Apesar do envelhecimento da população brasileira, o poder público não investe na criação de programas específicos e nem a sociedade os cobra
São Paulo – Se não forem criadas políticas públicas para o cuidado do idoso nos próximos 20, 30 anos, poderá haver uma crise no país. E o envelhecimento, em vez de uma conquista, resultado de inúmeros esforços para aumentar a longevidade, poderá ser visto como um problema social. O alerta é da assistente social Marília Viana Berzins, especialista em gerontologia e coordenadora de cursos de formação de cuidadores de idosos do Observatório da Longevidade (Olhe), de São Paulo. A entidade atua na pesquisa, sistematização de conhecimento e formação de gestores, prestadores de serviços e familiares sobre o processo de envelhecimento.
Entende-se por envelhecimento o aumento da proporção de pessoas acima de 60 anos em relação à de jovens no contingente populacional, bem como o aumento da expectativa de vida. Em 1980, a esperança de vida do brasileiro ao nascer era de, em média, 62 anos. Atualmente, é de pouco mais de 73. Em 2030, estará próxima de 80 anos.
O Estatuto do Idoso, de 2003, determina que a atenção à população idosa é responsabilidade da família, do estado e da sociedade. “A família cuida como pode e o estado tem de se responsabilizar pela questão da velhice em toda a sua plenitude, inclusive no cuidar. Já a sociedade deve se organizar para exigir e fiscalizar”, diz Marília.
No entanto, segundo ela, falta a retaguarda do estado na oferta de políticas públicas para o cuidado com o idoso. “Esse problema agravado pela incapacidade da maioria das famílias de cuidar dos mais velhos. E isso não ocorre só porque as mulheres passaram a trabalhar fora, como muitos preferem acreditar. Na verdade, não há mais um modelo único de família, não se tem mais cinco, seis filhos, como se tinha em gerações anteriores.” Atualmente, segundo o IBGE, o número de filhos é de 1,9 por família. “O Brasil já tem um contingente de idosos e a gente não sabe quem cuidará deles”, alerta.
A omissão do estado no cuidado do idoso de outros grupos de pessoas dependentes, aliás, foi apontada numa pesquisa divulgada em agosto pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas, que ouviu mais de 500 líderes de diversos setores em vários países latinoamericanos. De cada dez entrevistados, nove afirmam que a responsabilidade pelo cuidado é hoje assumida pelas mulheres da família. E 95% pensam que o poder público deve ajudar a financiar o cuidado em seus países. Os consultados também acreditam que as políticas atuais são insuficientes para as demandas de cuidado e que outras são necessárias.
No conjunto de cuidados à população idosa, Marília entende o cuidador como um profissional que tem de ser incluído nas políticas principais das áreas de saúde e de assistência social. Hoje, segundo ela, muitos idosos vivem sozinhos e a tendência é de o número aumentar. Assim como enfermeiros, técnicos em enfermagem e agentes comunitários de saúde, os cuidadores devem ser mantidos em programas públicos. Como ela destaca, o agente comunitário dos programas de saúde da família (PSF) não tem o papel desse cuidado, embora em muitas localidades seja o que de melhor o poder público ofereça para esse segmento.
A profissão de cuidador ainda não é regulamentada. Tramita no Senado o Projeto de Lei (PLS) 248, de autoria do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), com relatoria da senadora Marta Suplicy, que estabelece direitos e deveres trabalhistas para esses profissionais. A proposta já estava na pauta da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde seria votada em caráter terminativo, mas um pedido de vistas do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) adiou a votação.
Há estimativas de que atualmente 200 mil pessoas em todo o país exerçam a atividade de maneira formal ou informal. Segundo projeções do IBGE, em 2050 o Brasil terá uma população de 63 milhões de pessoas com mais de 60 anos, o equivalente a 164 para cada 100 jovens, o que vai aumentar a demanda por esses profissionais.
A política de cuidado, segundo Marília, não pode se limitar ao cuidador mantido pelo poder público em casa porque as necessidades de cada idoso são diferentes. Por isso requer ainda a implementação de serviços para atender a essa população, como unidades onde o idoso pode ficar enquanto os familiares trabalham. “É preciso expandir os serviços de assistência domiciliar e reconceituar e valorizar as instituições de longa permanência, os antigos asilos. Precisamos saber para que é e para quem servem numa perspectiva de assistência social e também de saúde”, diz Marília. Essas instituições, conforme ela, são insuficientes. Apenas 1% dos idosos vivem nesses espaços.
Conforme a especialista, há propostas avançadas, como a da pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que defende que a seguridade social no Brasil garanta, além de saúde, assistência e previdência, o cuidado de longa duração.
Marília destaca que nem todo idoso vai precisar de cuidado. “Envelhecimento não é igual a doença, incapacidade, dependência. As necessidades do idoso devem ser separadas. Alguns precisam de cuidados esporádicos, semanais. Outros têm total dependência. A população precisará de cuidados – 20 a 30% precisarão”, diz.
Embora o Estatuto do Idoso tenha sido aprovado em 2003, a implementação de programas compete aos municípios. “Até agora existem iniciativas pontuais em algumas cidades. Na capital paulista, por exemplo, existe o programa Acompanhante do Idoso, em que o município reconhece que há idosos que vivem sozinhos. Quando o profissional chega, com uma equipe de saúde, melhora toda a vida dele”, comenta Marília. As ações, segundo ela, dependem de recursos, mas é preciso vontade política para buscá-los.
Para piorar o quadro, a cobrança da sociedade para a garantia desses direitos ainda é incipiente, quando deveria ser formalizada pelos conselhos de idosos e de saúde em todas as esferas de poder.