Convidado ilustre do 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), o médico sanitarista e professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Gastão Wagner conduziu sozinho a primeira conferência do evento, iniciada logo após as falas da mesa de abertura, na noite de 26 de maio.
Usando tom cativante e divertido, o professor tratou de assuntos relativos à pauta do cenário político atual e os reflexos que manobras do governo federal interino podem ter na saúde e nas políticas sociais. E iniciou a conferência “Os desafios para a consolidação do SUS e da política de saúde mental”, fazendo alusão à fala de Walter de Oliveira, presidente da Abrasme: “Quando o Brasil parece afundar, a gente mostra que cada vez é mais forte!”
“O Brasil melhorou no seguinte aspecto: nós, que somos a favor do direito universal a Saúde, do SUS, do respeito aos usuários, de modificações das práticas de saúde, da estratégia de reabilitação psicossocial, do atendimento integral, nós não estamos sozinhos. O número de brasileiros e brasileiras que hoje defendem a cidadania e a democracia é muito maior do que há alguns anos. O número de pessoas que valorizam o direito universal à saúde é muito maior do que quando começamos a reforma sanitária e a luta antimanicomial. O número de mulheres que são contra o machismo, que lutam para serem respeitadas como trabalhadoras, como pessoas, é muito maior do que o de 20 anos atrás. O número de brasileiros contra o racismo, a favor da luta dos povos indígenas, dos afrodescendentes, é muito maior. Os milhões de brasileiros que defendem a liberdade sexual, a liberdade de gênero, também aumentou”, disse.
O propósito de Gastão estava bem longe de pintar um País cor-de-rosa ou de maquiar problemas. Era dar esperança, era cativar mentes e reacender a paixão pela luta. Tanto que ele reconheceu a importância de os presentes observarem as minorias fascistas, o congresso conservador – grande parte formada por empresários, fazendeiros e brancos.
“De qualquer forma, somos milhões. E eu queria que pensássemos como nos relacionamos entre nós. Como nos articulamos, nos integramos com os milhões que estão pela cidadania e que se desesperançaram. Porque a esperança somos nós”, afirmou.
O palestrante falou sobre a importância do SUS e do fechamento de quase 70% dos manicômios no Brasil.
“Temos um SUS ainda incompleto, mas é nosso! E ainda conseguimos criar uma rede alternativa ao tratamento de saúde mental, com CAPs, centros de convivência, residências terapêuticas, que reúne trabalhadores de saúde e usuários na reformulação do cuidado. Vamos continuar essa luta. A resistência é importante, mas precisamos ser propositivos”, sugeriu, propondo dobrar o número de CAPs em território nacional.
E Gastão não poupou palavras para tecer críticas:
“Nós, trabalhadores do SUS, temos que criar carreiras públicas, porque a política do SUS para o pessoal é um horror, um desrespeito, uma gambiarra! E temos recurso financeiro para fazer isso! É mentira que não temos, eles estão nos enganando! É reacionarismo, é conservadorismo!”, enfatizou, explicando a lógica econômica de distribuição orçamentária. “A proposta de emenda complementar do governo Temer diminui o recurso para a Saúde e a Educação em todos os níveis. Estão mirando as políticas públicas, para fazer o ajuste fiscal. Os direitos trabalhistas estão ameaçados. Sou a favor do equilíbrio fiscal. Não podemos gastar mais do que temos. Mas acontece que a arrecadação de imposto no Brasil é feita de forma injusta”, problematizou.
Orçamento
Gastão Wagner se referia à proteção econômica dada às elites. Segundo ele, chegou a 50% o imposto não transformado em orçamento, por ser direcionado para pagamento da dívida pública. Para ilustrar, é como se metade do salário de um trabalhador fosse destinada a pagar juros do cheque especial bancário e ele, o trabalhador, renunciasse a gestão do salário e a passasse para o gerente do banco. Em seguida, citou o repasse direto e indireto de orçamento público para as grandes empresas.
“Este ano foram R$ 290 bilhões. Nos últimos cinco anos o valor superou o gasto com os ministérios da Educação e da Saúde do Bolsa Família juntos – o bolsa família gasta R$ 25 bilhões; mas o Congresso gasta R$ 28 bilhões, para se ter uma ideia. Nesse sentido, é hora de impedir que reduzam ainda mais o orçamento para a Saúde e a Educação”, conclamou, propondo ocupações, atos públicos e o que mais for necessário para transformar a realidade.
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