O IV Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão foi caracterizado por mesas de debates questionadoras sobre conjunturas políticas e sociais. Foi o caso da mesa de abertura dos Diálogos (Im)pertinentes, que aconteceu na manhã desta quinta-feira, 20 de novembro.
Com o tema “O fim da fome e da miséria no Brasil”, o economista Ricardo Amorim e o psicólogo e professor adjunto da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Marcus Vinicius Oliveira, foram mediados em suas falas pela secretária executiva do Congresso, a psicóloga Ana Bock.
Amorim fez uma apresentação da redução da pobreza pelo viés econômico, desenvolvendo análises comparativas do mapa da fome da década de 1950 com mapas de índices de exclusão social em 2000 e 2010, que demonstram que a desigualdade permanece mais acentuada nas regiões Norte e Nordeste.
“A fome não é um problema de clima ou tecnologia, mas uma questão de escolhas políticas e econômicas. Tivemos muitas melhorias nos últimos 10 anos, como podemos verificar nos mapas, mas a conjuntura econômica sempre pode prejudicar a redução da pobreza”, disse.
O economista falava do cenário atual, em que o Brasil vive um momento decisivo, com a estagnação do ciclo de expansão econômica. Responsável pela diminuição da pobreza, este parece estar se esgotando.
“Diversos acordos comerciais internacionais entre os blocos de países ricos são feitos sem se conversar com o hemisfério sul. Grandes corporações mundiais privadas estão fazendo as futuras regras dos acordos internacionais”, descreveu.
Grupos inferiores
Marcus Vinicius fez uma análise sobre desigualdade e subjetividade. Para o acadêmico, os 400 anos de colonização com mais 300 de escravidão no Brasil ditaram o cenário atual da desigualdade social.
“Costumamos subjetivar as análises econômicas feitas pela mídia de hoje. Acontece que desigualdade social não é desigualdade econômica. Tem a ver com grupos humanos classificados consensualmente dentro do processo civilizatório como grupos inferiores”, explicou.
São os grupos tidos como incapazes de se desenvolverem economicamente. E, assim, tornam-se desprezíveis socialmente.
“É o caso da empregada doméstica, que não ‘precisa de direitos trabalhistas, nem de salário de mil reais, afinal de contas como vou pagar o balé da criança e a yoga da minha mulher?”, ironizou.
O psicólogo afirmou que os programas sociais do governo federal vieram para quebrar essa concepção de que existem pessoas que não precisam de muito para viver, para desvalidar essa condição de manter tais pessoas em estado de privação de dinheiro.
“É muito tempo de dominação do grupo privilegiado sobre os ‘inferiores’. Isso demora a ser desfeito. Trata-se de um processo cultural que não permite à classe média aceitar que pessoas de determinados grupos estejam tendo acesso ao consumo. E é aí que o psicólogo deve atuar – na transformação dessa forma de ver o mundo. Muitas coisas são transformadas por ações políticas.
Segundo marcus Vinicius, a experiência com direitos transforma toda a subjetivação do humano.
A psicologia muitas vezes é um desastre no SUAS, porque não sabemos nada sobre desigualdade social. Achamos que é uma questão de renda, mas é muito mais do que isso. A criança que hoje vai num ônibus da prefeitura para a escola não é mais a mesma criança que antes ia a pé.
Finalizando, Amorim considerou o encontro revelador para quem tem o que ele chamou de vícios da área econômica:
“As colocações aqui faz pensar sobre como a vida capitalista que nos empurra só para relações de mercado impede que possamos nos relacionar com a sociedade de maneira mais humana”, avaliou.