A polêmica parceria entre a TV Cultura e o jornal Folha de S. Paulo marcou o debate em torno das explicações sobre a reestruturação da emissora, durante audiência pública, realizada na última quarta-feira (30), na Assembleia Legislativa de São Paulo. O diretor-executivo da emissora, João Sayad, foi convidado pela Comissão de Educação e Cultura para prestar esclarecimentos sobre as demissões ocorridas na rádio e na TV, as mudanças na programação da emissora, como no caso da tentativa de extinção do programa “Manos e Minas”, a entrega, sem critérios públicos, de horários na programação para meios de comunicação privados, entre outros.
Divergências de concepções permearam todo o debate. De um lado, parlamentares, funcionários da TV Cultura, representantes sindicais e militantes da comunicação questionavam com o entendimento de que a emissora vive um processo de desmonte, com o sucateamento da produção e da estrutura. Do outro lado, João Sayad, defendendo a concepção da reestruturação da emissora a partir do conceito de eficiência, o que, na sua visão, justificaria a demissão de funcionários e a busca por audiência.
Na contramão do conceito primordial de uma emissora pública, em que a produção própria do jornalismo seria o principal aspecto de uma TV pública, a parceria com a Folha de S. Paulo, segundo o diretor, teria melhorado a audiência da TV, um dos motivos pelo qual defende a “ousadia” de tê-la na grade de programação. Entretanto, o argumento foi questionado por João Brant, do coletivo Intervozes. “Temos dados que mostram que nas cinco primeiras semanas que o programa TV Folha foi ao ar, houve queda de audiência em comparação às cinco semanas anteriores, no mesmo horário”, contestou.
Além disso, diversos militantes da comunicação questionaram o fato da parceria ter sido feita com um dos maiores veículos de comunicação, que já é consolidado no país. “Qual tipo de pluralidade está se buscando? A Folha de S. Paulo precisa de espaço em uma TV pública para ser ouvida ou o que se caracteriza seria uma propaganda gratuita em um espaço público de um grande veículo de comunicação?”, questionou Augusto Camargo, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Na ocasião, Renata Bielli, do Centro de Estudos Barão de Itararé, solicitou a abertura de editais para se estabelecer regras de quais produções independentes poderiam fazer parte da programação da emissora. “É preciso questionar qual o projeto da TV Cultura, uma vez que teria a missão como emissora pública de garantir a diversidade e a pluralidade informativa e cultural, abordando temas de interesse social e local, o que não acontece nos veículos comerciais, como no caso da Folha”, cobrou.
Relações trabalhistas
No que diz respeito aos trabalhadores, Sayad disse que a questão trabalhista sempre foi muito mal administrada, mas que as pendências já tinham sido todas resolvidas. No total, segundo o diretor, hoje trabalham cerca de 100 prestadores de serviços, após o cancelamento de contratos com a TV Justiça, Assembleia e Câmara. “A TV Cultura aumentou em 20% as horas de produção interna com 30% menos funcionários”, defendeu.
Em contrapartida, funcionários e dirigentes sindicais denunciaram o tratamento dispensado aos trabalhadores, que estão sobrecarregados. “Aumentou muito o número de afastamento de trabalhadores em função da depressão. Além disso, muitos não conseguem ter tempo para almoçar e vivem fazendo hora extra”, denunciou Sérgio Guimarães, do Sindicato dos Radialistas.
Para João Sayad, só existem duas pendências no que diz respeito aos trabalhadores: o fato da justiça (e da CLT) não aceitar que o jornalista almoce em 15 minutos, pois a exigência é de uma hora; e o fator dissídios coletivos. Além disso, questionou o fato de o Tribunal Superior do Trabalho ter decidido que a Fundação Padre Anchieta deve ter regime de contratação através de concurso público, semelhante como acontece hoje na TV Brasil. A visão patronal defendida pelo diretor é de que seria incompatível a estabilidade para funcionários em uma TV pública.
Espaço de resistência
Apesar de ter sido explicitada em cada explicação a divergência de concepção entre o diretor-executivo da Fundação Padre Anchieta e os demais presentes na audiência pública, a oportunidade de debate e esclarecimento caracterizou a resistência em defesa da TV Cultura protagonizada pelos representantes da sociedade civil.
O deputado Simão Pedro (PT), que integra o Conselho Curador da Fundação, responsável pela rádio e TV Cultura, endossou o coro de todos os parlamentares presentes e pediu ao diretor-executivo João Sayad que considerasse as reivindicações expostas, que refletia a opinião de grande parte da população paulista. “Achamos complicado que, em vez de investir numa programação própria, a TV Cultura ceda espaço para o jornal Folha de S.Paulo, que tem uma postura alinhada com o governo do Estado. O desmonte da programação pode, no limite, levar à privatização da emissora”, finalizou.