Vivemos tempos em que há uma nefasta necessidade de patologizar comportamentos rotineiros do dia a dia, especialmente, nas escolas e nas clínicas psicológicas, destinadas ao atendimento de pessoas diagnosticadas com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Chega-se ao despropósito de equiparar traços próprios da idade como um problema, senão um transtorno a ser combatido pela medicalização.
Aquilo que antes era considerado comum torna-se, então, o resultado sintomático de uma Disfunção Cerebral Mínima (DCM). Com todo o respeito aos psiquiatras e neurologistas sérios, é importante frisar as controvérsias que existem em cima de tal diagnóstico. Isso porque a impulsividade, a hiperatividade e a desatenção também são traços comportamentais nítidos de uma infância saudável e de uma adolescência em pleno desenvolvimento.
Quem conhece, de perto, o trabalho dos professores sabe como é desafiante manter a atenção dos alunos diante de conteúdos que, às vezes, não lhe são interessantes para aquele momento. Há um misto de dificuldades que comprometem o rendimento da aprendizagem. Logo, faz-se importante acompanhar o aluno inquieto para descobrir o porquê de tamanha agressividade com os colegas e de tanta desatenção dentro da sala de aula.
A primeira constatação parte dos profissionais da educação e é encaminhada, posteriormente, para os psicólogos. Compõe-se, dessa forma, uma ferramenta de auxílio solidário, no intuído de que os alunos aprendam a ler a realidade, por meio do conhecimento adquirido e sem quaisquer tipos de obstáculos. Algo de se admirar, pois, ao mesmo tempo em que ensina, a escola também oferece as bases imprescindíveis do aprendizado qualitativo.
O que não convém é o aparecimento de diagnósticos prontos e acabados pela opressão de transformar o normal em patológico, o habitual em doença. Assim, problemas coletivos sãos transferidos para a individualidade dos alunos, considerados, agora, como portadores de um transtorno neurobiológico herdado. Deixa-se de lado a implicância de fatores econômicos, culturais e políticos que atuam, diretamente, no contexto do ensino. O mais grave disso tudo é que as potencialidades do processo de escolarização são reduzidas a um suposto distúrbio. Portanto, frente às peraltices dá-lhes ritalina!
A famosa ritalina é um medicamento voltado para a estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC). Trata-se de um metilfenidato, pertencente à família das anfetaminas. O mecanismo de atuação dessa droga sintética faz com que a atividade cerebral seja acelerada, pelo fato das sinapses – comunicação de um neurônio com outro – trabalharem com maior rapidez. Tanto a criança, quanto o adulto, sob o efeito da anfetamina, acaba por ficar mais ligado às atividades que demandam mais tempo e atenção. Lapsos de insônia também são encontrados em relatos médicos. Até mesmo o apetite fica diminuído. É a chamada inapetência.
Todavia, se equivoca quem pensa que a ritalina só exerce influência no cérebro. Pelo contrário, ela atua apressando os batimentos cardíacos, gerando um quadro clínico de taquicardia ou bradicardia, isto é, o funcionamento lento ou irregular do mesmo. Em doses além das prescritas, pode gerar o delírio persecutório, no qual a pessoa sente-se perseguida, acreditando que os outros estão maquinando contra ela. Nos casos mais graves, há um sério risco do aparecimento da psicose anfetamínica, permeada por perturbações psíquicas, dentre elas a alucinação e a paranoia. Ambas são assinaladas por aquela suspeita patológica, ao errar na interpretação da realidade, vista pela ótica da fantasia criada.
O problema maior está na utilização ininterrupta da ritalina e de outras anfetaminas. Chega um tempo em que o organismo se acostuma com a droga, sendo tolerante a ela. Assim, para que o efeito ocorra aparece a duvidosa necessidade de aumentar as doses. Dessa forma, a concentração de neurotransmissores associados ao prazer (dopaminas) se eleva a ponto da pessoa só se acalmar tomando mais um comprimido. O modo de desempenho da ritalina, entre tolerância e privação, é idêntico àquele de quem recorrem às substâncias psicoativas como, por exemplo, a cocaína. Pesquisas na área da neurologia já apontam que o uso sistematizado do medicamento pode comprometer determinadas células cerebrais, a ponto de causar danos irreversíveis.
Dói na consciência ver crianças e adolescentes tornarem-se dependentes de medicamentos e sofrerem, em demasia, com o período de abstinência. O diagnóstico de TDAH, feito de forma indiscriminada, transforma os sonhos da infância em verdadeiros pesadelos. Crianças questionadoras são classificadas como enfermas. Os adolescentes, com dificuldades às regras, passam a ser silenciados pela quietude produzida em massa na indústria farmacêutica. Proibidas quimicamente de serem elas mesmas, também ficam impossibilitadas de crescerem devido à medicalização do cotidiano.
Hoje, o Brasil ocupa o segundo lugar mundial no consumo da ritalina, perdendo apenas para os Estados Unidos. Um dado que preocupa. Não só pensemos, mas ajamos para que os fármacos jamais sejam utilizados no sentido de patologizar a existência humana.