Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a homenagem que o Conselho Federal de Psicologia faz às mulheres – grande parte das profissionais de Psicologia – vem marcada pela reflexão sobre os efeitos psicológicos da violência contra a mulher, que segue presente na experiência de vida desta população.
Este boletim especial sobre o Dia Internacional da Mulher traz dados inéditos sobre a presença da mulher na profissão, construídos a partir de informações das psicólogas e psicólogos que participam das pesquisas do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop), além de dados nacionais que contextualizam o tema e análise sobre os impactos da violência sobre as mulheres.
*1 – Efeitos psicológicos da violência*
Uma em cada cinco mulheres foi agredida pelo menos uma vez e mais da metade das vítimas não procura ajuda, de acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo. O levantamento, de 2001, aponta que 11% das brasileiras com 15 anos ou mais já foram vítimas de espancamento, e o marido ou companheiro haviam sido responsáveis por 56% desses casos de violência. Assédio moral e sexual, tráfico de pessoas, estupro e atentado violento ao pudor são exemplos de violência já tipificados no ordenamento jurídico brasileiro.
O combate à violência contra a mulher tem apresentado avanços, em especial com a aprovação da Lei Maria da Penha que, no entanto, recebe questionamentos nas instâncias jurídicas. No final de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em caso de violência doméstica que provoque lesão corporal leve, a ação penal depende de representação da vítima, ou seja, depende de a mulher apresentar a denúncia.
Para o movimento de mulheres, e para o CFP, tal situação é um retrocesso, pois é sabido que uma das maiores dificuldades no combate à violência – sobretudo à doméstica – é o contexto em que ocorre essa violência, no qual as mulheres sofrem ameaças, temem pela sua família, e em muitos casos acabam abrindo mão dos processos após os momentos de violência.
“A Lei Maria da Penha tinha trazido uma mudança significativa nesse tema, que está agora sendo desafiada. São coisas que perpetuam violência e que precisamos enfrentar no Brasil”, afirma a conselheira do CFP, Jureuda Guerra.
Os efeitos psicológicos da violência contra as mulheres podem emergir em diferentes sintomas, que variam da violência física visível (machucados, aborto) a distúrbios emocionais, uso abusivo de álcool e outras drogas, isolamento, problemas no trabalho.
Danos das violências são freqüentes – tais como pesadelos repetitivos; ansiedade, raiva, culpa, vergonha; medo do agressor, quadros fóbico-ansiosos e depressivos agudos, queixas psicossomáticas, isolamento social e sentimentos de estigmatização.
Para na conselheira Jureuda Guerra, “as mulheres em situação de violência perdem com mais freqüência o emprego, têm mais dificuldades em negociar aumentos salariais e promoção na carreira profissional, principalmente por ficarem em dúvida com relação ao que seu parceiro irá pensar de sua promoção”, avalia Jureuda. Ela aponta também dificuldades para cuidar de si próprias, estudar e desenvolver formas de viver com conforto e autonomia, contribuindo ainda mais para seu sofrimento psíquico e social.
“Nossa experiência nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) nos faz perceber que a grande demanda, atualmente, é mulheres que têm na sua história situações de violência doméstica e familiar, que acaba se refletindo em sofrimentos psíquicos”. Para ela, as políticas públicas precisam olhar com mais atenção esses sofrimento e o perfil da população atendida, para conseguir realizar atendimentos que respondam às demandas reais dessas mulheres, algo ainda por ser construído no Brasil.
“Também notamos um forte uso de antidepressivos, sobretudo por mulheres entre 25 e 40 anos. Quando olhamos as histórias delas, encontramos muitas situações de violência doméstica”, avalia Jureuda, psicóloga e especialista em saúde mental e em saúde pública.
*2- Relações de trabalho*
Todos sabem que, no Brasil, mulheres ainda recebem menos que homens por trabalhos iguais. Além disso, as mulheres, em geral, ocupam posições mais precárias na hierarquia das ocupações e, consequentemente, têm rendimentos mais baixos.
Na Psicologia, infelizmente, o quadro de diferenças salariais entre homens e mulheres não é diferente. Não há dados nacionais atualizados, mas o relatório da participação dos psicólogos nas pesquisas sobre práticas em políticas públicas, realizadas pelo Crepop, trazem reflexões interessantes.
Dos 1427 psicólogos que responderam os questionários, cerca de 13% são homens e 87%, mulheres. O perfil levantou também informações sobre remuneração dos psicólogos participantes: quase um terço dos que responderam recebem entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00. Os homens, apesar de minoria, estão mais presentes nas faixas de renda mais altas. Na faixa de menor rendimento (até R$ 1.000,00), os homens são 9%. Na faixa de maiores rendimentos (de R$ 3mil a 4 mil e acima de R$ 4 mil), eles correspondem a 16 e a 19%, respectivamente.
“A condição feminina ainda está associada, na nossa sociedade, à desigualdade de oportunidades. A Psicologia, preocupada com a promoção de direitos, pode contribuir para a superação dessa situação, denunciando estas formas perversas de relação, nas quais a condição de mulher impõe uma situação de inferioridade na valorização do potencial de trabalho”, avalia Clara Goldman, conselheira secretária do Conselho Federal de Psicologia.
A proporção dos homens e mulheres que ocupam cargos de direção no ambiente de trabalho é outro indicador das diferenças. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), no Brasil, mesmo com uma maior escolaridade (média de 9,2 anos de estudos para mulheres e de 8,2 para homens, em 2008), a proporção de mulheres dirigentes (4,4%) ainda é inferior à proporção dos homens (5,9%), diferença que não se alterou desde a pesquisa anterior, de 2003.
Para o IBGE, a participação no mercado de trabalho é definida de acordo com a posição ocupada pelo trabalhador. “A posse, por exemplo, de uma carteira de trabalho assinada pelo empregador proporciona um conjunto de direitos sociais que os empregados sem carteira não possuem, resultando em desigualdades nas condições de vida. A análise dos dados sobre a posição na ocupação revela pontos importantes na questão de gênero. Na posição de trabalhador doméstico, seja com carteira ou sem carteira, 15,8% das mulheres ocupavam esta categoria, em 2008, em oposição aos homens, com apenas 0,8%”, afirma o instituto na publicação Síntese dos indicadores sociais, de 2009.
Outra atividade de trabalho preponderantemente realizada pelas mulheres, e praticamente invisível na sociedade, é a realização dos afazeres domésticos. Os dados do IBGE apontam que, do total das mulheres ocupadas, 87,9% declararam cuidar dos afazeres e do total dos homens, 46,1%. O número médio de horas na semana dedicado a esses afazeres é de 20,9 para as mulheres e de apenas 9,2 para os homens. “Esses resultados evidenciam de forma inegável as diferenças de gênero. Além das pressões exercidas pelo trabalho e da constante necessidade de qualificação profissional, a maioria das mulheres ocupadas ainda tem que se comprometer com a realização das atividades domésticas, principalmente, quando não contam com ajuda dos homens”, afirma o IBGE.
A situação das trabalhadoras domésticas também é exemplo importante do longo caminho que o Brasil precisa traçar até a igualdade de gênero. Elas são o maior contingente de trabalhadoras brasileiras, representando atualmente 15,8% da força de trabalho feminina ocupada, ainda que se perceba diminuição ao longo das últimas décadas. Segundo o IBGE, estas mulheres atuam em segmento que não tem seu valor econômico nem social reconhecido, o que o torna desprestigiado. “Essa desvalorização se traduz na grande desproteção social que atinge essa parcela da força de trabalho brasileira e, sobretudo, no renitente tratamento desigual recebido no que tange ao acesso e garantia de direitos trabalhistas”. Em 1943, elas não foram incluídas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Quase 30 anos depois, em 1972, ganharam lei normatizadora específica. Nem mesmo a Constituição Cidadã, de 1988, garantiu direitos iguais para trabalhadores domésticos e outros trabalhadores. Mobilizada, a categoria vem conseguindo avanços na última década, como a lei de 2001 que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro‐desemprego, ainda facultativos, a depender da escolha do empregador. Apenas em 2006, nova lei garante os direitos a férias de 30 dias (anteriormente estabelecida em 20 dias), estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, e proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho.
Esta situação demonstra com transparência a importância das políticas públicas para qualquer esforço destinado a reduzir desigualdades sociais no país.
É por situações como esta que a Psicologia vem atuando com tanto interesse nos temas de políticas públicas, inseridas em um projeto de profissão que prioriza a garantia de direitos humanos a toda a população.