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Ambientes de trabalho: inimigos da saúde mental

10.out.2024 Por Norian Segatto

Em 1992, a World Federation of Mental Health (Federação Mundial de Saúde Mental) estabeleceu o 10 de outubro como dia mundial da saúde mental, no qual um dos objetivos é conscientizar sobre a importância dos cuidados com a saúde mental na sociedade em seus vários ambientes e interfaces.

A preocupação com a saúde mental tem ganhado cada vez mais espaço na sociedade, um fenômeno com aspectos positivos e negativos. No polo positivo pode-se creditar uma maior conscientização sobre a necessidade de cuidados básicos para o indivíduo e de mudanças estruturais na forma de vivência em sociedade. Na coluna dos “negativos”, a popularização do tema leva a que indústrias da doença produzam cada vez mais e mais remédios “milagrosos”; teses psiquiátricas que concentram todos os males em aspectos químicos do organismo (vindos, daí, a necessidade de medicação cada vez mais precocemente) são combatidas por importantes vozes do mundo da saúde, como a dra. Maria Aparecida Moyses, do movimento Despatologiza e o psiquiatra Paulo Amarante, que recentemente lançou o livro Desmedicar – a  luta global contra a medicalização da vida.

Capa do livro Desmedicar

Este ano, com tema oficial “É Hora de Priorizar a Saúde Mental no Local de Trabalho”, as instituições e organismos públicos buscam destacar a necessidade de mudanças nos ambientes de trabalho para que se possa promover um ciclo virtuoso em que o trabalho não seja fator de adoecimento.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada oito pessoas convive com algum tipo de sofrimento mental, 31% dos casos são de ansiedade, 28,9% de depressão condições que cresceram 26% e 28%, respectivamente, desde a pandemia da covid-19. “Locais de trabalho que promovem a boa saúde mental e a redução do estresse não apenas melhoram a saúde mental e física, mas também têm mais probabilidade de reduzir o absenteísmo, melhorar o desempenho e a produtividade, aumentar a motivação da equipe e minimizar a tensão e o conflito entre colegas”, afirma relatório da OMS.

Trabalhadoras e trabalhadores como protagonistas

No artigo intitulado Clima organizacional e seus reflexos na saúde mental dos trabalhadores, de 2020, as autoras Ana Paula Guljor, Elaine de Souza Ramos e Patrícia Nassif da Cruz, problematizam se: a) As mudanças que se processam no “mundo do trabalho”, decorrentes da incorporação de tecnologias e estratégias gerenciais podem provocar alterações no clima organizacional?; b) As condições de trabalho podem afetar o bem-estar psicológico, causando adoecimento?; c) Quais os tipos de transtornos mentais relacionados ao trabalho são descritos como mais frequentes nas organizações no momento atual?

Como resposta, sustentam que “cabe às organizações a busca de formas de criar um ambiente de trabalho propício, preocupando-se com a saúde mental de seus trabalhadores. É nessa demanda que se insere o papel da área de Gestão de Pessoas, visando promover mudanças no ambiente interno, na estrutura da organização, nas relações interpessoais e consequentemente, nas relações de trabalho que acontecem na organização. Quando existe essa preocupação em investir em bons gestores de pessoas, pode-se, portanto, melhorar a questão da saúde mental do trabalhador”.

No entanto, não é plausível esperar que apenas a gestão da empresa se mobilize para dar soluções a problemas que a estrutura do mundo empresarial causou aos trabalhadores/as ao aprofundar cada vez mais a precariedade das relações laborais. “Aos trabalhadores e trabalhadoras cabem se mobilizar cada vez mais para garantir direitos e conquistas e para isso a organização sindical é fundamental”, avalia a diretora do SinPsi e da Fenapsi, Fernanda Magano, que também faz parte da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde.

Do ponto de vista individual, algumas medidas podem ser tomadas para minorar os aspectos nefastos de ambientes de trabalho tóxicos. Segundo matéria publicada na Biblioteca Virtual de Saúde, site vinculado ao Ministério da Saúde, destacam-se:

Equilíbrio entre trabalho e vida pessoal: Quando este equilíbrio é prejudicado, podem surgir problemas de saúde mental e afetar o desempenho no trabalho, as relações pessoais e a qualidade de vida geral. Algumas dicas para alcançar essa harmonia incluem:

Estabelecer limites claros entre o trabalho e a vida pessoal: isso significa desligar o celular e o e-mail fora do expediente, reservar tempo para atividades pessoais e de lazer e dizer “não” a tarefas que não sejam essenciais.

Cuidar da saúde física e mental: praticar exercícios físicos regularmente, ter uma alimentação saudável, dormir o suficiente e buscar ajuda profissional, se necessário.

Desenvolver habilidades de inteligência emocional: isso inclui aprender a lidar com o estresse, a frustração e as emoções negativas de forma saudável.

Medidas que contribuem para que o ambiente de trabalho seja saudável

Combate ao assédio: organizações públicas e privadas devem implementar políticas de combate à cultura do assédio moral e sexual. Isso porque situações de humilhação, estresse e cobranças excessivas e obsessivas por resultados e produtividade são situações capazes de gerar ou agravar problemas mentais.

Empatia e acolhimento: desenvolver atitudes empáticas e compreensivas é fundamental para um ambiente mais colaborativo e respeitoso. Isso também dá mais segurança a quem enfrenta transtornos mentais.

Escuta ativa: uma forma de exercer a empatia é dialogar e demonstrar abertura. Nesse processo, a chamada escuta ativa é uma prática essencial. Demonstrar real interesse pela outra pessoa ao ouvi-la com atenção plena, fazendo com que ela se sinta segura para expressar opiniões e sentimentos.

Combate ao preconceito: para tornar o ambiente profissional mais saudável também é necessário combater o preconceito e o estigma que existe em torno de problemas de saúde mental. O relatório da OMS chama a atenção para estereótipos como os que associam os transtornos a características como fraqueza, preguiça, irresponsabilidade ou perigo.

Do ponto de vista sindical, acrescente-se a essa lista:

Diminuição da jornada de trabalho sem redução salarial.

Legislação trabalhista que proteja os/as trabalhadores, especialmente funções mais vulneráveis, como hoje acontece com trabalhadores de aplicativos.

Políticas internas de valorização e promoção profissional.

Respeito integral à diversidade.

Apoio às mulheres, que geralmente cumprem dupla ou tripla jornada com fornecimento de creches, auxílio maternidade entre outros.

Fim de cobrança abusiva por metas

Evolução do pensamento empresarial capitalista de competitividade individual para colaboração coletiva.

Lutar por um ambiente de trabalho saudável, que cause progresso humano em vez de sofrimento mental é uma tarefa coletiva de todos nós: construir relações de trabalho dignas é uma das mais importantes bandeiras do movimento sindical.

Livros

Para quem deseja se aprofundar mais sobre o tema, seguem algumas dicas de leitura.

A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho, de Christophe Dejours

O trabalho enlouquece?, de Wanderley Codo

Por uma psicologia do trabalho, de Wanderley Codo

Trabalho & Sofrimento: práticas clínicas e políticas, de Álvaro Roberto Crespo Merlo

Atenção à Saúde Mental do Trabalhador, de Álvaro Roberto Crespo Merlo

O Sujeito no Trabalho: entre a saúde e a patologia, de Álvaro Roberto Crespo Merlo