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Fora, Valencius: após ato, Frente Antimanicomial é recebida por gestores do Ministério da Saúde em São Paulo

O ano acabou, mas a luta só começou. O SinPsi convoca todos e todas para o pontapé inicial pela revogação da nomeação de Valencius Wurch à pasta nacional da Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. No dia 18 de janeiro, haverá manifestação no vão livre do Masp, às 13h.

O primeiro ato aconteceu dia 18 de dezembro, quando a Frente Antimanicomial de São Paulo fez mobilização em frente ao prédio do Ministério da Saúde, à Av. 9 de julho, para conscientizar sobre a gravidade da nomeação de Valencius, defensor declarado de manicômios.

No ato, cartazes com as mais variadas frases pediam a mesma coisa: manicômios não! O barulho foi garantido por gritos de “Fora, Valencius!” e “Saúde não se prende”, entoados por trabalhadores e usuários da rede de atenção psicossocial, como os CAPs.

“Fizemos a nossa parte e mandamos cinco companheiros para Brasília, para dar um apoio à ocupação. Acredito que conseguiremos derrubar o Valencius. Para isso, precisamos construir um colegiado de saúde mental permanente”, disse.

A terapeuta ocupacional Vitória Reis carregou faixas e demonstrou receio em ter de dar um passo atrás logo após terminar a graduação. 

“Há que se saber o que pensa esse coordenador, pois é esse pensamento que vai chegar na ponta, tanto para os usuários quanto para quem trabalha com saúde mental”, comentou.

Recém-formada, Vitória se lembra de que ouviu falar muito da luta antimanicomial no período de graduação. 

“Falavam de como eram os manicômios e como se dava o tratamento. Eu não quero pensar que terei de viver esse momento de novo. Não quero que ele aconteça, que eu tenha que participar dele. Quero que a reforma psiquiátrica continue”, desabafou.

Iran Cândido, usuário do CAPs São Mateus há cinco meses, destaca a relação afetuosa que já desenvolveu com os trabalhadores.

“O CAPS é muito bom! Se eu fosse internado, minha situação pioraria muito, porque sei que sentiria raiva. No CAPs sinto alegria, vontade de me tratar”, contou.

Logo após a entrevista com Iran, um senhor pede para falar. É o Seu Alcides Alves, de 52 anos, figura popular do mesmo CAPs, que informa, com muito orgulho, ter tido alta há pouco mais de um mês, após tratamento de 11 anos.

“Minha família não confiava em mim. Eu pedia dinheiro para passar na consulta e eles não davam, achando que eu ia gastar com bebida. Era discriminado na sociedade, chamado de pinguço, não me chamavam para fazer serviços. O CAPs é um lugar muito bom e não é só passar na consulta, tem grupo de meio ambiente, de artesanato. Eu fazia horta e ensinava a fazer canteiro, a virar terra. A gente recebia os pacientes.

E que tal o novo coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Seu Alcides?

“Esse coordenador aí? Tem que tirar fora. Não é só ficar preso no manicômio não. Paciente de Saúde Mental tem que levar pra onde trata e cura. Eu nem ia estar vivo hoje se tivesse sido levado para um manicômio. Do jeito que eu cheguei no CAPs, pensava que ia morrer. O médico que me recebeu me deixou sozinho na sala e disse pra eu pensar no que eu queria da minha vida. Depois de um tempo pensando, ele voltou e eu disse que queria me tratar. Não quero não só pra mim, mas para todos. 

Sobre as lembranças do manicômio, é enfático:

“É muito horrível. Me amarravam, só passavam remédio, não conversavam, me trancavam. Eu fazia fezes na cama porque estava amarrado e dava vontade. Não tinha nada, não parecia gente. Só não morri porque Deus não quis”, concluiu.

O CAPS São Mateus Liberdade e Escolha é um CAPs 24 horas, chamado AD3. Funciona há 14 anos e conta com equipe multidisciplinar formada por sete psicólogos, cerca de 30 enfermeiros, dois terapeutas ocupacionais, três assistentes sociais, dois farmacêuticos, dois técnicos de farmácia, um educador físico, três psiquiatras e um clínico geral.

Gestores interessados

Após três horas de ato na rua, com sol a pino, o anúncio: representantes do Ministério da Saúde queriam conversar para entender as razões da reivindicação. Os gestores administrativos Marcelo Kawatoko e Ronaldo Raymundo receberam, em uma grande sala de reuniões, com ar refrigerado e água, os psicólogos da Frente Antimanicomial Moacyr e Carol e três usuários dos serviços de saúde mental, sendo dois conselheiros gestores e um fotógrafo. O SinPsi acompanhou a reunião, com exclusividade.

Moacyr explicou o cunho nacional da mobilização contra Valencius e os motivos da indignação com sua nomeação:

“Desde a década de 1990 que o coordenador de saúde mental é ligado à reforma psiquiátrica antimanicomial. Agora o ministro da Saúde, Marcelo Castro, afirma que a luta antimanicomial e o padrão de atenção psicossocial não têm bases científicas e de que esse cuidado não é o ideal. Estamos aqui para afirmar o que querem trabalhadores, gestores, familiares e usuários da rede de atendimento psicossocial: cada vez mais fortalecer o avanço da saúde mental no Brasil”, explicou.

Segundo o psicólogo, não é possível que, com o avanço da reforma psiquiátrica em todo o mundo, o ministro tenha nomeado alguém com o histórico de Valencius Wurch.

“Ministro da Saúde tem compromisso de indicar um coordenador ligado à reforma psiquiátrica”, pontua.

Já a psicóloga Carol contou aos gestores presentes que a sala da coordenação da Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, em Brasília, estava ocupada desde o dia 15 de dezembro, fato que surpreendeu os gestores, que então deram conta da força da mobilização. Ambos se comprometeram a repassar tudo o que fora conversado à matriz do Ministério, em Brasília.

Ao final da reunião, Moacyr entregou abaixo assinado criado pelos usuários do CAPs Álcool e Drogas 3 de São Miguel, além da carta escrita pela Frente Antimanicomial. Os documentos foram protocolados e enviados a Brasília.

Valencius

Nomeado dia 14 de dezembro, Valencius Wurch foi, por 10 anos, diretor e defensor da Casa de Saúde Dr Eiras, o maior manicômio da América latina, com 2 mil leitos, onde milhares de pessoas eram por décadas maltratadas até a morte. Valencius se declarou contra a rede substitutiva, contara a reforma psiquiátrica, e o ministro alegou caráter técnico para a escolha dele.

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