São Paulo – O diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, afirmou na noite de ontem (23) que a maneira como a crise hídrica no Sistema Cantareira está sendo administrada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) “está comprometendo o ano de 2015 e o futuro”. Ele acusou o secretário Estadual de Recursos Hídricos, Mauro Arce, de “apenas ganhar tempo” com as medidas tomadas até agora, além de evitar ações mais drásticas que vinham sendo discutidas entre governos federal e estadual no Grupo Técnico de Assessoramento para Gestão do Sistema Cantareira (GTAG-SC), órgão colegiado que a ANA abandonou na última sexta-feira (19). As declarações foram dadas durante o evento de arquitetura e urbanismo Arq.Futuro, realizado no Auditório do Parque do Ibirapuera.
“Não há o esforço necessário para comunicar à população a gravidade da situação”, lamentou Andreu, para quem não é possível dizer se a redução de consumo de água em São Paulo se dá por iniciativa da população ou porque a água simplesmente já está faltando em inúmeras residências pelo estado. Ele destacou ainda que, a partir de junho, a economia de água por meio do plano de descontos nas contas criado pela Sabesp para lidar com a falta de água reduziu “sensivelmente”.
Segundo Andreu, o que vinha sendo dialogado era uma proposta de redução da vazão de água no Cantareira, dos atuais 19,7 metros cúbicos por segundo (m³/s) para 18,1 m³/s no mês de setembro, e 17,1 m³/s em outubro. O objetivo seria garantir que, caso as chuvas esperadas a partir de outubro não sejam tão intensas, o sistema mantivesse um nível de água capaz de atravessar outro período seco em 2015. “A proposta que vem sendo apresentada é apenas a de retirar até a última gota do Sistema Cantareira. E isso é realmente aumentar o risco de uma maneira brutal”, criticou. O diretor-presidente apresentou aos jornalistas um e-mail impresso em que Arce apresentava os dados citados como “cronograma das reduções programadas”. A proposta nunca foi efetivada.
Andreu revelou ainda que, embora a agência tenha saído oficialmente do GTAG apenas em setembro, o Grupo Técnico não se reúne e nem produz comunicados com recomendações sobre vazões mensais desde o dia 30 de junho. O presidente-coordenador da ANA disse também que pode voltar ao grupo técnico, desde que o secretário estadual assuma compromissos ou diga porque não pode cumprir o que foi acordado. A agência vai manter diálogo direto com o Departamento de Água, Esgoto e Energia (Daee), órgão regulador do governo estadual, com o qual já tem uma reunião encaminhada para a próxima semana.
Arce refutou as afirmações do presidente da ANA sobre falta de informações para a população. “Não estamos enganando ninguém”, defendeu-se. O secretário também disse que o diálogo entre ele e Andreu era informal. “Houve uma conversa minha com ele e não foi possível. Enquanto não estiver fechado não existe acordo”.
Outra crítica do diretor-presidente da ANA é que a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo não apresentou até hoje – oito meses após a admissão da crise pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) – um plano de contingência efetivo para o Cantareira. “Até agora só se fala de tirar água do volume morto”, comentou Andreu. Em julho, o GTAG já havia recusado um primeiro plano por somente propor aumentos de vazão entre os meses de julho e novembro deste ano.
Arce reafirmou a gravidade da seca, a maior dos últimos 80 anos, e garantiu que as ações para retirada da segunda parte do volume morto (108 bilhões de litros de água) já estão prontas. “Ele [Andreu] está sempre preocupado em reduzir a vazão de água e nós em aumentar a disponibilidade, sem racionamento”, afirmou, demonstrando-se despreocupado com a possibilidade de que a próxima época de chuvas seja tão seca quanto a última.
O secretário também adiantou que até o fim de setembro estará concluído um sistema de captação de 0,5 m³/s de água da represa Billings, que será fornecido a parte da população abastecida pelo Cantareira. Hoje, 1,6 milhão de pessoas estão tendo o fornecimento garantido pelos sistemas Alto Tietê e Guarapiranga, no lugar do Cantareira, que agora abastece cerca de 7 milhões de pessoas nas zonas norte, leste e oeste da capital paulista e na Região Metropolitana de São Paulo.
As explicações, no entanto, não foram suficientes para convencer o diretor-presidente da ANA, que acredita que a sensação de segurança atual é falsa. “A conta é simples. Tem água até o fim de março, mas e em abril?”, questionou, ao falar sobre os prazos apresentado pelo governo do estado para a durabilidade das reservas do “volume morto”. As criticas marcam uma mudança na postura de Andreu, que até pouco tempo buscava minimizar possíveis conflitos com os órgãos estaduais, afirmando que o diálogo iria prevalecer na resolução dos problemas. Embora negue a intenção de judicializar a questão, ele admite que o modelo brasileiro de gerenciamento dos recursos hídricos pode exigir essa medida como resolução em conflitos por água.
No sistema Cantareira, dois reservatórios estão ligados a rios federais e três a rios estaduais. Para ele são precisos mecanismos claros de arbitragem e de gestão em momentos de crise, para evitar que a discricionariedade fique somente a critério do agente gestor. No caso de São Paulo, a Sabesp e o governo estadual. “Que pode nem sempre optar pela medida que garanta a maior segurança no abastecimento da população”, explicou Andreu.