Luciana Aguiar é casada, mãe de dois filhos e vive ao lado da família em uma fazenda em Paulicéia, município a mais de 600 km da capital paulista. Como as outras pessoas das cerca de 300 famílias acampadas na cidade da região de Tupi Paulista, quase divisa com o Estado de Mato Grosso, ela mantém um sonho: “quero conseguir um pedaço de terra para poder plantar, cuidar dos animais, trabalhar e não depender mais dos outros”.
No último sábado (20), trabalhadores da CUT/SP viajaram mais de nove horas para entregar aos trabalhadores rurais de Paulicéia vinte toneladas de alimentos e roupas, 300 cobertores e mais de R$ 4 mil para ajudar a manter os acampamentos até conquistarem a posse da terra. Os sindicalistas se uniram para descarregar pela manhã os produtos arrecadados na campanha que a Central promoveu e contou com a participação dos sindicatos filiados.
Presidente da CUT/SP, Adi Lima, lembrou da relação da Central Única dos Trabalhadores com a luta histórica pela reforma agrária e a estratégia de estabelecer uma campanha contínua pelo acesso à terra no Estado de São Paulo. “Não queremos apenas arrecadar recursos, mas estar ao lado de vocês na luta que também inclui os trabalhadores da cidade. A CUT/SP exigirá que o governo do Estado dê um título de posse da terra a cada pessoa assentada e condições para que possa produzir”, afirmou.
A situação das famílias de Paulicéia é um exemplo das dificuldades que os pequenos agricultores enfrentam, quando não abrem mão de viver do que produzem e colidem com os interesses de grileiros e do agronegócio. Elas estão divididas em duas fazendas: Buritis e Bandeirantes. Aquelas presentes em Buriti foram desapropriadas pela Companhia Energética do Estado de São Paulo (Cesp), em 1998, quando a estatal desocupou uma área que seria inundada pelo lago da usina Sérgio Motta. O enchimento não aconteceu, e a área ficou sem função, propícia para assentamento. Apesar de receberem um novo local para viver, ainda não ganharam a escritura. Mesmo assim, criaram uma cooperativa para vender os alimentos e mais de mil litros de leite distribuídos a toda região.
Já na fazenda Bandeirantes, a situação é muito mais difícil. Parte das famílias está acampada à beira de uma estrada que corta a fazenda e outra parte em lotes demarcados por barracas cobertas com lonas. Sem energia elétrica e água encanada, precisam conviver com a fome, o frio, o calor e a chuva.
“Quando os pingos começam, a gente se esconde debaixo das cobertas e espera passar. Estou esperando para ver se me deixam ficar e aí vou começar a plantar arroz, feijão, mandioca e milho”, conta Aristides Santos, um senhor de 62 anos, pele negra e um sorriso esperançoso.
Alguns trabalhadores eram empregados da monocultura das plantações de cana que invadiram a região, mas se tornaram vítimas da mecanização do campo e perderam o emprego. Outros resolveram abandonar tudo e entrar na luta pela terra. “Se não for dessa forma, o governo não faz reforma agrária”, defende José Luiz das Chagas, secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultora Familiar de Paulicéia e Região, ele mesmo um assentado que enfrentou 10 anos de precariedade em um acampamento para obter um chão que hoje garante o sustento.
Para Rogério Giannini, presidente do SinPsi e secretário de Relações do Trabalho da CUT/SP, “a Reforma Agrária no Brasil terá um efeito civilizatório, com grande repercução econômica, social, política e cultural. O Agronegócio monuculturista não pode ser o modelo único num pais tão diversificado”.
As famílias enfrentam também o problema da educação. As quase cem crianças dos acampamentos precisam percorrer mais de 15 km para embarcar no ônibus que só passa na área urbana.
O prefeito de Paulicéia, Ronney Ferreira, do mesmo partido do governador José Serra, visitava pela primeira vez os acampamentos e se comprometeu a colaborar com trabalhadores. “Dentro do que a lei permite”, preferiu destacar.
A primeira grande ajuda poderia ser uma intervenção junto ao governador Serra, já que os terrenos dos acampamentos são propriedade da Cesp e basta uma autorização do governador para encaminhar a propriedade para a reforma agrária.
Secretário do meio-ambiente da CUT/SP, Aparecido Bispo lembrou que a grilagem é algo comum no Estado. “O próprio governo admite que há 330 hectares de terra griladas no Pontal de Paranapanema, que poderiam ser utilizadas para reforma agrária, mas o governo Serra não tem compromisso com o social. Quem faz agricultura sustentável é o pequeno agricultor”.
Perante a imensa fazenda cercada por estacas e protegida por arame farpado, pairava a certeza de que a solução para o Brasil não é o agronegócio e nem a monocultura, mas sim a produção de alimentos da agricultura familiar.