O drama do povo guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul está mobilizando a sociedade e autoridades brasileiras. Ontem (31), durante coletiva realizada no Conselho Federal de Psicologia, representantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDH) anunciaram o envio de uma carta à presidenta da República, Dilma Rousseff, e à Organização das Nações Unidas (ONU) alertando sobre as violações de direitos do povo guarani-kaiowá.
Durante a coletiva, convocada pela CDH, a conselheira e diretora do CFP, Monalisa Barros, destacou que a comunidade guarani-kaiowá está sendo constantemente ameaçada e tendo seus direitos básicos cerceados. “Toda essa situação produz uma vulnerabilidade ainda maior. Estamos cumprindo o nosso papel de garantia de direitos”, disse a conselheira, que representou o presidente do CFP, Humberto Verona.
Para Monalisa, negligenciar a situação do povo guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul não é uma situação natural. Segundo ela, muitas pessoas acham normal quando fazendeiros dizem que vão exterminar todos os indígenas que estiverem pelo caminho. “Não há uma comoção maior [sobre a causa indígena no Brasil]. O CFP disparou mensagens de apoio nas redes sociais e colocamos cinco mil cruzes no Congresso e conseguimos despertar a comunidade. Isso não pode ser naturalizado em frente a uma grave violação de direitos humanos.”
A representante do presidente do CFP lembrou que a questão indígena é uma prioridade para o conselho, tanto que durante a 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, que reuniu mais de 30 mil pessoas em setembro, no Anhembi, em São Paulo, foi unânime a decisão do Sistema Conselhos em condecorar com o Prêmio Paulo Freire a líder guarani-kaiowá Valdelice Veron.
A situação é crítica em aldeias como Passo Piraju e Pyelito Kue. Há duas semanas, um grupo de indígenas guarani-kaiowá afirmou que os índios estavam dispostos a resistir, permanecendo em suas terras. Segundo informações divulgadas pela imprensa nacional e internacional os índios ameaçaram cometer suicídio coletivo. No entanto, no dia 30 o governo federal anunciou a suspensão da liminar que determinava a retirada.
O líder Guarani-Kaiowá Elizeu Lopes explicou que o suicídio não faz parte da cultura desse povo do Mato Grosso do Sul. “Os guarani-kaiowá vem denunciando o genocídio. A gente vem esperando há mais de 30 anos para que o governo demarque essas terras. Cada vez mais o agronegócio vem aumentando no Mato Grosso do Sul e cada vez mais estão expulsando os guarani-kaiowá das suas próprias terras”, denunciou.
O procurador da República em Dourados Marco Antonio Delfino de Almeida disse que há muita discriminação contra os povos indígenas, inclusive por parte das autoridades do estado. “Os índios ligam para o 190 e não são atendidos. A desculpa é que a responsabilidade seria da Polícia Federal. Isso é um caso claro de discriminação étnica”, afirmou.
O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzzato, questiona a paralisia do Estado brasileiro a não demarcação das terras. “Apenas dois mil hectares foram devolvidos. Isso é nada. Nos últimos 12 anos apenas três terras indígenas foram homologadas. Enfrentamos diversas dificuldades”, criticou.
A conselheira do CFP Sandra Amorim, que reside no mato Grosso do Sul, alertou que a questão indígena é invisível, naturalizada. “A missão dos psicólogos (as) é contribuir para que a sociedade desnaturalize a questão dos povos indígenas. Essa população não pode ser tratada como se fossem inferiores e despossuídos de direitos. Os direitos dos indígenas não podem ser vistos como concessão, mas como direito garantido e constitucional.”
Diligências
No ano passado, representantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados fizeram diligências pelos municípios de Amambaí, Rio Brilhante e Paranhos, no Mato Grosso do Sul, para avaliar a situação dos indígenas. Segundo a presidente interina da comissão, deputada Érika Kokay (PT-SP), “são crônicas de mortes anunciadas e há uma morosidade do Poder Judiciário para apurar as mortes e, com isso, é mantido o manto da impunidade.”
O coordenador da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Pedro Paulo Bicalho, também participou de uma expedição a aldeias de guarani-kaiowá no início deste ano. Ativistas de diferentes áreas, lideranças e professores indígenas passaram por aldeias e acampamentos indígenas, começando pelo município de Dourados.
Durante a missão, Bicalho constatou que estes indígenas continuam expostos a atos de violência de grupos armados e de omissão do Estado para práticas de extermínio. Além disso, ele ressaltou a desnutrição que as comunidades vivem todos os dias por falta de alimentação. Chama atenção também, na região, a presença dos chamados “jagunços”, forças de segurança privadas das fazendas, que têm inclusive autorização para porte de armas.
Ato em defesa dos povos indígenas
No último dia 19 de outubro, cinco mil cruzes foram espalhadas no gramado em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. O ato público, realizado pelo CFP, Justiça Global, Cimi e Plataforma Dhesca Brasil, chamou a atenção das autoridades para uma questão da violência e descaso com os povos indígenas no Brasil.
No mesmo dia, o presidente do CFP, Humberto Verona e a vice-presidente, Clara Goldman, o secretário-executivo do Cimi, Cléber Buzzato e lideranças indígenas, foram recebidos pela assessoria do Ministério da Justiça. Na audiência, os representantes do ministério se comprometeram a agilizar as reivindicações do CFP e entidades. “Neste momento, a diretoria se solidarizou com lideranças indígenas, reiterando a necessidade de garantia de vida dessa população permanentemente assediada por fazendeiros”, disse Clara.
Conheça a petição enviada pelo CFP a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) cobrando posicionamento em relação à defesa dos povos indígenas brasileiros, pelo link: www2.pol.org.br/main/manifestoPovoGuaraniKaiowa.cfm.
Somos todos Guarani-Kaiowá!