Entre as incontáveis atividades do IV Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão (CBP), iniciado no último dia 19 e que segue até o próximo domingo (23), os “Simpósios Magnos” são os únicos que ocorrem em um momento exclusivo da programação, sem concorrerem com nenhuma outra atividade. Serão três Simpósios Magnos responsáveis por discutir os eixos do evento ao final de cada dia.
O primeiro dos três foi realizado no fim da tarde de quinta (20), e o auditório ficou pequeno para a presença massiva do público no debate, cujo tema foi “Psicologia e sustentabilidade: cidadania, diversidade e modelos sociais”. Ana Bock, Maria Tereza Almarza Morales e Peter Spink foram os encarregados da discussão.
Impactos ambientais
A primeira a tomar a palavra foi a psicóloga chilena Maria Tereza Almarza, que abriu sua exposição falando sobre a crise ambiental “permanente e urgente” em que vivemos. Segundo ela, a humanidade sempre impactou os ambientes onde viveu, mas com a revolução industrial e a demanda por crescimento econômico alguns problemas ecológicos foram agravados, como poluição, perda da biodiversidade, mudanças climáticas, crescimento populacional, entre outros fatores que colocam em risco a vida no planeta.
“Tanto marxistas quanto neoliberais concordam quanto à necessidade do crescimento, a crença às cegas no desenvolvimento industrial como necessário, e também na defesa do progresso, além de uma visão mecanicista de uma sociedade que sempre tem que ter mais”, avalia Almarza, vendo nesse tipo de viés uma perspectiva em que predomina a racionalidade instrumental, uma atitude de manipulação da natureza e de apropriação dos bens.
Ao destacar que a preocupação com o meio ambiente implica um resgate da utopia, a psicóloga defendeu ainda a necessidade de se descartar a crença de que as soluções técnicas são suficientes. “A burocracia não ajuda muito nesse aspecto. Recuperar relações com o meio ambiente é também um avanço democrático, não só preserva a natureza mas dá espaço para as comunidades locais e é oportunidade de aperfeiçoar nossas democracias imperfeitas”, afirma Almarza.
Para ela, a colaboração de psicólogas (os) é possível e já acontece: “Já estão fazendo com a Psicologia social comunitária e com a Psicologia política, buscando formas mais justas de se relacionar com o sistema produtivo.”
Outras variáveis
Na sequência, o professor e psicólogo Peter Spink fez sua fala buscando ampliar o conceito de sustentabilidade, incluindo as variáveis econômicas e políticas na conversa. Para ele, há uma relação estreita entre sustentabilidade e dignidade: “Se eu trato uma nascente de água com dignidade, ela responderá produzindo um reservatório com dignidade; se eu trato uma floresta com dignidade, ela responderá com qualidade de ar, umidade. Viver com dignidade é a base para cidadania e direitos.”
Posteriormente, Spink expôs os altíssimos índices de violência policial e encarceramento no Brasil: “A principal conclusão dessas informações é que há uma epidemia de violência, mas também que nos acostumamos com um quadro perverso que impede que as desigualdades reduzam”, diz.
Como resposta à vulnerabilidade, o psicólogo propõe a coletividade, algo que, segundo ele, refere-se à solidariedade, às relações permanentes, à discussão de problemas comuns que ampliam horizontes. “A vulnerabilidade institucional precisa ser combatida pra garantir a sustentabilidade numa noção efetivamente ampliada, pra que pessoas vivam com dignidade”, finaliza.
Desigualdade social
A última oradora do Simpósio Magno foi a psicóloga Ana Bock, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que se propôs a discutir as relações da Psicologia com a temática do simpósio. “A Psicologia lida pouco com a desigualdade social. Há na nossa sociedade sujeitos que valem mais e sujeitos que valem menos. Isso marca um início de reflexão sobre o que chamamos de desigualdade.”
Segundo Ana Bock, não basta ter uma noção de que há pessoas que ganham mais e pessoas que ganham menos: “Há um aspecto importante que é a dimensão psicológica, simbólica, que compõe o fenômeno da desigualdade social. E nós psicólogos não temos lidado com essa questão”, critica.
Bock destacou ainda que há elementos na Psicologia que têm impedido a profissão de se voltar para a realidade social e para elementos chamados de sustentabilidade. “Encontramos efetivamente uma Psicologia de costas para a realidade, por não trazer essa sociedade para dentro da sua teorização”, prosseguiu, utilizando a tese de José Moura Gonçalves Filho, da Universidade de São Paulo (USP), sobre a noção de humilhação social, como exemplo do que acredita ser o papel da Psicologia nesse aspecto, de dar visibilidade a questões sociais que usualmente ficam invisíveis. “Gosto disso porque é o compromisso com uma teorização que evidencia uma noção social característica da nossa sociedade”, conclui Ana Bock.