A vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Ana Pitta, mediou uma das mesas mais esperadas do 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental. Na tarde de 27 de maio, o teatro do campus Indianápolis da UNIP recebeu o sociólogo Jessé de Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad; e o secretário substituto da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Leon Lobo Garcia, para debate sobre perspectivas de políticas de drogas no Brasil.
Leon, que nesta semana refutou em nota declarações do ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra (confira aqui), iniciou o debate, explicando o que motivou o Senad a encomendar uma pesquisa à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2013, sobre exclusão social e uso de drogas, principalmente do crack.
“Em 2010 o debate sobre drogas entrou na pauta da Saúde, por conta do uso do crack. O desafio para o poder público era responder à demanda sem ter que recorrer à medida de força policial, que estava sendo pedida pela sociedade. E a pesquisa, quantitativa, mostrou que a população do crack é formada por pessoas excluídas socialmente – moradores de rua e ex-presidiários”, disse.
Os dados da Fiocruz apontam que 60% das causas de mortes de usuários de crack não estão relacionados ao uso da droga, mas por homicídio.
Garcia ainda alertou aos presentes sobre o risco de a política de drogas passar por uma revisão de perspectivas no governo interino de Michel Temer, que pode voltar a estigmatizar os usuários, fazendo uso do medo para justificar o uso da força.
Ao final, citou máxima do psicólogo assassinado em fevereiro, Marcus Matraga, sobre a questão das drogas:
“A informação honesta e de qualidade é a maior arma contra as drogas! Obrigada”, encerrou.
Perspectiva de futuro
Em seguida, o professor Jessé de Souza cuidou de avaliar os motivos que levam pessoas a recorrerem ao uso de álcool e drogas na sociedade.
“Há uma grande ilusão do senso comum, de que todas as pessoas nascem iguais. Acontece que, além de não ter privilégios aqueles que não estão nas classes favorecidas, o estímulo econômico se conjuga junto a outros estímulos para formar a personalidade de alguém. Portanto somos muito únicos em nossa composição”, afirmou.
Ele ainda relatou o fenômeno das igrejas evangélicas, o qual chamou de “sucesso” com as classes desfavorecidas no Brasil.
“Isso tem uma relação direta com o abandono social dessas classes. As igrejas oferecem autoestima e autoconfiança, a mesma coisa que famílias de classe média oferecem a seus filhos. É dar uma perspectiva de futuro para quem só pensa no presente”, assegurou o sociólogo.
Professor do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, começou o debate citando o escritor Machado de Assis, que em seus contos menciona a tendência de a sociedade segregar pessoas com qualquer diferença, seja mental, física ou social.
“A região da Luz, no centro de São Paulo, onde há muitos usuários de crack, existe há 20 anos e sempre foi tratada como caso de polícia. Paralelo a isso, boa parte da sociedade não é tão preocupada com o uso de drogas, até mesmo porque todo tipo de gente consome drogas. Internar quem usa droga é prova do desconhecimento empírico de outras possibilidades”, proferiu.
De Braços Abertos
Haddad falou sobre o programa De Braços Abertas, ação intersetorial que une saúde, trabalho, acolhimento e alimentação, criado para atender a usuários de drogas em situação de rua.
“Mais de 60% aderiram à frente de trabalho, que nós pagamos sem monitorar o destino do salário. A ideia sempre foi tratar esses usuários como trabalhadores. E isso fez reduzir o consumo. Quando alguém sofre de dependência química, ela diminui ao se ampliar o leque de alternativas. A autoestima vai se recuperando gradativamente. Redução de danos é uma alternativa que merece consideração e espaço respeitoso no debate sobre drogas”, ponderou o prefeito.
O Programa de Braços Abertos teve resultados positivos já no primeiro ano, com redução de 80% no fluxo de dependentes na região da Luz (saiba mais aqui). Os dados fazem parte de pesquisa feita por assistentes sociais que atuam junto com os usuários de carck e mostra ainda que, antes do programa, iniciado em janeiro de 2014, o uso da droga por pessoa era de, em média, 42 pedras por semana, e agora é de 17 pedras, uma queda de 60% entre as pessoas cadastradas.
A própria estruturação das ações foi desenvolvida em parceria com a comunidade local, entre junho e dezembro de 2013.
“O grande mérito do programa é que nós tivemos a atitude de ir lá e conversar com eles sobre a política a ser adotada. Nós tomamos aquelas pessoas como sujeitos, capazes de firmar acordos e entendimentos, e não como párias da sociedade”, afirmou Haddad.
Ao encerrar, questionou os interesses envolvidos no tráfico de drogas na região.
“Há pessoas que vivem da miséria humana para enriquecer. Infelizmente esta dimensão não é tratada como deveria. Quem ganha com aquilo? Tem alguém ganhando dinheiro ali, não é pouca gente, não é pouco dinheiro. É isso que deveria ser perguntado pela sociedade”, defendeu Haddad.
Ao final, a mesa rendeu homenagem a Marcus Matraga e recebeu suas filhas, Julia e Natália, que cumprimentaram os presentes bastante emocionadas.
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