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SUAS: desafios de financiamento e firmeza contra as comunidades terapêuticas

9dez2025 Por Norian Segatto

Com início dia 6 e término hoje, 9 de dezembro, a 14ª Conferência Nacional de Assistência Social, que acontece em Brasília, reuniu milhares de pessoas para debater a defesa do SUAS e valorização da profissão diante dos estruturais desafios da sociedade brasileira.. Um dos principais objetivos da Conferência, que nesta edição teve como tema 20 anos do SUAS: construção, proteção social e resistência, consiste na avaliação crítica da Política Nacional de Assistência Social, definição das prioridades do Sistema Único de Assistência Social e luta pela aprovação da PEC 383, que garante recursos para o Sistema, com vista às propostas de ação para o 3º Plano Decenal de Assistência Social (2027-2037).

Fernanda Magano, Priscila e Flávia Reis (segurando a bandeira do SinPsi)

Organizado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), o encontro também celebra os 32 anos da promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), estabelecida em 1993 pela lei 8.742/93.

Pelo SinPsi estão presentes na conferência Fernanda Magano (presidenta do Conselho Nacional de Saúde), Priscila Takatsu e Flávia Moura Reis. Segundo o Censo do SUAS de 2019, aproximadamente 25 mil psicólogas/os atuam na rede de Assistência Social em todo o país. Ao longo dos anos, as/os assistentes sociais têm sido parceiras/os das entidades de Psicologia no encaminhamento das lutas conjuntas, pela valorização das profissões, do SUS e do SUAS.

Necessidade de garantia de recursos

Aprovada em 2016, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a PEC 95 impôs o teto de gastos públicos por 20 anos. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, ainda em 2016, projetou que a implementação dessa PEC ocasionaria a perda de 54% dos recursos destinados a políticas de assistência social no país. Na nota técnica 27, de 2016, o IPEA afirmava que a “Assistência Social poderá ter uma perda de recursos de 199 bilhões em 10 anos e de 868,5 bilhões em 20 anos para os programas de transferência de renda (Benefício da Prestação Continuada/BPC e Programa Bolsa Família/PBF). Nesse contexto, o BPC se tornaria insustentável a partir de 2026”.

Auditório lotado e participativo

No primeiro ano de vigência da Emenda Constitucional 95, em 2017, já se percebeu os impactos sobre a assistência social. Apenas no item despesas discricionárias, o financiamento do SUAS passou de R$ 6,8 bilhões, em 2013, para R$ 3,8 bilhões, em 2017, uma queda de 45%.

Uma das estratégias do governo golpista de Temer, aprofundado pelo seu sucessor, o presidiário Bolsonaro, foi o de romper com lógica de um sistema integrado, promovendo fragmentações com vistas à sua privatização. Isso ocorreu no SUAS e com o SUS.

Ao final do governo Bolsonaro, a situação do SUAS era de total descalabro. Uma audiência pública realizada em novembro de 2022, na Câmara Federal, convocada pela deputada e assistente social Benedita da Silva (PT-RJ), destacava que o SUAS estava à beira de um colapso, com cortes que chegavam a 95% das despesas não obrigatórias.

Sem a retomada de robustos financiamentos, o sistema de proteção de assistência social irá falir, cumprindo-se a análise do IPEA de 2016. Ao contrário do sistema de saúde e da educação, que possuem percentuais mínimos de financiamento estabelecidos legalmente, o SUAS depende do orçamento de cada ano. Para romper com isso, a PEC 383/17 (Proposta de Emenda Constitucional) de 2017, propõe que também o SUAS tenha um percentual definido constitucionalmente; a PEC ainda se encontra na Câmara à espera de votação.

Fernanda Magano destaca a necessidade da aprovação da PEC 383 e a participação da sociedade, via controle social, para garantir a aplicabilidade desses recursos: ouça a seguir a opinião da presidente do CNS.

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Fernanda Magana: necessidade de um financiamento estável

Assim, a 14ª. Conferência Nacional de Assistência Social tem o desafio de apresentar propostas e pressionar o governo para mais financiamentos. Em 2024, o Fundo Nacional da Assistência Social investiu R$ 3,4 bilhões em programas para os municípios e estados, o que é absolutamente insuficiente visto a defasagem ocorrida nos últimos anos.  

Flavia Reis, que trabalha no SUAS em São Paulo, considera que “para superar a crise atual do SUAS e assegurar sua função de proteger e promover a dignidade dos brasileiros mais necessitados, é preciso garantir financiamento adequado, fortalecer a participação social, valorizar seus trabalhadores e alinhar o planejamento orçamentário com as demandas debatidas nas conferências”.

Participação governamental

Presidente Lula discursa na conferência de Assistência SocialReprodução Youtube

Vestindo um jaleco verde e amarelo, com o símbolo do SUAS, o presidente Lula foi a principal presença na tarde da segunda-feira, 8dez. Falando para um auditório completamente lotado, o presidente iniciou destacando a importância da eleição de 2026 para a continuidade das políticas públicas de financiamento dos programas sociais. “Não se pode deixar uma raposa cuidando do galinheiro. Para cuidar das pessoas pobres deste país, das pessoas que mais necessitam é sempre uma luta sem trégua… quando criamos o Bolsa Família, que era só 50 reais, mas tivemos de enfrentar durante muitos meses gente dizendo que o Lula vai criar um bando de vagabundo que não quer trabalhar… Eu vou dizer quando as pessoas vão querer trabalhar: melhorem os salários e a jornada de trabalho”.

Lula também atacou o feminicídio, visto os recentes e escabrosos casos ocorridos nas últimas semanas e chamou a atenção da necessidade de reeducar os homens contra a violência de gênero.

O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, participou na abertura da Conferência com um balanço de sua gestão na área da assistência social.

Cadê as comunidades terapêuticas

Apesar da potência do evento e alto nível dos debates, intervenções e propostas, de maneira geral, Fernanda Magano critica a organização da Conferência que em momento algum pautou a questão do financiamento público das ditas comunidades terapêuticas (que nem comunidade e muito menos terapêutica são, de fato). Segundo ela, essa omissão se deve à subserviência política diante do ministro Wellington Dias. “Lamentavelmente, o ministro Wellington Dias é defensor das comunidades terapêuticas e o tema não apareceu na pauta em nenhum momento”.

Fernanda Magano critica a falta de debates sobre as comunidades terapêuticas

Mesmo criticando a falta de uma postura firme contra as CTs, a presidenta do Conselho e dirigente do SinPsi-SP, acredita que “é fundamental o diálogo intersetorial saúde e assistência social para avançarmos ainda mais nas premissas constitucionais da seguridade social buscando garantir à população brasileira mais acesso às políticas públicas de qualidade e uma vida com existência rica e significativa, caracterizada por equidade e justiça social”.

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