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Curta feito por jovens da periferia de SP é eleito para festival em Londres

Um curta-metragem feito por 14 jovens da periferia de São Paulo, como trabalho final de um curso gratuito de cinema, sequer estreou nas salas do país e já foi selecionado para integrar um festival em Londres, que acontece até o dia 5 de setembro. O filme “Samba e Silêncio”, dirigido por Bianca Martino, 19, será exibido no InShort Film Festival como parte da mostra “Brazil in Focus”, que inclui outros cinco curtas nacionais: os documentários “Meu Guri – Além do Castigo” (2014) e “Proibidão” (2012), as ficções “Nego” (2011) e “A Rua É Pública” (2013), e o experimental “Maldito Judim” (2010).

A trama, de pouco mais de cinco minutos, apresenta uma família (a mãe, Cida, e o filho, Jonathan) que enfrenta a perda do pai, Tião, morto de forma repentina. O homem deixou a rádio comunitária que comandava e uma mulher em depressão, que coloca um disco na vitrola para manter vivas suas lembranças. O filho resolve, então, continuar a trajetória do pai e dar um novo ânimo à mãe.

A trilha do filme, embalada pela música “Por um Fio”, interpretada pelo grupo paulistano Filarmônica de Pasárgada, resume em seus versos a essência da história: “Saiu, nem me deu adeus, sumiu. Nem bateu a porta, viu. Nem levou o que era seu. Eis o nó do nosso amor, só por um fio. E agora meu samba é silêncio”. “Primeiro pensamos numa música do Cartola chamada ‘Corra e Olhe o Céu’, só que ia ficar muito complicado por causa dos direitos autorais. Essa banda era mais acessível”, conta a roteirista Marina Carafini, 20.

“Samba e Silêncio” foi rodado em um único sábado de novembro, em três locações no Brás. A equipe trabalhou com atores profissionais, mas contou com a boa-vontade da caseira da Escola Estadual Padre Anchieta, onde o curso de dois meses foi ministrado, para filmar na casa dela, no terreno do próprio colégio. “Não podíamos nos deslocar muito, por conta dos equipamentos. E a dona Ana cozinhou para nós, fez um macarrão excelente. Ela aparece nos créditos finais de agradecimento”, conta Marina.

Dramas e sonhos

Além de passar no festival de Londres, “Samba e Silêncio” e mais dois curtas (“Isabela” e “Sobre Viver”) feitos por alunos do curso É Nóis na Fita – aberto no início de 2014 em São Paulo – estarão presentes no Festival Cine Inclusão, de 9 a 19 de setembro, no Memorial da América Latina, em São Paulo. O evento vai reunir 26 curtas-metragens (documentários e contos ficcionais) assinados coletivamente, cuja temática se concentra na realidade, nos dramas e sonhos de jovens da periferia paulistana. Na programação também há filmes de países como Argentina, México e Colômbia, e outros dois curtas nacionais (“Meu Guri – Além do Castigo” e “Maldito Judim”) vão passar tanto no Memorial quanto no festival inglês.

“Quando fomos escolhidos para o Cine Inclusão foi uma felicidade, a gente achava que o filme não seria visto em lugar nenhum. E a gente nem tinha noção de que estava concorrendo para passar em Londres. Gostaria muito de saber o que eles vão achar, porque não vou estar presente”, diz Marina. “E a banda também, que ainda é iniciante e nunca foi para fora do país, agora vai”, completa a estudante, que pretende fazer no futuro um documentário para a avó. “Ela brincava num rio perto de casa que está enterrado, mas ainda consigo ouvi-lo. Penso em fazer algo para resgate de memória. São Paulo não tem mais água, mas está cheia de córregos soterrados”, conta ela, que é moradora da Vila Matilde, na zona leste.

Para Marina, os jovens da periferia e outros grupos que não têm tanta representatividade social precisam se retratar mais nas telonas. “Temos que falar sobre nós mesmos, não existem esses temas no cinema de massa, e aí você não aproxima, não cria empatia com o público. Quando alguém se identifica com a nossa história e se reconhece nela, é possível inspirar a mudança, fazer algo diferente”, analisa Marina. A diretora Bianca concorda: “Acredito que no Brasil há produções muito diversas, de diferentes estados e realidades, mas não temos acesso a toda essa variedade. Os poucos cinemas aqui na zona leste, por exemplo, passam no máximo cinco filmes por vez, quase todos blockbusters de Hollywood. Essa limitação é prejudicial, pois, se eu não tenho conhecimento, como posso saber se gosto ou não?”.

Nova turma

Criado no início de 2014, o curso É Nóis na Fita atende jovens carentes de 15 a 20 anos de toda São Paulo. Por ano, são formadas cinco turmas de 25 alunos cada, que têm aulas por nove finais de semana. No ano passado, o resultado foi a produção de dez curtas-metragens com cerca de cinco minutos, exibidos no Cine Livraria Cultura no início de 2015.

Idealizado há sete anos, o projeto é coordenado pela diretora, roteirista e atriz Eliana Fonseca –a Cacilda de “Rá-Tim-Bum”, a babá de Nino em “Castelo Rá-Tim-Bum”, da TV Cultura, e atualmente no ar como Oneida de “Chapa Quente”, da Globo. “Fazemos uma seleção pela internet e prova presencial, com dinâmica. Temos oito professores da USP (Universidade de São Paulo) e do Senac, fora os convidados, e dez monitores”, diz Eliana.

A próxima turma do curso será na Associação Escola da Cidade, centro de São Paulo, e está com inscrições abertas até o dia 6 de setembro. “Muitos chegam aqui querendo fazer filmes épicos, de ‘Ben-Hur’ para cima. Mas aí buscamos aguçar o olhar, ensinar a linguagem cinematográfica, trabalhar o poder de síntese e o mundo em volta deles, com temas como sexualidade, superação, dificuldades para vencer na vida, falta de estrutura”, explica Eliana.

“Esses meninos estão sedentos por informação, oportunidade, mostram até mais interesse do que outros alunos. A maioria quer seguir carreira, apesar de não ir muito ao cinema, que é caro. Acabam vendo na TV, em DVD ou baixando na internet”, diz a coordenadora do É Nóis na Fita. “Como fruto do curso, alunos do CEU Quinta do Sol, na zona leste, já abriram uma microprodutora independente”.

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