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Projeto da Câmara Federal condena crianças vítimas de abuso sexual

Câmara Federal aprovou projeto que torna sem efeito a resolução do Conanda, que orienta o atendimento a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e que desejam realizar aborto como previsto na lei. Projeto segue para avaliação do Senado

7nov2025 Por Norian Segatto

A Câmara Federal aprovou, no dia 5nov, o Projeto de Decreto Legislativo 3/2025, que suspende os efeitos da Resolução 258, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O projeto segue agora para o Senado.

Relembrando o caso

Marina Poniwas, psicóloga, ex-presidenta do Conanda

Em setembro de 2024, o Conanda publicou o texto da Resolução sobre procedimentos para a realização de aborto legal, segundo previsto no Decreto Lei 2848 de 1940. O texto, que era uma resposta ao Projeto de Lei 1.904/2024, conhecido como PL do Estupro, imediatamente gerou polêmicas e protestos por parte de setores conservadores. Começou, então, uma intensa mobilização social conhecida como o movimento Criança não é mãe.

Em dezembro de 2024, o texto foi aprovado no pleno do Conanda, em um árduo debate, setores conservadores e do governo se uniram para barrar a Resolução.

Em janeiro, o PodSin – podcast do Sindicato, fez uma entrevista com a então presidenta do Conanda, Marina Poniwas, que explicou esse processo e a necessidade da Resolução, que criou um fluxo de atendimento para crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Conservadorismo que mata

Em fevereiro deste ano, a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) apresentou o PDL 3/2025, que visa tornar sem efeito a Resolução, projeto que foi aprovado neste 5nov por 317 votos.

O texto do PDL alia desinformação com conservadorismo tacanho, em nome da “vida”, coloca em risco a saúde e a vida de milhares de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, muitas vezes promovidas por parentes, padrastos e pessoas próximas.

O texto é uma tentativa tacanha e maliciosa de subverter o eixo do debate, afirmando que não existe “aborto legal” (que é regulamentado desde 1940). Outro “equívoco” proposital do PDL é afirmar que a Resolução do Conanda criou “novos tipos penais, extrapolando seu poder regulamentar”. A Resolução 258 do Conselho, não cria nenhuma nova lei (que não é competência do órgão), mas organiza os procedimentos existentes, criando um fluxo de atendimento humanizado para o atendimento nos casos de agressão sexual.

Ouça o que diz a ex-presidente do Conanda, a psicóloga Marina Poniwas, com exclusividade para o portal do SinPsi.

Marina explica a legalidade da Resolução

Um estupro a cada 6 minutos

Segundo dados do Anuário de Segurança Pública, em 2023 o Brasil registrou 83.988 casos de estupro, dos quais 76% foram classificados como estupro de vulnerável. Isso significa que aproximadamente 63.830 vítimas eram vulneráveis, ou seja, tinham menos de 14 anos ou eram incapazes de consentir devido a enfermidade ou deficiência mental. É para essas crianças e adolescentes que o projeto aprovado na Câmara quer retirar a proteção de um atendimento digno, rápido e humanizado.

Imediatamente após a aprovação, diversos setores da sociedade se mobilizaram para criticar a decisão da Câmara. A deputada Maria do Rosário afirmou em entrevista ao Conexão BdF que a medida não deveria ter sido pautada. “O maior absurdo é que esse nem é um tema que deveria estar no plenário da Câmara dos Deputados”… “quanto menos tempo a criança ficar na condição de gestante, menos impacto no seu desenvolvimento físico e mental acontecerá diante dessa tragédia, dessa violência”.

O jornalista Leonardo Sakamoto, escreveu em sua coluna no UOL: “sob o disfarce de ‘defesa da vida’, esses parlamentares cospem na cara da ciência, do direito e da compaixão. Eles sabem bem que a revogação da Resolução não vai impedir abortos legais ou ilegais. Pode sim, diante das dificuldades impostas, empurrar meninas desesperadas às mãos de açougueiros, para métodos caseiros ou para a perpetuação de um ciclo de violência que as marcará para sempre”.

Se aprovado pelo Senado, o PDL pode voltar a exigir uma série de ações que dificultam a realização do aborto legal, entre eles a obrigatoriedade de emissão de Boletim de Ocorrência antes do atendimento, necessidade de autorização da família e permitir que médicos recusem o procedimento por objeção de consciência.

Poniwas rebate esses pontos. Ouça suas declarações a respeito.

Sobre o Boletim de Ocorrência
Resolução garante a participação dos familiares
Limite gestacional
Importância de se manter a Resolução

“A diretoria do Sindicato das Psicólogas e Psicólogos de São Paulo se posiciona firmemente contra o PDL 3/2025, reafirma a importância e necessidade de se manter a Resolução do Conanda, que trata da proteção à vida e segurança de milhares de vítimas de abuso sexual, garantindo tratamento humanizado, responsável e dentro das normas legais vigentes no país. Conclamamos aos senadores que não aprovem esse projeto, que significa, na prática, condenar as vítimas, inocentar os criminosos e silenciar a sociedade diante de um grave problema social e de saúde pública”, afirma a presidente do Sindicato, Marcella Milano.       

Entrevista com Marina Poniwas, feita no PodSin, em janeiro de 2025