A RBA publica esta semana uma série de reportagens sobre a juventude brasileira. 51 milhões de pessoas, ou 37% da população entre 15 e 29 anos, os jovens padecem da falta de políticas públicas específicas. Quando existem, no geral são trabalhadas sob a perspectiva de que o jovem é um problema em potencial, e não o responsável por ideias inovadoras e o ator da conquista de novos direitos.
São Paulo – Com quase cinco meses de gestão completados, as oito pessoas que trabalham na Coordenadoria de Juventude de São Paulo enfrentam um dilema. “Temos de fazer uma opção: ou viramos um balcão de projetos e ficamos só tentando ajudar algumas iniciativas da sociedade, ou passamos a elaborar políticas públicas para os jovens”, revela Gabriel Medina, que dirige esse braço da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. “Se continuarmos com uma equipe reduzida, não conseguiremos mudar o que foi feito na administração passada. Essa visão precisa ser transformada radicalmente, mas nem sequer temos orçamento para dar conta das demandas da cidade.”
Segundo Medina, caso a situação continue igual, a pequena estrutura fará com que a coordenadoria tenha de escolher algumas poucas prioridades de atuação – apesar da gigantesca demanda da cidade. Uma delas já está definida: trazer para São Paulo o programa Juventude Viva, elaborado pelo governo federal para reduzir a mortalidade de jovens negros nas periferias das metrópoles brasileiras. Dados do Ministério da Saúde mostram que os jovens perfazem 53,3% das pessoas assassinadas no país em 2010. São mais de 25 mil mortos, dos quais 76,6% eram negros, e 91,3%, homens.
Os dados da capital paulista são menos alarmantes: 28% das vítimas de homicídio na cidade são jovens. E 57,6% são negros. Mas os números voltam a preocupar quando se analisam os assassinatos cometidos pela polícia. Em São Paulo, 76% das vítimas das forças de segurança são jovens. Deles, 70% são negros. As subprefeituras onde a juventude mais corre riscos são Campo Limpo, M’Boi Mirim e Capela do Socorro, onde morreram respectivamente 132, 120 e 90 jovens em 2010.
“Se considerarmos algumas regiões específicas é bem concentrado o número de homicídios por intervenção policial, inclusive por grupos de extermínio, que atingem principalmente os jovens negros”, explica Patrícia Rodrigues, representante da União de Movimentos de Moradia (UMM) no Conselho Municipal de Juventude. “O Juventude Viva pode ajudar a reduzir esses índices porque atua não apenas na esfera da segurança pública, mas também em cultura e educação. Trata da violência desde uma perspectiva de direitos humanos, e não tanto de policiamento.”
O membro da União de Núcleos de Educação Popular (Uneafro), Douglas Belchior, analisa o Juventude Viva como uma medida emergencial para reduzir as mortes, mas não acredita que o programa poderá resolver o problema da juventude paulistana. “É preciso combater as causas: concentração de renda, falta de moradia, todos os problemas que estão na vida dos jovens da periferia desde que nascem”, propõe. “A juventude é atingida pelos problemas estruturais da sociedade. Se temos uma precarização absoluta da educação, se você não qualifica oportunidades de emprego decente, tudo acaba refletindo no jovem.”
Educação e emprego são justamente dois dos principais problemas enfrentados pelos jovens paulistanos, segundo avaliação da própria coordenadoria. Mais especificamente, o que preocupa os movimentos sociais é a conciliação de trabalho e escola, sobretudo entre a juventude da periferia, que costuma entrar mais cedo no mercado. Isso acarreta complicações relativas à mobilidade urbana: distâncias imensas entre casa, trabalho e escola, transporte público caro e pouco eficiente.
“Existem muitos jovens que têm uma rotina de trabalho desgastante, e precisam conciliá-la com os estudos”, afirma Patrícia Rodrigues, da UMM. “É preciso viabilizar políticas que garantam trabalho decente para os jovens, com carga horária diminuída e com incentivos para que possam estudar.” Patrícia acredita que o primeiro emprego cumpre uma função importante na vida da juventude. “É um importante espaço de socialização”, diz, “mas não pode ser um emprego precarizado, que inviabilize as perspectivas de estudo.”
O membro do Grupo de Trabalho de Juventude da Rede Nossa São Paulo, Gabriel di Pierro, aponta que as políticas públicas destinadas aos jovens, diferentemente do que ocorre com as crianças e adolescentes, devem levar em conta a perspectiva da autonomia. “Quando falamos no Estatuto da Criança e do Adolescente, falamos em tutela e cuidado. Mas a juventude é uma fase de aquisição de autonomia por parte do indivíduo”, compara. “É uma população que está se inserindo no mercado de trabalho, terminando a educação formal básica, querendo sair de casa e construir um núcleo familiar próprio. Há uma série de demandas específicas.”
Por isso, Patrícia Rodrigues afirma que São Paulo precisa elaborar urgentemente um mapa para a juventude. “O último foi feito em 2003 e desde então não foi atualizado. A cidade mudou muito”, lembra a representante da UMM. “Precisamos ver onde estão esses jovens, quais são suas dificuldades, o que estão fazendo, se trabalham ou estudam, suas idades, se tem filhos etc. Assim poderemos produzir políticas. Sem saber exatamente o que é a juventude na cidade, fica difícil.”
Mesmo sem orçamento, a Coordenadoria de Juventude tenta aumentar a disponibilidade de dados sobre os jovens paulistanos pedindo a outros órgãos da administração municipal, estadual e federal que levem o tema em conta na hora de levantar informações sobre saúde, habitação ou educação. “Queremos integrar todos esses dados”, conta Gabriel Medina, “e iremos integrá-los num centro de informação que poderá ser utilizado tanto pelo governo como pela sociedade.”