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Redução da maioridade penal: mídia e ofensiva da direita buscam criminalizar o jovem

Cleuza Rosa, do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, aponta medidas para desconstruir campanhas sensacionalistas e fortalecer o sistema socioeducativo

A ofensiva conservadora e reacionária ganha cada vez mais espaço no Congresso Nacional, vide a nomeação do deputado e pastor evangélico Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

Somente sobre o tema da redução da maioridade penal existem 19 projetos de lei. São Iniciativas que visam à retirada de direitos com medidas meramente punitivas que ao invés de recuperar socialmente a criança e o adolescente, os encaminha ainda mais para o mundo da criminalidade.

A última investida parte do Projeto de Lei de autoria do Executivo, com o apoio da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que pretende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e instituir a chamada ‘responsabilidade progressiva’, ou seja, a proposta aumenta o tempo de internação do jovem conforme a gravidade da infração e a faixa etária.

Na medida em que os adolescentes permanecem privados de liberdade por um longo período, acaba-se criando uma ofensiva danosa e irreversível rumo à expansão do estado penal brasileiro.

Essa é a opinião expressada por Cleuza Rosa da Silva, representante a CUT no Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA).

A entidade foi criada há 25 anos e é formada por 52 organizações da sociedade civil, além de 26 fóruns estaduais e do Distrito Federal.

Ela acredita que iniciativas para reduzir a maioridade penal representam uma ameaça a toda construção do Estatuto da Criança e do Adolescente instituído em 1990. “Um desses projetos propõe internar o jovem ad eternum no manicômio. É uma inconstitucionalidade e um desrespeito a toda luta histórica por um sistema digno que recupere plenamente esse jovem para a sociedade. Você aumenta a maioridade penal, encarcera e o jovem vira um criminoso de fato, pois em nenhum momento terá a oportunidade para se recuperar”, lamenta.

Para Cleuza, ao ferir o ECA atinge-se todas as outras esferas constitucionais. “Ou seja, qual será o direito da criança e do adolescente? Poderão votar, dirigir, consumir bebida alcoólica, cigarro? Porque passarão a responder pelos seus atos. Então, a redução em si não pode ser analisada por apenas um viés, porque acarretará em uma série de outros questionamentos”, ponderou.

Ministra afirma sua contrariedade à redução da maioridade penal

Em reunião anterior a assembleia extraordinária do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) realizada no dia 30 de julho, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, foi enfática ao afirmar sua contrariedade à redução da maioridade penal.

Após o recebimento de várias moções em repúdio ao projeto da ‘responsabilidade progressiva’, inclusive do FNDCA (veja aqui), a ministra reconheceu que a Secretaria de Direitos Humanos não pode ir na contramão da sociedade civil e aprovar a referida proposta ou qualquer projeto que vise a redução da maioridade penal ou aumento do tempo de internação.

Indicativos apontam que a matéria deverá entrar na pauta da Câmara dos Deputados no dia 14 de agosto. Para esta data, o Conanda em parceria com o Conjuve (Conselho Nacional de Juventude), FNDCA e outras organizações da sociedade civil, promoverá um ato público para pressionar os parlamentares a se posicionarem e votarem contra os projetos que tramitam no Congresso.

O Conanda também criou um grupo de trabalho no qual o Fórum faz parte para analisar os projetos e se contrapor a agenda conservadora. “Tiramos vários encaminhamentos para conscientizar e ganhar o apoio da sociedade e elaboramos uma agenda propositiva com ações junto ao Congresso, nos gabinetes dos parlamentares”, destacou Cleuza.

Informar e conscientizar

Temas como o da redução da maioridade penal ganham maior relevância nas tribunas do Congresso e na mídia sensacionalista em momentos de comoção nacional oriundos de atos de violência para reforçar o instinto repressivo, vingativo e higienista.

Ao recriminar a manipulação midiática, Cleuza aponta que a sociedade, por total desconhecimento, acaba comprando a versão difundida pelos meios de comunicação. “A direita e a mídia incorporam o discurso da criminalização do jovem em vez de pautar a questão do dever do Estado em melhorar o sistema socioeducativo dos adolescentes e investir em educação, lazer, cultura de uma forma ampla”, assinalou.

Indagada pelas entidades, a ministra se comprometeu em construir uma campanha nacional midiática sobre a questão da redução da maioridade penal, apresentando a sociedade uma série de dados e informações.

Hoje, não existem elementos que possam comprovar que a redução da maioridade penal diminuirá os casos de violência no país. Pelo contrário. O ingresso antecipado no desgastado sistema penal brasileiro vai expor ainda mais os adolescentes, já que o sistema penitenciário não tem cumprido sua função social de reinserção e reeducação.

A inserção do jovem no sistema penal pode ter efeito devastador como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas prisões são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.

“Não somos a favor da impunidade, pelo contrário. Hoje, a partir dos 12 anos qualquer adolescente é responsabilizado por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA que podem chegar até três anos. No sistema socioeducativo buscamos a recuperação deste jovem e não colocando ele mais na criminalidade. Essa é diferença chave que a sociedade precisa saber”, indagou Cleuza.

Fortalecer o Sinase

Dentre as medidas defendidas pela representante do FNDCA, destaque para a reestruturação e efetivação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

O Sinase é um programa instituído pelo governo federal no começo do ano passado. Porém, hoje, os núcleos existentes estão sucateados, de acordo informações do Conanda que tem realizado visitas e solicitando a desativação desses locais. “No sistema atual o jovem não está sendo recuperado. É preciso fortalecer o Sinase com o propósito de promover a recuperação destes jovens. É parte do processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional. Não adianta somente endurecer as leis se o próprio Estado não cumpre a sua responsabilidade com os direitos econômicos, sociais e culturais previstos e garantidos pela Constituição Federal e pelo ECA”, salientou Cleuza.

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