STF retoma nesta quarta-feira (28) julgamento que pode permitir alteração do nome e gênero no registro civil sem a cirurgia de redesignação sexual.
Para que as coisas mudem, é preciso falar. É preciso lutar por elas. E quando o assunto é transexualidade, o simples fato de existir é colocado à prova e a luta se transforma em resistência. A frase acima, que abre esta reportagem, é da ativista trans Barbara Pastana, de Belém (PA) que, desde 2009 espera uma resposta do Judiciário brasileiro sobre o direito de corrigir o nome civil em seus documentos. Assim como muitas outras pessoas transexuais, Pastana entrou na Justiça para retificar seu nome e gênero do registro civil e enfrentou diversas barreiras.
“Além das testemunhas que comprovem que eu realmente sou uma mulher, o que eles querem agora, nesta fase do processo, são documentos que não têm nada a ver com o que eu estou pedindo, tipo antecedentes criminais e um atestado de que o meu nome está limpo, de que não há nenhuma restrição no meu CPF”, conta em entrevista ao HuffPost Brasil.
O STF (Supremo Tribunal Federal) pode retomar nesta quarta-feira (28) o julgamento que irá decidir se transexuais têm o direito de alterar o nome e gênero no registro civil, mesmo sem a cirurgia de redesignação sexual. Na última quinta-feira (22), a ação também entrou na pauta, mas a votação foi adiada novamente.
“Existem as portarias que garantem o uso do nome social. E eu não entendo o porquê de tanta burocracia. Mas eu percebo que não há tanto interesse por parte de alguns promotores em levar isso para frente. O Judiciário ainda não é um aliado da população trans”, completa Pastana.
O Recurso Extraordinário 670422, que será julgado, diz respeito a um caso específico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que autorizou a retificação do nome, mas não autorizou a retificação do gênero, porque a pessoa não havia se submetido a cirurgia. Na época, foi exigida também a inserção da palavra “transexual” no campo de averbações da certidão.
O STF está a um passo de aprovar a alteração no registro civil
Em 2017, na mesma ação em questão, 5 dos 11 ministros votaram pela aprovação. Se esse for o entendimento da maioria, a decisão irá servir de base para juízes em todo o País. O julgamento foi interrompido em novembro de 2017 após o ministro Marco Aurélio Mello pedir vista do caso.
De acordo com os votos dos ministros do STF até agora, a mudança ainda não seria feita automaticamente em um cartório e sim por meio de um processo judicial. Na decisão, o juiz expediria ofício a todos os órgãos públicos responsável por expedição de registros, de modo que a mudança seja aplicada a documentos como título de eleitor, carteira de identidade e passaporte.
Mas o processo não é tão simples assim. “Eu presenciei um caso em que o juiz perguntou se a pessoa se masturba, para provar se ela ‘era homem’. Isso é uma pergunta feita corriqueiramente nos julgamentos para ter certeza se a pessoa é transexual”, afirma o advogado Thiago Coacci, membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-MG.
Em depoimento ao HuffPost Brasil, 6 transexuais — Barbara Pastana, Lana de Holanda, João Hugo, Tarsio Benício, Thifanny Odara e Magô Tonhon — contam suas histórias e dão seu panorama pessoal do que é ter um nome nos documentos que não condiz com o gênero com o qual você se define, dos constrangimentos causados por isso e do processo burocrático ao qual são submetidos.
Barbara Pastana, Belém (PA)
Há mais de 20 anos Barbara Pastana luta pelos direitos dos transexuais em Belém (PA). Em entrevista ao HuffPost Brasil, conta que desde 2009 entrou com o processo para correção de seu nome civil mas que, por burocracias do Estado, ainda não conseguiu finalizar o processo:
“Eu entrei com o processo para alterar o meu nome em 2009. E eu passei por todo esse processo com advogados, o Ministério Público e com a Defensoria Pública. Aqui no estado do Pará, eu sou a ativista de direitos humanos mais antiga quando o assunto é direitos transexuais. Então eu sou muito conhecida no meu estado pelo trabalho que eu faço. Então, no meu caso, o juiz conhecia a minha história: eu sou a primeira transexual do Brasil a conseguir adotar uma criança legalmente. E tudo isso repercutiu ao meu favor. Recentemente, no meu caso, o juiz só não deu o resultado antes porque foram pedidas duas testemunhas. E agora eu soube que o Ministério Publico está pedindo mais alguns documentos e são documentos que não têm nada a ver com o processo: um documento comprovando que eu não tenho o nome sujo, um certificado de bens e antecedentes criminais. Agora, o que isso tem a ver? Ou seja, eu corro o risco de não conseguir fazer a mudança agora, pelo prazo de entrega dos documentos.”
“O que nós, do movimento percebemos, é que essa burocracia e esse atraso é por causa do Ministério Público. Ou seja, o meu processo tem quase dez anos. Parece que eles querem comprovar que eu não sou uma estelionatária, e o meu processo não é sobre isso. E no meu caso poderia até ser mais fácil, porque é um acréscimo, não mudança. Parece que é porque eu sou trans que eles dificultam o processo”.
“Existem as portarias que garantem o uso do nome social. E eu não entendo o porque de tanta burocracia. Mas eu percebo que não há tanto interesse por parte de alguns promotores em levar isso para frente. O judiciário ainda não é um aliado da população trans”.
“Eu acho que, para a população trans, ter a garantia de um nome correto no registro civil é quase como uma carta de alforria. Assim como os negros quando a Princesa Isabel concedeu a Lei Áurea, tem a questão da legitimação da nossa identidade. Porque a partir do momento que você não se assume só fisicamente, mas eu posso comprovar com documentos aquela mudança, ela significa a garantia dos meus direitos. Isso é tirar da escuridão a maioria das pessoas trans, dando a elas a maior visibilidade que é poder andar e pegar seus documentos e apresentar em qualquer canto, e ser chamada pelo nome com o qual você se identifica. A Maria, de verdade, que não é Raimundo. Ou no caso, o José, que não era Maria. É uma garantia de um direito que há muito tempo nos é negado”.
Lana de Holanda Jones, 27 anos, Rio de Janeiro (RJ)
A estudante de Serviço Social na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e mulher trans, de 27 anos, Lana de Holanda Jones, conta que, diferente de Barbara, escolheu não entrar com o processo para correção de seu nome civil por ser “uma luta árdua e que resulta em desgaste”:
“É muito importante poder trocar o nome, assim como o gênero, no registro civil. O nome é o que existe de mais básico para qualquer ser humano. Ter direito ao nome e, no caso, um nome que diga respeito a quem você é de verdade, deveria ser algo muito mais simples para as pessoas trans, pois essa é uma questão de direitos humanos, de dignidade”.
“Eu ainda não entrei com o processo. Por mais que eu queira mudar meu nome no registro civil, essa ainda é uma luta muito árdua e que resulta em muito desgaste emocional. Se eu entrar com um processo para mudar meu nome, serão exigidas várias testemunhas que possam comprovar que eu sou uma ‘mulher 24 horas por dia'”.
“O que seria ser uma mulher 24 horas por dia de acordo com a justiça? Andar apenas de vestido e saia? Lavar a louça? Ser sensível? É surreal essa exigência. E o pior de tudo é a falta de leis, a falta de direcionamento jurídico. No final vai depender apenas de um juíz a decisão se eu posso ou não mudar meu nome e meu gênero. Vai depender apenas de uma decisão unilateral se eu posso ou não ser tratada com dignidade cada vez que precisar mostrar meus documentos. E essa ideia me assusta muito. Me deixa muito insegura.”
“Eu me identifico como mulher desde sempre, pelo que me lembro. Acho que tive essa percepção desde muito cedo, embora eu tenha demorado muito pra entender o que era isso. A falta de referências trans na mídia, no entretenimento, na política e na nossa cultura de uma forma fgeral, fizeram com que eu demorasse a entender de verdade o que acontecia comigo, que hoje vejo como algo muito simples: a minha mente e minha subjetividade não condiz com o que a sociedade espera de pessoas que nasceram com pênis, e eu não sou menos mulher por isso. Eu não tenho intenção de fazer a transgenitalização também por um entendimento de que meu corpo é apenas o meu corpo. Eu posso sim querer mudar coisas nele, como qualquer pessoa, mas eu decidi entender que existe feminilidade em mim, independente da minha genital. Por mais que a sociedade tente, o tempo todo, resumir mulheres a vagina, mas eu busco olhar além dessa ideia. Acho válido quem busca pela cirurgia, pois a pressão social é grande, mas existem homens com vagina e mulheres com pênis, e eu sou uma dessas mulheres.”
“Já passei por muito constrangimento. Na hora de viajar e precisar apresentar o RG no guichê da companhia de viagem, é sempre complicado. Nas salas de aula também, pois nem sempre as universidades estão adaptadas. E o maior constrangimento até hoje foi no Banco do Brasil. Eu já tentei três vezes mudar o nome que vem impresso no meu cartão de débito, porém toda vez que volto para buscar, o cartão está ainda com o nome de registro. Mesmo tendo uma determinação do Banco Central para que o nome social seja respeitado, esse ainda é um processo muito falho. Depende de cada gerente conhecer ou não essa determinação do Banco Central, e enquanto isso nós passamos por constrangimento. É muito complicado quando nossa dignidade não é minimamente respeitada.”
Thifanny Odara, 27 anos, Salvador (BA)
A pedagoga Thifanny Lima da Silva que, aos 27 anos, ainda não conseguiu alterar o prenome em seu registro civil. Silva, que se identifica como mulher desde os 6 anos de idade, é natural de Salvador, Bahia, e desde 2014 busca o direito de corrigir o nome civil em seus documentos, mas não obteve um retorno positivo da Justiça brasileira até o momento da entrevista:
“Ninguém é igual a ninguém. A gente fala de igualdade de direitos, que é equidade social. A garantia de direitos trans é a garantia plena de cidadania. O registro civil é uma garantia de cidadania para nós. Eu entrei com o processo para ratificar meu nome em 2014, e até agora não tive resposta do Judiciário. A gente passa por um processo muito humilhante”.
“O nome é ascensão social. Entende? Eu tenho o meu nome respeitado, eu tenho a minha integridade respeitada. Aquele nome no qual eu fui registrada ele me expõe ao vexame, ao ridículo. Existem vários decretos e portarias que garantem o uso do nome social, mas isso não significa um avanço, o tribunal de justiça da bahia não fala nada. Você pode deixar claro na matéria que eu, em 2018, dei entrada novamente no processo. Agora é esperar”.
“Porque, além de a gente ser violentada nos espaços, porque a gente não é entendida como mulher, a leitura social que se entende pelo corpo de uma mulher, eu levanto, e uma pessoa me chama com um nome que não condiz com a minha aparência. E a gente está recorrendo ao judiciário para que a gente possa fazer o uso do nome como a sociedade vê como nome de mulher.”
“Na Universidade, por exemplo, eu sempre usei o nome Thifanny, né? Eu peguei o meu diploma com o meu outro nome, por um erro do judiciário da Bahia. E aí, eu uso meu cartão social, do SUS, aí vai da sensibilidade do atendente me chamar pelo meu nome social. No final de 2017 eu passei por um constrangimento tremendo em uma Unidade Básica de Saúde aqui em Salvador. E se não é a boa vontade da enfermeira em rasgar o papel que o atendente tinha feito, e orientá-lo para me chamar pelo nome que eu me reconheço, o meu vexame ficaria ainda maior”.
Magô Tonhon, 31 anos, São Paulo (SP)
Para a arquiteta e urbanista e mestranda em filosofia, Magô Tonhon, se o STF aprovar que pessoas trans que não passaram pela cirurgia de mudança de sexo possam alterar o nome no registro civil, é mais um avanço para o movimento. Mas ainda ter que recorrer judicialmente e passar por laudos psicológicos e psiquiátricos é algo que precisa mudar, segundo ela. Magô se recusa a entrar com um processo para a mudança de nome com essas exigências:
“Para mim, a retificação do nome e do prenome é para além dos aspectos legais que, por si só, já bastariam. Eu acredito que a garantia desse direito é a possibilidade de renascer legalmente, de renascer burocraticamente, de se orgulhar pela pessoa que a gente se tornou a duras penas. A diferença entre a gente e uma pessoa cis é que as pessoas cis também passam por inúmeras transições ao longo da vida, mas continuam com o mesmo documento. É exatamente isso. É poder garantir essa continuidade da nossa história, da nossa biografia. É uma relação muito íntima com aquela pergunta complexa de se responder, “quem sou eu?”, pensar na sua trajetória, pensar diferentemente daquilo que te designaram para ser. A gente negou o que nos designaram, mas a gente passou por essa designação. Ela é parte de nós.”
“Eu ainda estou na fase de elaboraçao do processo com a minha advogada. Até porque eu não gostaria de entrar com um processo nos moldes como é feito no Brasil. Eu me recuso a atribuir a algum juiz ou profissional de saúde a decisão a respeito do que eu sou e da maneira como eu, Magô, me reconheço. Eu tomei as minhas decisões e eu sofro, eu arco com todas as consequências dela. E tem uma pessoa espefícifica, uma amiga, que é a Neon Cunha. Ela foi uma das primeiras pessoas a entrar com um processo de retificação de nome e de gênero exigindo que não fosse obrigada a ceder um laudo psicológico e tal. E ela conseguiu. A ação acabou saindo em poucos meses. Eu quero fazer algo nos moldes que ela fez. Eu me recuso a me sujeitar.”
“Para mim, o nome social é algo completamente paliativo. É uma migalha de cidadania, uma pílula de cidadania. É algo que definitivamente eu não gosto de ter que defender. E infelizmente eu sou obrigada a defender. A gente tem que lutar pelo que a gente tenha cidadania plena, e não migalhas. E falta muita informação, é muita gente que não sabe. Eu recebo muitos pedidos de ajuda de pessoas trans pedindo informações básicas — vou fazer um curriculo, como eu faço? Eu posso colocar o meu nome social no curriculo? Deve colocar o nome no curriculo, você vai ter que se provar. Você vai ter que chamar a pessoa e explicar quem é você. Infelizmente é isso que a gente é obrigada a passar.”
“Eu acho inaceitável que doutores, ministros do STF — a casa que ocupa a posição mais alta hierarquicamente –, desconhecerem por completo o tema. Essa é mais uma mostra do quão o judiciário tem se mostrado também ignorante, incompleto e não alinhado com os anseios da população. A procrastinação em resolver esse assunto é uma falta de respeito”.
Társio Benício, 35 anos, Recife (PE)
O universitário e militante Társio Benício, de 35 anos, foi o primeiro homem trans que passou por cirurgia na rede estadual de Pernambuco. Ele também é presidente da AHTM (Associação de Homens Trans & Transmasculinidades) e conta que, ao entrar com o processo para alterar seu nome no registro civil, não teve complicações. Mas deixa claro que seu caso é uma exceção:
“Optei por transformar a minha dor em luta. E por isso hoje estou no movimento social local e nacional, pois acredito que só o coletivo é capaz de gerar mudanças tangíveis”.
“Eu já entrei com o processo de alteração do registro civil, a sentença já saiu, e as alterações já foram feitas. Mas o meu caso demorou nas questões burocráticas. Por que, como eu fiz por vias públicas e não sei exatamente o que estava acontecendo no órgão responsável, o CECH, que é um centro de combate à homofobia. Eles tinham muitas demandas, não só a retificação do nome relacionado à população LGBT. E em cada lugar é diferente, depois que foi para a Defensoria Pública, foi encaminhado diretamente para a Vara da Família. Mas eu sei que em cada Estado é de um jeito. Pelo menos, em Recife, é assim”.
Olha, eu dei entrada no processo em 2014 no CECH, em setembro de 2015 chegou a Defensoria e quando foi em meados de outubro eu já sabia qual era a vara, aqui em Recife, e eu fiquei acompanhando o processo. Mas depois que a Defensoria entrou, o resultado saiu em poucos meses. Não demorou muito, não. É muito burocrático. Eu tenho amigos que faziam acompanhamento na mesma época que eu, que deram entrada no processo até antes de mim, e ainda estão esperando. Alguns estão esperando há mais de dois anos. E é uma coisa que deveria ser muito fácil de fazer, sabe? Porque nós não estamos brigando com ninguém, a gente só quer que a sociedade respeite a forma como nós nos entendemos e sofrer menos constrangimentos com isso”
“O que eu ouço muito, dos meus amigos, é muito problemático. O meu caso foi tranquilo, mas eu não sou um exemplo. Não foi pedido laudo psicológico pelo judiciário, e nenhum documento a além do que os entregues. A exemplo do que eu já ouvi, inclusive de advogados, o meu caso é uma excessão. Já ouvi um advogado amigo meu, da Paraíba, contar que de uma cliente dele foi exigido um laudo do IML para saber se ela era transgenitalizada ou não para o processo poder andar”.
João Hugo, 24 anos, Salvador (BA)
Assim como Tarsio, João Hugo não teve muitos problemas ao entrar com o processo de correção do nome no registro civil, exceto pelo fato de que, no seu caso, o gênero não foi alterado. Após uma espera de dois anos, ele conseguiu o direito de ter, em seus documentos oficiais, o nome que escolheu para si:
“Na verdade, eu sempre fui muito ousado, sabe? Eu exigia que as pessoas me chamassem pelo meu nome. Eu tinha as portarias com o meu nome social, e eu dizia: você vai chamar pelo meu nome e eu tenho esse direito. Os lugares que não tinha jeito, eu sempre ia acompanhado, porque aí era uma segurança. Ou se não, eu ligava o botão do constrangimento… Era muito mais da pessoa me respeitar porque ela está constrangida, do que porque eu me sinto humilhado. Eu dizia: ‘O constrangimento quem vai passar é você’. É bem complicado. Eu reconheço que existe um privilégio meu, eu nunca fui de abaixar a cabeça para ninguém, sabe. De se você.”
“Até hoje eu não sei descrever o que foi retificar o meu nome. Foi um alívio. Senti que eu tirei um peso. Eu tirei porque, assim, imagine que você tem que ficar explicando o tempo todo para as pessoas quem você é e que elas tem que te tratar pelo nome que você escolheu. Esse direito é o direito de poder ‘dar uma carteirada’ com o nome que eu escolhi pra mim sem precisar explicar, etc, etc. Ou sem ter que mostrar uma portaria. Esses processos poderiam ser um pouco mais rápidos já que isso resolve a vida de muita gente, tira um peso das pessoas. O meu caso é uma raridade. E não deveria ser”.
“Eu fiquei quase dois anos esperando porque eu peguei troca de juiz, recesso… Tanto que, a juiza que fez a minha audiência não foi a mesma que assinou o meu processo. Foi entre 2015 e 2016, saiu no final do ano passado, mais ou menos. A juiza que fez a minha audiência ela foi uma pessoa maravilhosa. Eu não tive problemas. Eu não sei se foi o fato da minha retificação ter sido documentada, e câmera é ameaça para algumas pessoas, mas a minha audiência foi tranquila. Só que algumas perguntas são totalmente invasivas e tendem a fazer com que você siga uma norma cis binária. Aquela coisa para provar se você é realmente homem. E faz a mesma pergunta de formas diferentes para ver se você contradiz ou algo do tipo. Eu não tive tantos estresses além desse.
“Tiveram meninos em Salvador que choraram na audiência de tão complicado que foi. Agora, o que é chato é que você precisa se mostrar de todas as formas, de foto a documentos que comprovam que você é você. Para legitimar que você é homem. Tem que ter testemunhas. Na minha audiência eu levei um padre, um psicólogo, e uma outra menina que eu conhecia. Eu consegui alterar o nome, mas não consegui alterar o gênero. No meu caso, a juiza exigiu a cirurgia.”
O direito ao ‘nome social’ no Brasil
A Resolução de nº 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, de 2015, prevê o uso do nome social nas instituições de ensino tanto em comunicações orais quanto em formulários como matrícula, registro de frequência e avaliações.
A norma prevê também o uso de banheiros e de uniformes nas escolas de acordo com a identidade de gênero. O documento, contudo, recomenda o uso do nome civil para documentos oficiais, junto com o nome social.
Em janeiro, o MEC (Ministério da Educação) homologou uma resolução no mesmo sentido. Já um decreto de 2016 prevê o uso do nome social na administração pública. Desde 2013, o Ministério da Saúde permite o uso do nome social no Cartão SUS.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu em 2017 que transexuais têm direito à alteração do gênero no registro civil, mesmo sem a cirurgia de mudança de sexo. A decisão foi sobre um caso específico, e não obriga outros tribunais a decidirem da mesma maneira, mas serve de referência para casos semelhantes em instâncias inferiores.