São Paulo – O governo escalou um time forte para se reunir com representantes de seis centrais sindicais, nesta segunda-feira (19), no escritório da Presidência da República em São Paulo. Serão quatro ministros, sendo dois da área social – Manoel Dias (Trabalho e Emprego) e Carlos Gabas (Previdência Social). Um é da área econômica, mas com perfil conciliador e tido como “desenvolvimentista”: Nelson Barbosa, do Planejamento. A tropa se completa com Miguel Rossetto, titular da Secretaria-Geral da Previdência, ex-sindicalista e com diálogo no movimento social. Todos virão com dados e argumentos para tentar convencer que não haverá perda de direitos trabalhistas com as medidas provisórias anunciadas no final do ano passado. Ouvirão de CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB que as mudanças propostas são, sim, nocivas ao trabalhador e representam uma sinalização negativa na agenda social do país.
A conversa será difícil. O governo já tem o discurso pronto. Foi afinado, de certa forma, na última quinta-feira (15), quando o Ministério do Planejamento reuniu os secretários-executivos de toda a administração direta para detalhar o decreto que limita os gastos de custeio. O secretário-executivo da pasta, Dyogo Oliveira, destacou justamente as novas regras para concessão de seguro-desemprego, pensões por morte, auxílio-doença e abono salarial – os alvos de críticas das centrais.
“Esses ajustes não implicam na perda de direitos. Toda a sociedade será chamada a um esforço conjunto. Temos que fazer agora. Não dá para postergar”, afirmou Oliveira na reunião. O governo espera economizar em torno de R$ 18 bilhões com as medidas incluídas nas Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665 – sendo R$ 9 bilhões com seguro-desemprego, R$ 7 bilhões do abono salarial e R$ 2 bilhões com mudanças nas pensões por morte e no auxílio-doença.
Nas duas últimas semanas, ministros vieram a público defender o conteúdo das MPs e reiterar que não se trata de supressão de direitos. Manoel Dias participou de bate-papo com internautas no Facebook, por exemplo – o titular da Fazenda, Joaquim Levy, já havia usado esse método de interação –, e várias entrevistas foram dadas, sempre insistindo que as medidas visam a acabar com “distorções e fraudes”.
À Rádio Brasil Atual, Carlos Gabas chegou a usar o termo “falácia” para se referir às críticas, dirigindo-se basicamente à oposição. “A presidenta mantém o seu compromisso de não retirar direitos. O que nós estamos fazendo é exatamente o contrário, nós estamos fortalecendo a Previdência Social, dando continuidade à garantia dos direitos e corrigindo algumas distorções que haviam sido identificadas no decorrer dessa discussão, que não é de agora”, afirmou.
“Distorção o governo precisa corrigir. Fraude o governo precisa combater”, reage o presidente da CTB, Adilson Araújo, para acrescentar que “o custo da austeridade fiscal” não pode ser pago pelo trabalhador. Para ele, este já pode ser um primeiro embate sobre os rumos do governo. “O grande teste da presidenta Dilma é não romper com o movimento social”, diz. “Não foram essas teses (retrocesso, flexibilização) que garantiram a vitória eleitoral. Consagramos essa vitória político-eleitoral, mas sabemos que o resultado (da eleição) trouxe muitas fissuras. Estamos diante de uma disputa feroz.”
Neste momento, as centrais fazem demonstrações de unidade, após seus principais dirigentes manifestarem posições distintas durante a campanha. Os da CUT apoiaram majoritariamente a reeleição de Dilma Rousseff (PT), enquanto o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, fez campanha por Aécio Neves (PSDB), juntamente com o presidente licenciado e deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (SD). O secretário-geral da Força, João Carlos Gonçalves, o Juruna, também apoiou Dilma, assim como o presidente da UGT, Ricardo Patah, embora a posição não tenha sido unânime na central.
Da mesma forma, sindicalistas da CTB se dividiram entre a petista (os ligados ao PCdoB) e o candidato do PSB, Eduardo Campos – que morreu em agosto em acidente de avião – e, posteriormente, Aécio. O presidente da CSB, Antônio Neto, também estava na campanha da petista. Entre os principais dirigentes das centrais, estão filiados ao PT, PMDB (caso de Neto), PSD (Ricardo Patah, presidente da UGT), PCdoB, PSB, PSDB, PDT e Solidariedade.
Desigualdades
Depois de se reunir no começo da semana passada, as centrais divulgaram nota conjunta na qual reivindicam do governo que retire as MPs para iniciar “uma verdadeira discussão” sobre distorções e fraudes. “As medidas, além de atingirem os trabalhadores e trabalhadoras, vão na direção contrária da estruturação do sistema de seguridade social, com redução de direitos e sem combate efetivo às irregularidades que teriam sido a motivação do governo para adotá-las”, afirmam. As entidades avaliam que as mudanças “terão efeito negativo na política de redução das desigualdades sociais, bandeira histórica da classe trabalhadora”.
Para os sindicalistas, as mudanças podem excluir mais da metade dos trabalhadores que, hoje, teriam direito a acessar o seguro-desemprego. A exigência para requerer o benefício pela primeira vez sobe de seis para 18 meses, “num país em que a rotatividade da mão de obra é intensa”, atingindo principalmente os jovens. Na sexta-feira (16), o Ministério do Trabalho e Emprego divulgou análise na qual afirma que as mudanças poderiam atingir 26,58% dos trabalhadores. No ano passado, 8,6 milhões requereram o seguro-desemprego. Com as novas regras, 2,3 milhões não receberiam o benefício. “Esse é um cenário com base nos dados do seguro-desemprego, que está mudando para defender um patrimônio do trabalhador, que é o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Nenhum direito está sendo suprimido”, reforça Manoel Dias. Ainda segundo o MTE, entre os que requereram pela primeira vez (3,6 milhões) no ano passado, 50,47% continuaram recebendo se as novas regras fossem aplicadas.
“O governo tende a fazer o ajuste na economia e não vamos permitir nenhum direito a menos, como disse a presidenta Dilma no dia da posse. Queremos que agora esse discurso se viabilize”, diz a vice-presidente da CUT, Carmen Foro, que participou da reunião da última terça-feira com as outras centrais e estava no exercício da presidência – amanhã, Vagner Freitas será o representante da central. “Direito deve ser ampliado, não reduzido”, diz Freitas, lembrando das manifestações já programadas pelas entidades, como um dia nacional de luta no próximo dia 28 e uma marcha em 26 de fevereiro, em São Paulo.
Congresso
Segundo o presidente da Força, no dia 28 deverão ocorrer “manifestações localizadas”, enquanto as centrais preparam a marcha. Ele acredita que os quatro ministros tentarão convencer os sindicalistas a respeito das medidas, mas não conseguirão. “O Mantega (o ex-ministro Guido Mantega, da Fazenda) tentou diversas vezes”, lembra. “Os ministros estão vindo dizer que a retirada de direitos não existe. Não vamos aceitar de maneira nenhuma. O que vai resolver é povo na rua.”
No cenário provável de manutenção das MPs, os sindicalistas já programam ações no Congresso para tentar impedir o avanço das medidas. Mas também receiam a correlação de forças desfavorável no Parlamento, onde a bancada empresarial supera com folga a dos trabalhadores.
Além de representantes das seis centrais, também deverá participar da reunião com o quarteto de ministros o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques. Na última sexta, os trabalhadores da Volkwagen de São Bernardo encerraram uma greve que durou dez dias, após a montadora cancelar as 800 demissões anunciadas. Para ele, o caso reforça a inclusão do emprego na pauta das centrais. “É um alerta, para criar um caldo de cultura, um antídoto a qualquer situação que possa criar aumento da taxa de desemprego. O ano de 2015 depende muito de ações e de lideranças comprometidas com o país”, afirmou. Na semana passada, ele foi recebido por Rossetto para apresentar a proposta de criação de um sistema nacional de proteção ao emprego.