O debate sobre os malefícios da terceirização do trabalho ganhou espaço uniu o meio acadêmico ao movimento sindical, com o seminário “A Terceirização e seus Impactos sobre o Mundo do Trabalho: Dilemas, Estratégias e Perspectivas”, que começou ontem (12/4) e termina hoje (13/4), no CESIT/Unicamp.
Partindo do princípio concreto de que a terceirização precariza as condições de trabalho, desrespeita os direitos do trabalhador e não cumpre conceitos básicos da Constituição Federal, em prol do aumento do lucro e da produtividade, o evento reunião acadêmicos, sociólogos, especialistas e juristas de trabalho, em seu primeiro dia.
O seminário avaliou o quão ameaçadas ficam as conquistas da classe trabalhadora, seja de atividade-fim, seja de atividade-meio. Com a terceirização, a responsabilidade solidária do contratante fica flexibilizada e os direitos dos trabalhadores acabam se perdendo nas metas e nas regras absurdas criadas por quem não reconhece nestes seres humanos vendendo seu trabalho.
Os presentes tiveram a oportunidade de assinar o Manifesto em defesa dos direitos dos trabalhadores ameaçados pela terceirização.
Regulamentar ou não?
O ponto alto do evento foi a discussão sobre o Projeto de Lei que regulamenta a contratação de mão de obra terceirizada no Brasil. Para o diretor técnico do Dieese, Clemente Granz Lucio, é necessário impor limites na lei e nos acordos coletivos. Para ele, é válida a regulamentação terceirização, sem prejuízos aos trabalhadores.
“Estamos discutindo o desmonte das condições e proteção do trabalho. Se temos consciência do que rege a nossa Constituição, então temos que tratar com muita atenção do fenômeno da terceirização. Há um marco regulatório sendo discutido no Congresso Federal, mas ele deve estar de acordo com os dois lados: empregador e trabalhador”, analisa Lucio.
A lógica da perversidade foi abordada pelo juiz do trabalho e professor de direito da USP, Jorge Souto Maior. Segundo o magistrado, como se não bastasse aniquilar os direitos garantidos em lei para o trabalhador, o trabalho terceirizado ainda cria regras que denigrem a dignidade humana.
“Não basta explorar. Tem de tirar o bagaço. E a grande justificativa é fundamentada nas questões de concorrência econômica. Essa concorrência só é vencida por meio da exploração do trabalhador terceirizado. Mas a condição humana é um patamar inantingível. Não há como regularizar algo que segrega, que possibilita a exploração. A terceirização não é algo irreversível. O irreversível ainda está para ser construído. Quem sabe não será a justiça social?”, conclui o juiz, polemizando a questão, uma vez contrário à regulamentação do trabalho terceirizado.
Apesar de seu ponto de vista, Souto Maior concordou que é preciso garantir direitos aos trabalhadores e assumiu o manifesto do Fórum em defesa dos trabalhadores terceirizados.
Alguns economistas reconhecem que a terceirização faz parte de um processo de transformação do modo de produção. Segundo eles, daqui há alguns anos, podemos ter no país mais de 30 milhões de trabalhadores terceirizados. A solução, segundo alguns deles, é traçar estratégias para que tenhamos uma regulação decente do trabalho tereceirizado.
“A terceirização é parte de um processo maior na forma de uso do trabalho, na transformação do modo de produção. Nada mais é do que um processo adicional na divisão do trabalho como forma de aumentar a rentabilidade do trabalho”, disse o presidente do IPEA, Márcio Pochmann.
Mas o professor de sociologia da Unicamp, Ricardo Antunes, não segue essa teoria. Para ele, a terceirização “é uma porta aberta para a degradação, informalização do trabalho que precisa ser combatida”.
O presidente da CUT, Artur Henrique, concorda com Pochmman e Clemente. Ele acredita que uma das melhores formas de combater a precarização do trabalho através da terceirização é regulamentando com regras duras que encareçam essa forma de contratação. Para ele, se o PL 4330 for aprovado, “vamos ter a pior reforma trabalhista já feita no Brasil”.
“Precisamos ir contra esse modelo criado pelo capitalismo, de exploração do trabalhador. Não combina com o modelo de sociedade que queremos construir. Mas temos um falso dilema na regulamentação. Vamos ficar lutando contra, enquanto 10 milhões de pessoas esperam uma resposta concreta, ou vamos regulamentar? Não adianta ficar anos e anos discutindo. É preciso combater regulamentando, para inviabilizar o contratante de optar. Vamos pressionar por meio de regulamentação de direitos, salários, estruturas, que o bolso do dono do capital vai doer”, sugeriu Artur.
Psicólogos terceirizados
Existem quase 12 milhões de trabalhadores terceirizados no país – 14% deles só no estado de São Paulo. O setor público é um dos principais usuários da terceirização. E é aí que entra a importância da categoria dos psicólogos se atentar para a questão. No serviço público, em diversas áreas, é muito comum haver contratação de psicólogos terceirizados, com salário e carga horária diferentes aos dos concursados, o que causa mal estar nas relações de trabalho entre colegas.
“Isso se dá principalmente pela Organização Social da Saúde (OS) e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Mesmo com emprego formal, há aí precarização, pois tratar-se-ia de emprego público conquistado por concurso, como devem ser gerados pelo estado. Os CRAS, por exemplo, via de regra estão sendo implantados por essa via”, explica o presidente do SinPsi, Rogério Giannini.
Também há outras modalidades de contratação análogas à terceirização, como o uso de PJs (pessoas jurídicas) em “empresas” individuais.
“O que acontece é que de trabalhadores passam a prestadores de serviço, o que ocorre muito na área de saúde privada. No caso dos planos de saúde é ainda pior, pois há o simples credenciamento do profissional que passa a atender. São formas de trabalho e de produção de riqueza para um investimento privado, mas que não gera responsabilidades e nenhuma proteção ao trabalhador”, conclui Giannini.