O segundo dia de atividades do III Seminário Internacional “A Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças” foi preenchido por conferências enriquecedoras do debate sobre o tema.
O acolhimento foi feito pela dupla circense Edilson e Pinzindin, do Maroneros Circo. Logo em seguida, os trabalhos começaram. A primeira mesa, composta exclusivamente por médicos – um brasileiro, um norte-americano e dois argentinos – debateu o caráter ideológico da medicalização, cuja lógica busca causas orgânicas para problemas de diferentes ordens, seja do campo da aprendizagem, seja do campo das relações interpessoais.
A segunda mesa do dia, de nome “Intervenções no Cenário Social: inventando outros modos”, apresentou substituições à lógica da medicalização. As experiências estão no livro Recomendações de Práticas Não Medicalizantes para Profissionais e Serviços de Educação e Saúde, lançado em seguida ao simpósio, com distribuição gratuita aos participantes do evento.
Na ocasião, foi anunciado em plenária o veto da presidenta Dilma Rousseff a itens do Projeto de Lei (PL) 286/02, que regulamenta a profissão de medicina. Também conhecida como PL do Ato Médico, a resolução contém determinações que limitariam a atividade de outros profissionais de saúde quanto a diagnóstico e tratamento. Os Os participantes do evento elaboraram moção de apoio ao veto.
Judicialização
À tarde, a plenária foi convidada a lançar um olhar crítico sobre a judicialização e criminilização da vida e da política. A juíza Dora Martins, da Vara da Infância e Juventude de São Paulo, fez explanação sobre a realidade das instituições de acolhimento, que abrigam mais de 20 crianças no mesmo espaço físico, fator causador, dentre tantos outros relativos ao trauma do abandono familiar, de comportamentos diferenciados.
“A criança levada para o acolhimento institucional vive experiências únicas. Algumas se conformam com essa condição, mas outras se rebelam e acabam sendo medicalizadas por isso, pois o rebelde, aquele que exige seus direitos, não é muito aceito no grupo”, afirmou a juíza, explicando que a medicalização estigmatiza a criança: “Quem vai querer adotar uma criança que toma medicamentos psiquiátricos? Como convencer o cidadão de que a dor daquela criança é mais relacionada ao não-acolhimento do que a questões patológicas?”, questiona.
Vítima de tortura no governo ditatorial militar, nos anos 1970, Cecília Coimbra, membro-fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), avaliou os desdobramentos do que chama de biopoder: a medicalização, que por sua vez patologiza, e a judicialização, que leva à punição.
“Há subjetividades produzidas pelos meios de comunicação, pela escola, pela família, pelo trabalho, pela indústria farmacêutica. Eles ditam determinados modos de ver o mundo como corretos e únicos possíveis de existir. Nós acabamos naturalizando essas subjetividades, mas precisamos questionar, estranhar. Por que de repente surgiram sintomas e patologias de diversas ordens?”, provocou Cecília, que é psicóloga, historiadora e militante política.
A última mesa, que se formou logo após uma apresentação de capoeira, fez estudo sobre as diferentes práticas substitutas à medicalização na Educação e na Saúde. Para a fonoaudióloga Lucia Masini, da PUC-SP, o processo de medicalização, denunciado pelos fóruns reunidos no evento. há alguns anos reduz questões da vida social, complexas e multifacetadas, marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, à lógica médica, a um possível adoecimento do indivíduo.
“O trabalho na rede de cuidados não acontece porque temos um ou outro profissional do tipo super-herói, que faz tudo sozinho. É preciso criatividade para o enfrentamento dos problemas que acometem a população, com parcerias e ações coletivas. E isto não é trabalho fácil e imediato”, disse.
A médica Mariana Nasser, coordenadora do programa de adolescentes do Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa, do Departamento de Medicina Preventiva da USP, falou dos desafios nos trabalhos com saúde.
“Existe uma cultura forte, em nossa sociedade, de se querer tomar medicamento, em busca do resultado imediato. A proposta é que as equipes de saúde façam uso de ferramentas efetivas para mostrar ao usuário que há outro caminho, mais humano, mais saudável”, pontuou a médica.
Show e livros
Para encerrar o dia, o grupo musical Cabaré Três Vinténs fez um show enquanto acontecia o lançamento de livros, dentre os quais o livro Novas Capturas, Antigos Diagnósticos na Era dos Transtornos, sobre “II Seminário Internacional A Educação Medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos” Publicado pela Editora Mercado Letras, o livro tem organização de Cecília Collares, Maria Aparecida Moysés e Mônica Ribeiro, com prefácio da conselheira do CRP-SP Biancha Angelucci.