2.ago.2024 – Por Norian Segatto
O Conanda – Conselho Nacional da Criança e Adolescente emitiu no dia 10 de julho a Resolução 249/2024 proibindo o “acolhimento, atendimento, tratamento e acompanhamento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas ou em instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso, ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência, e que utilizam como principal instrumento terapêutico a convivência entre os pares”.
Cinco dias após a Resolução, as Comunidades Terapêuticas, por meio de seu representante na Câmara, o deputado Ismael dos Santos (PSD-SC), apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 322/2024, que suspende a aplicação da Resolução sob argumentos como a falta de competência legal do Conanda e de que as CTs prestam ótimo serviços.
Como resposta, 38 entidades, entre elas o SinPsi, a Fenapsi, Fundação Abrinq, Conselho Federal de Psicologia e Abrasme, entre outras, subscreveram um documento se posicionando contrariamente à aprovação do PDL 322.
Rejeitar o PDL
As entidades apresentam pelo menos 10 motivos para rejeitar o projeto:
1. Desrespeita a legitimidade do Conanda
A Resolução Conanda nº 249/2024 está de acordo com a Lei do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, que determina que as atividades de prevenção do uso abusivo de álcool e outras drogas dirigidas a jovens deverão estar em consonância com as diretrizes do Conanda.
2. Ignora a competência normativa do Conanda
O Conanda é o principal órgão do Sistema de Garantia de Direitos, tem caráter deliberativo e paritário (sociedade civil e governo) e é responsável por assegurar os princípios e diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente3 (ECA). Ainda, o Judiciário confirma o disposto na Lei nº 11.343/2006 e defende que regulamentações de política pública sobre direitos infantojuvenis sem deliberação do Conanda consistem em flagrante vício de competência.
3. Fere o princípio legal da liberdade e da convivência familiar e comunitária
A Constituição e o ECA garantem a liberdade e a convivência familiar e comunitária como direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
4. Interpreta o ECA de forma equivocada
O PDL nº 322/2024 interpreta erroneamente o inciso VI do art. 101 do ECA, que prevê a inclusão de crianças e adolescentes em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. O caráter comunitário desses programas não pode ser interpretado como sinônimo de comunidades terapêuticas, pois essas não são reconhecidas como programa oficial, dado que não é um serviço de acolhimento e nem possui eficácia comprovada no tratamento à saúde.
5. Hierarquiza direitos fundamentais
É inconstitucional a interpretação de garantir o direito à saúde e à vida em detrimento de outros direitos fundamentais, como a liberdade e a convivência comunitária. Segundo o ECA, os programas comunitários devem respeitar todos os direitos, sem hierarquizá-los, para garantir proteção integral e pleno desenvolvimento das infâncias e adolescências.
6. Reforça um modelo violador de direitos
Conselhos Federais de profissões regulamentadas da Saúde (Psicologia, Serviço Social, Fisioterapia e Terapia Ocupacional) já atestaram a ineficácia das comunidades terapêuticas e se opõem às práticas desse modelo.
7. Contradiz normativas na área
Em parecer, o Conselho Federal de Medicina afirma que “é vedado aos médicos internar pessoas com doenças mentais em estabelecimentos assistenciais que não cumpram os requisitos indicados” em suas resoluções, e que “as comunidades terapêuticas definidas na RDC Anvisa nº 29/2011 não podem ser consideradas seguras para a prática do ato médico”. Esses documentos não preveem qualquer conduta relacionada às crianças nessas instituições.
8. Naturaliza a violência e os maus-tratos
Inspeções realizadas pelo Conselho Federal de Psicologia em comunidades terapêuticas de todo o país, em colaboração com o Ministério Público Federal e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, revelam graves violações desses estabelecimentos em relação aos direitos de crianças e adolescentes e ao estipulado pela Política Nacional de Saúde Mental.
9. Viola atos oficiais de Conselhos Nacionais
Os Conselhos Nacionais da Saúde, da Assistência Social e dos Direitos Humanos não reconhecem as comunidades terapêuticas como parte do SUS8 e do SUAS e defendem o pleno desenvolvimento como medida precípua para tornar efetivas políticas públicas de cuidado em saúde mental a crianças e adolescentes.
10. Relega decisão normativa
Recente revisão dos atos normativos do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas12 interrompeu novos acolhimentos de adolescentes em comunidades terapêuticas e criou Grupo de Trabalho para elaborar um plano de desinstitucionalização daquelas(es) que já se encontram nessas instituições.
Fim do financiamento a “comunidades terapêuticas”
Nem são terapêuticas, nem comunidades, são entidades privadas, muitas delas ligadas a templos evangélicos neopentecostais, que muitas vezes utilizam de mecanismos de coerção, evangelização forçada, eletrochoques, cárcere privado e outras tantas mazelas que agridem direitos humanos fundamentais.
O governo não pode mais utilizar recursos públicos para financiar essas entidades privadas, enquanto o SUS carece de recursos para potencializar suas políticas de saúde.
A direção do SinPsi apoia a Resolução 249, do Conanda, luta pelo fim das comunidade$ terapêuticas e convoca todas as/os profissionais da Psicologia a se engajarem nessa batalha.
Confira abaixo o folder produzido pelas entidades.