O dia 13 de julho, último dia do evento promovido pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Educação, o III Seminário Internacional A Educação Medicalizada, teve início com o Simpósio “Articulações Internacionais de Movimentos contra a Patologização da Vida”.
A mesa da manhã reuniu Chile, Argentina, Brasil, França, Espanha, Cuba e Portugal, em busca da troca de experiência. Pelo Brasil falou a conselheira do Conselho Regional de Psicologia e vice-presidenta da organização do evento, Biancha Aneglucci.
“Esta ocasião é a oportunidade de nos apaixonarmos novamente por aquilo que nos é estranho, pelo diferente. Estamos participando de um Fórum que, conjuntamente, pensa sobre si e cria propostas que substituam práticas de medicalização. Vejam bem, não queremos alternativas, mas substituições a esta prática, que transforma emoções e comportamentos diferentes em distúrbios. Estamos cada vez mais juntos, cada vez mais fortes”, salientou Biancha.
A médica e antropóloga Marie-Laure Cadart, da Collectif Pas de Zero de Conduite, da França, percebeu questões em comum nos diferentes países, como, por exemplo, o trato do transtorno de comportamento e os diferentes posicionamentos dos governos de cada país.
“O fenômeno neoliberal, que está em toda parte de mundo, tem a ver com o programa de padronização de comportamentos, bem como os protocolos difundidos pela internet acabam influenciando na conduta do profissional de saúde”, disse a francesa, referindo-se à possível influência financeira da indústria farmacêutica por trás destes fenômenos.
O melhor médico
Steven Strauss, neurologista e doutor em Linguística, de Baltimore (EUA), que estava na plateia, falou ao SinPsi, entusiasmado.
“Este foi o melhor evento de que participei, tanto para a vida profissional quanto para a vida pessoal. Aqui encontrei pessoas apaixonadas pela causa que defendem. As informações aqui trocadas são de alta relevância, o otimismo e as expectativas quanto ao futuro são inspiradores”, afirmou, levando consigo a responsabilidade de difundir na comunidade médica de seu país esta percepção diferente de mundo.
“Precisamos dizer aos pacientes que o melhor médico que eles podem ter está dentro deles. As pessoas precisam descobrir o que é saudável interiormente e usar essa estratégia para superar problemas. Não devem depender exclusivamente de medicamentos, mas encontrar esse médico interior. Meu papel, como médico, é ajudá-las nessa tarefa”, analisou Strauss.
O psicanalista espanhol Joseph Freud, em explanação sobre a indústria farmacêutica em seu país, ironizou com a sigla TOC, conhecida como Transtorno Obsessivo-Compulsivo, um transtorno de ansiedade bastante diagnosticado na Espanha e em todo o mundo.
“Eu também tenho TOC, mas é Transtorno de Oposição ao Capitalismo. Porque todos esses diagnósticos repentinos, toda essa tendência em se dizer que todos estão loucos e que precisam de medicalização, é resultado de um sistema que prioriza o lucro. A loucura é a experiência que cada um tem dos seus próprios limites. E ouso dizer que o contrário da tristeza não é a alegria, mas a atividade”, ressaltou Freud.
ULAPSI
Secretário-geral da União Latino-americana de Entidades de Psicologia (ULAPSI), o psicólogo cubano Manoel Calvino também falou exclusivamente ao SinPsi. Para ele, há muitas coisas a serem apreendidas em um encontro como o III Seminário Internacional A Educação Medicalizada, para vislumbrar as mudanças necessárias na América Latina.
“Medicalização, patologização e criminalização são temas básicos e necessários a todas as reflexões da psicologia latino-americana. Isso é sobre o conjunto de mecanismo pelos quais se tem submetido a nossa identidade cultural, o nosso direito como indivíduos e como nação. Portanto, a psicologia latino-americana está obrigada a demandar para esta realidade uma visão profissional, científica, ética e política”, destacou.
Calvino reconheceu que, apesar de os povos da América do Sul serem diferentes em especificidades, fazem parte de um continente único, assim como muitos dos problemas e das ações para o futuro são também únicos, comuns.
“Tudo o que somos capazes de fazer passa por nossa capacidade de fazer juntos. E nisso cito a ULAPSI, que tem como função fundamental unir forças, critérios, vontades, para fazer uma profissão e uma ciência mais adequadas à nossa realidade continental, mais adequada às exigências de nosso povo, mais reivindicadora do bem-estar e da felicidade real de nossa gente. A todo trabalho que vai nessa direção a ULAPSI abre as portas e ativamente busca, também, essa colaboração”, explicou.
A colaboração europeia no debate sobre a medicalização foi considerada:
“Essas instituições que vêm da Europa querem se somar a esta realidade. Não é a tônica histórica nem a tônica real do que ocorreu com os países europeus, nem com os Estados Unidos, com respeito à América Latina. Se agora existir preocupação e colaboração dos europeus para com a nossa problemática, que sejam bem vindos”, pontuou o psicólogo cubano.
Sobre a polêmica que envolve a vinda de médicos cubanos para trabalharem em cidades distantes dos grandes centros urbanos brasileiros, Calvino considera que a medicina cubana deve ser respeitada por possuir essencialmente uma ética humanista, por estar, acima de tudo, à disposição das pessoas.
“É uma medicina que não espera outra coisa que não seja o bem-estar e a felicidade das pessoas. Eu acredito que isso dê notoriedade à medicina cubana e é o que dói em alguns círculos profissionais. São médicos de alto nível, capazes de manter princípios éticos e solidários. Isso é o que dói em uma pequena minoria”, finalizou.
Também participaram da mesa internacional Lygia de Souza Viégas, secretária executiva do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade e membro da UFBA; Beatriz Janin, da Universidad de Buenos Aires e do Forum Infancias, da Argentina; Rosa Nunes Soares, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, de Portugal; e Albana Paganini Paradeda, da Universidad Diego Portales, do Chile.
Palestra final
À tarde, a última palestra do evento ficou por conta da renomada pediatra e presidenta do Seminário, Aparecida (Cida) Moysés. Em apresentação detalhada sobre o que se divulga e o que não se divulga no universo das pesquisas e estatísticas sobre medicalização, Cida afirmou que discute-se comportamento como produto social, com marcas da inserção no tempo e espaço.
“A grande discussão é sobre a dificuldade epistemológica de se definir o que é normal em termos de saúde, principalmente em saúde mental. E isso não é estatística”, avaliou.
Cida mostrou uma pesquisa que tem como objetivo comparar a eficácia e os efeitos adversos em idade pré-escolar a longo prazo e os efeitos adversos em todas as idades e variações geográfica, temporal e social de diagnóstico e tratamento.
“De 30 anos de publicações sobraram 12 trabalhos, número nada expressivo. Os resultados mostram que na idade pré-escolar orientação familiar funciona bem. Em todas as idades medicalização tem resultado de baixa eficácia. Não há evidências de que um pscio-estimulante melhore um diagnóstico a longo prazo. Dados de que medicalizar melhora o rendimento são inconclusivos.
Segundo a médica, os efeitos negativos da Ritalina ocorrem nas funções cognitivas mais complexas, como flexibilidade na resolução de problemas e pensamento divergente – aquelas que nas dinâmicas de seleção pra emprego são muito valorizadas. As que fazem sonhar, ter utopias, questionar, querer transformar o mundo, essas são comprometidas.
“O próprio relatório de 1994 da Associalção Americana de Psiquiatria diz que estimulantes não produzem melhoras duradouras em crianças. Em resumo, o principal efeito dos estimulantes é a melhora no manejo da classe, não no desempenho acadêmico”, pontuou.