Congonhas do Campo tem barragem maior que as de Brumadinho e rejeito chegaria em oito segundos a bairro de mais de 5 mil habitantes. Empresas usam técnica ultrapassada para economizar
O estado de Minas Gerais concentra 90% do nióbio que há no Brasil. No Quadrilátero Ferrífero, região localizada no centro-sul do estado atingida pelo rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, está a maior produção nacional, cerca de 60%, do minério de ferro do país.
O que poderia significar só pujança, encerra medo e desespero. Segundo o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Pablo Andrade Dias, o Binho, a região tem mais de 700 barragens de rejeitos: 250 em situação de risco e 50 em risco grave. Esses dados, afirma, são de levantamento feito pelo Ministério Público e pelo Ibama em 2014. “Atualmente já há mais em situação de risco e muitas delas em regiões metropolitanas.”
Estima-se que 12 milhões de metros cúbicos de rejeito foram despejados pela Barragem da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho. O rejeito chegou ao Rio Paraopeba. E é iminente o risco de alcançar o São Francisco, do qual é afluente. A lama pode chegar a 19 municípios, comprometendo o abastecimento de água de cerca de 1 milhão de pessoas
O Quadrilátero Ferrífero tem aproximadamente 7 mil quilômetros quadrados que abrangem cidades como Casa Branca, Itaúna, Itabira, Nova Lima, Santa Bárbara, além das históricas Sabará, Congonhas do Campo, Mariana e Ouro Preto, patrimônios históricos e culturais da humanidade, tombados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“Congonhas tem barragem da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) muito maior que as que romperam aqui em Brumadinho”, conta Binho. “Caso rompa, o rejeito chega em oito segundos a um bairro de mais de 5 mil habitantes no centro urbano do município. O pessoal do MAB de lá relatou que o povo passou as últimas três noites sem dormir, andando pelas ruas, preocupados com o rompimento.”
Binho afirma que, “não bastasse isso”, a empresa tem solicitado insistentemente o alteamento da barragem, desconsiderando o risco das vidas da população. Essa operação significa elevar o tamanho do muro para aumentar a capacidade e poder depositar mais rejeito prensado.
“É uma região que faz parte da bacia do Paraopebas, responsável pelo abastecimento de água de boa parte da região metropolitana de Belo Horizonte. A gente já está preocupado com a barra de Brumadinho, mas se Congonhas vier a romper será alerta vermelho para o acesso à água em toda região”, avisa o coordenador do MAB.
Risco permanente
As barragens de Mariana e de Brumadinho não figuravam entre as 50 em risco grave de rompimento no estado de Minas Gerais.
“Essa barragem não estava no mapa de riscos. Estava estável e fechada desde 2015 e não apresentava aparentemente rachaduras ou outro problema”, explica a publicitária Maíra do Nascimento, integrante do Movimento Águas e Serras de Casa Branca, para esclarecer que estar fora do mapa de risco pode não significar muita coisa. “Barragens de rejeitos de minério desse tipo se apresentam estáveis em condições normais de tempo, mas não estão necessariamente estáveis para outros problemas, como sismos, chuvas torrenciais que podem acontecer nessas regiões.”
O movimento existe desde 2011. Mas desde 2006 a comunidade local vinha alertando as autoridades sobre os perigos da mineração. “Nossa região tem muitos sismos, pequenos, que nós às vezes não sentimos, mas que podem abalar esse tipo de estrutura. E a própria atividade minerária, com as explosões que são feitas para facilitar a retirada de minério podem abalar essas estruturas de dentro pra fora.”
Maíra manifesta sua preocupação com as centenas de comunidades instaladas próximas às barragens. “Se as que teoricamente estão estáveis e não têm risco estouraram, que dirá outras que já estão com potencial risco. Barragens muitas delas como essa do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que colocam à jusante (abaixo da barragem) comunidades inteiras. São pelo menos 45 com nível alto de risco. E mesmo as que estão a montante (quando a comunidade está acima da barragem) vivem sob o risco de devastação ambiental, que num primeiro momento é menor, mas que depois acarreta em prejuízos econômicos, de saúde e ambientais.”
A ativista lembra que, logo após a tragédia de Mariana, em função da perda de diversidade principalmente dos anfíbios que comem muito insetos, houve o surto de febre amarela. “Agora, com esse segundo crime ambiental, virão ainda os problemas de saúde, além da perda material, de pessoas, da biodiversidade. Já perdemos muitos animais, peixes, o rio está condenado, a gente vai perder hidrelétricas, uma tragédia de dimensões incalculáveis.”
Binho reforça que a população mineira que está no entorno dessas barragens está em risco permanente. “E não existe nenhuma ação do poder público nem das mineradoras de precaução no sentido de inviabilizar barragens com maior risco de rompimento.”
Minas refém das mineradoras
Maíra e Binho consideram que a lógica do lucro está na base dos crimes ambientais e dos riscos a que estão expostos os moradores da região.
“A mineração impera aqui e não é só a população que está refém dos riscos que a mineração provoca e de todos os problemas de saúde, da contaminação, das relações de direitos humanos, do trabalho precarizado que é muito grave nas mineradoras. Historicamente o estado de Minas Gerais é refém”, avalia o coordenador do MAB. “E não estamos falando de um governo ou outro”, diz, descrevendo o lobby das mineradoras e o poder econômico vinculado ao Legislativo e ao Executivo, “gigantesco”.
Maíra vive isso diariamente. Ela atua como voluntária participando de reuniões, fóruns, comitês, conselhos, ajudando a estudar os processos de licenciamento, fazendo representações ao Ministério Público e a outros órgãos competentes para mostrar as inconsistências dos processos de licenciamento de mineração.
“Não era necessário nem fazer barragens”, conta ela. “As tecnologias utilizadas aqui são ineficientes, baratas, coisa que não se usa em países do primeiro mundo onde todo o processo é feito a seco e não existe esse tipo de tragédia. Mas aqui eles não utilizam, fazem o que é mais barato.”
Binho conta que depois do rompimento da barragem de Mariana foram feitos vários projetos de lei, todos barrados por iniciativa da Vale ou outras mineradoras que atuaram em conjunto com a grande transnacional, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. “A política de direitos das populações atingidas por barragens, que não foi aprovada, ficou em tramitação por três anos. A lei de segurança de barragens foi inclusive resultado da Comissão Especial depois do rompimento da barragem da Samarco e não foi aprovada.”
O Movimento dos Atingidos por Barragens manifesta, ainda, grande preocupação para que não se repita o que ocorreu em Mariana. “A gente está atuando nesse momento emergencial, mas já está pensando em como vai ser daqui um mês, dois meses, na construção de processos que garantam os direitos das famílias”, relata Binho.
Segundo ele, a Justiça, sobretudo a 12ª Vara, que tem julgado e acompanhado o processo de Mariana, tem responsabilidade no crime de Brumadinho. “Hoje o juiz dessa Vara atua muito mais como um braço da Vale no Judiciário do que como um juiz que garanta os direitos da população. Isso cria uma situação de impunidade que deixa as mineradoras muito à vontade para continuar cometendo crimes.”
Maíra afirma que as autoridades competentes deveriam fazer uma rápida análise das barragens e descomissionar todas. “Além de retirar com toda segurança e precaução os rejeitos dessas barragens e parar com o licenciamento. Todo o processo de licenciamento de mineração no Brasil precisa ser reavaliado.”
Brasil refém da privatização
Para o coordenador do MAB, o fato de grande parte da mineração estar nas mãos de empresas privatizadas, transnacionais, agrava a situação. “A gente tem feito essa denúncia desde o rompimento em Mariana. O processo de privatização da Vale colocou uma situação em que o interesse dos acionistas e aqueles que determinam a política, as ações, a atuação, as prioridades, a velocidade de cada coisa é um interesse que está orientado pelo lucro. A preocupação com a sociedade, a questão social, as vítimas, o meio ambiente, tudo isso é secundarizado”, critica.
Diante disso, é grande a preocupação com o anúncio de novas privatizações. “Isso vai colocar uma lógica de lucro que vai impor uma situação para todo o Brasil de insegurança maior”, avalia Binho. “Imagina os vazamentos de petróleo, caso a Petrobras venha a ser privatizada e a lógica vai ser acelerar a exploração de petróleo. O rompimento de barragens de hidrelétricas que o lucro vai impor uma redução da manutenção. O Estado minimamente tem condição de pensar a questão social, ambiental e outros elementos de desenvolvimento nacional de fato, e não só de espoliação, do lucro, que é a lógica da atuação das empresas privadas no Brasil e que nos coloca em risco.”