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio acima da capacidade, contrariando o estipulado pelo Conselho Nacional de Educação, que prevê até 30 alunos por turma.

Segundo o Tribunal, 15% das salas do Ensino Médio contam com mais de 45 estudantes. A superlotação das salas foi fenômeno agravado com os fechamentos de salas. “Os número de São Paulo são sempre os mais catastróficos. Isso demonstra a total falta de credibilidade de propostas desse governo. A total falta de investimento de mais de duas décadas na educação. O que esse governo sempre faz são propostas paliativas e não estruturantes. Educação precisa ser debatida com toda a comunidade escolar, toda a sociedade”, protesta Anatalina.

Fernando Cássio, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, acredita que os governos tucanos se valem de um discurso populista que vende uma “melhora” na educação a partir da avaliação de indicadores como o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), uma prova aplicada com a finalidade de produzir um diagnóstico da situação da escolaridade básica paulista, e o Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo (Idesp), que estabelece metas que as escolas devem alcançar ano a ano.

Segundo o site da Secretaria de Educação, “os objetivos de cada escola são traçados levando em consideração o desempenho dos alunos no Saresp e o fluxo escolar de cada ciclo”.

“O governo de São Paulo tem uma política que é a política de avaliação desses indicadores, que medem o desempenho, especialmente Matemática e Português, e o fluxo, que é abandono, evasão e reprovação. A partir disso eles regulam todas as decisões que tomam na rede de ensino”, afirma Cássio.

A crítica do professor se baseia no fato de que os indicadores dão conta de uma pequena parte do que seriam os problemas de uma escola já que não levam em consideração a falta de infraestrutura dos estabelecimentos de ensino, a condição de trabalho dos professores, que por vezes trabalham em mais de duas escolas para conseguir um salário compatível com a vida no estado de São Paulo.

“Como eu posso avaliar aprendizagem em matemática numa escola que não tem água encanada, ou coleta de esgoto ou luz? Ou que os alunos vão para escola com fome? Não é possível usar um indicador de aprendizagem para avaliar escolas onde a condição da oferta da educação pública é tão diferente”, analisa.

O professor explica que, desta forma, a atividade fim da escola deixa de ser educação ou formação humana e passa a ser produção de indicadores nas gestões tucanas. Rogério* que é professor há 15 anos da rede estadual confirma essa situação. Para ele, há muita cobrança em cima do professor, que tem que atingir as metas da escola.

Professores sem direitos

Professor em duas escolas na Zona Leste, Rogério* dá aulas para o 6º e 9º ano. Como trabalha em dois turnos para completar sua renda, ele não consegue acessar os cursos de formação oferecidos pelo estado. Assim, ele tenta se atualizar por conta própria. Além disso, ele pontua o clima de insegurança na categoria, mesmo entre os professores efetivos. “Há uma ideia neoliberal de ensino que busca a privatização, então para o governo quanto pior, melhor”.

Anatalina denuncia o tratamento dispensado pelo então governador Geraldo Alckmin aos professores da rede estadual. “O tratamento que este governo deu nas últimas duas décadas aos professores da rede estadual de São Paulo foi o tratamento do choque”, fazendo uma menção à Tropa de Choque da Polícia Militar, acionada sempre que os professores foram às ruas nos últimos anos.

Assim como o professor Rogério*, que teve o nome modificado pela reportagem por questões de segurança, 80% dos professores da rede cumprem dupla jornada e, por isso, não conseguem acessar os cursos de formação oferecidos nos contraturnos. A remuneração também é constantemente pautada como um dos problemas graves na relação entre o governo de São Paulo e seus professores.

Estado mais rico da federação, com o maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e com o maior número de professores contratados na rede pública do Brasil, São Paulo está na 10ª posição em ranking nacional quando o quesito é remuneração docente. 

Os números são do grupo de Pesquisa do Observatório da Remuneração Docente (PORD), da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Para um professor com formação no Ensino Médio e 40 horas de trabalho semanais, o salário é de R$ 9,75 por hora-aula. Já para quem tem licenciatura, o valor é de R$ 12,08. São Paulo está atrás de estados com custo de vida muito mais baixo, como Amapá, Acre e Piauí, assim como do Rio de Janeiro.

Outra anomalia apontada pela sindicalista da Apeosp foi a criação de um sistema que fragmenta a categoria. “Essa divisão imposta pela Secretaria de Educação tenta de alguma forma desmotivar e desmobilizar os professores tentando fazer que haja conflitos entre a própria categoria, mas nenhum professor é bobo e a gente tenta superar e denunciar isso. O governo criou recentemente a categoria “O” que é a total precarização da empregabilidade desse professor”.

Os professores desta categoria têm menos direitos. Por exemplo: eles não acessam o Instituto de Saúde do Servidor Público. Segundo Anatalina, a Apeosp constantemente pressiona para que o governo dê conta de uma contratação digna para esses profissionais. Hoje, cerca de 47 mil professores estão enquadrados na categoria “O” (eventual) e, embora realizem as mesmas funções dos professores concursados, não gozam dos mesmos direitos, principalmente quanto à estabilidade.

Procuradas, tanto a assessoria de imprensa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo quanto a equipe do candidato à presidência Geraldo Alckmin (PSDB) não responderam aos questionamentos da reportagem.

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