“Quando essa mesa de diálogo se encerrar, cinco jovens negros terão sido violentamente assassinados”. Assim começou o Diálogo (im)pertinente da manhã deste sábado (22) no IV Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão (CBP), com o tema “Juventude, raça e violência – pelo fim do genocídio de jovens negros”, que reuniu profissionais de diferentes áreas e locais para debater o tema.
Racismo velado
“Além do racismo institucional, ao longo da nossa história convivemos com o racismo camuflado, aquele racismo que não se declara, mas que se executa na prática”, introduziu a presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e secretária executiva do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), Ângela Soligo. Apesar da observação, Soligo ressalta que “nos últimos meses o racismo saiu mais do armário, porque estamos sendo esbofeteados por um conjunto preocupante de manifestações de ódio.”
Uma música composta pela banda de alunos da Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto (SP) foi um dos exemplos trazidos por Soligo ao atestar a naturalização da cultura do racismo. “A letra é machista, desqualificadora das mulheres, particularmente negras, que são chamadas de imundas, fedidas, e a elas se faz menção de uma conduta sexual com esses homens, futuros médicos, das mais humilhantes”, critica e expõe uma preocupação – “esses homens em breve estarão trabalhando como médicos do SUS.”
Para Soligo, na formação em Psicologia depara-se com um conhecido silêncio: “O silêncio nos nossos currículos que não contemplam a questão racial e não estudam a história da África. O silêncio da ausência dos nossos colegas negros como estudantes, como docentes. É só olhar para a cor desse encontro. O silêncio das teorias que ensinamos, produzidas pela lógica europeia branca”, caracteriza, e propõe: “E nós? Silêncio, até quando?”.
Já o psicólogo e coordenador de juventude da prefeitura de São Paulo, Gabriel Medina, ressaltou que nos últimos 12 anos a população negra teve mais acesso a direitos como educação e renda, mas concorda que a violência que ela sofre ainda é grande. “Não conseguimos avançar com mecanismos repressivos, como esse em que a polícia militar se constituiu. Vivemos ainda um resquício da ditadura militar”, diz Medina, ao defender a desmilitarização e mudanças na política proibicionista de drogas.
Medina discorreu ainda sobre o Juventude Viva, programa do governo federal que surgiu a partir de pontos discutidos em conferências de juventude e de igualdade racial. “A ideia é criar estratégias de ampliação de direitos direcionando políticas públicas para os territórios atingidos pelos mais altos índices de mortalidade”, expõe.
Periferia: a não-cidade
O padre Jaime Crowe foi o último dos palestrantes. Nascido na Irlanda, chegou no Brasil em 1969, onde vive e atua desde então, no Jardim Ângela, bairro da periferia da zona sul de São Paulo. A região foi declarada, em 1996, a mais violenta do mundo, segundo Crowe. “A guerra na Irlanda foi entre 1968 e 1998. Naqueles 30 anos foram 3 mil as vítimas de guerra. Em 2002, aqui no Brasil, foram 7 mil vítimas de assassinatos na cidade de São Paulo, sendo mais de 12 mil no estado de SP”. Ele ressalta que a maioria das vítimas era formada por jovens de 13 a 25 anos de idade, negros e pobres.
Crowe, que considera a periferia uma “não cidade”, lembra que acima das estruturas deterioradas, está o medo, e é a partir dele que surge o compromisso dos profissionais. “Um menino que chegou para mim outro dia, falou ‘Jaime, está tão difícil, até para namorar. Preciso descobrir com quem ela andou antes, para não levar tiro’”, recorda.
Ao mencionar Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido, o padre Jaime lembra que “antes se falava muito do pecado individual, depois passamos a falar do pecado social. Também na Psicologia a questão não é tanto individual, mas sim medo, estresse, cansaço, opressão. Precisamos de uma Psicologia do oprimido, uma Psicologia da libertação”, conclui.