No momento em que o Brasil discute a cultura do estupro, o interino Temer nomeia ex-deputada que é contra o aborto até em caso de estupro
A Fenapsi repudia veementemente a nomeação da ex-deputada federal Fátima Lúcia Pelaes (PMDB-AP) para a nova Secretaria das Mulheres do Governo Federal. A nova secretária tem posições machistas e é contrária ao aborto mesmo em casos de estupro. O presidente interino e ilegítimo Michel Temer a nomeou após receber críticas em decorrência do seu ministério ser formado apenas por homens brancos. A escolha dos ministros foi interpretada como um recado sobre o tratamento que o novo governo pretendia dar às minorias e às demandas da diversidade.
A secretaria assumida por Fátima Pelaes, que é presidenta do PMDB Mulher, está subordinada ao Ministério da Justiça e sua indicação representa retrocesso, ao contrário do que poderia ser imaginado no primeiro momento.
O nome de Fátima Pelaes é duramente criticado pelas feministas. A nova secretária faz parte da Assembleia de Deus e é alinhada com a bancada ruralista. No passado, antes de se converter à igreja evangélica, foi considerada feminista com posições de defesa da legalização do aborto em seus dois primeiros mandatos como deputada. Apesar de ser socióloga, hoje é uma militante do famigerado movimento em “defesa da vida e da família tradicional”. Trata-se de um quadro político contrário a todas as reivindicações das mulheres em luta contra o machismo e o patriarcalismo.
Em 2010, quando deputada federal, ela se manifestou contra o aborto numa sessão da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara que discutia proposta que visava a concessão de uma bolsa a mulheres que engravidam após estupro. Esse tipo de convicção é incompatível com o cargo que pretende exercer.
Além disso, ela é investigada na Justiça Federal por suposta participação em um esquema que desviou R$ 4 milhões de verbas do Ministério do Turismo para capacitação de profissionais no Amapá. Aliás, a indicação segue a política, adotada pelo novo governo provisório, de nomear investigados e denunciados pelos mais diversos crimes.
Apesar da enxurrada de críticas, Michel Temer resolveu bancar Fátima Pelaes no cargo nesta segunda-feira, 6 de junho, após avaliação da repercussão negativa em torno de sua nomeação, publicada no Diário Oficial da União no dia 3 de junho, entre os movimentos sociais e feministas, e também na imprensa, por conta das suspeitas de corrupção que pairam sobre ela.
A Fenapsi e outras inúmeras entidades não aceitarão que Fátima Pelaes lidere as políticas que deveriam ser para mulheres, mas que sob a sua responsabilidade poderão reafirmar o poder patriarcal e a opressão do homem sobre a mulher que continua sujeita a toda a sorte de violência e negação de direitos, tendo nesta senhora a materialização de um estado que caminha a passos largos para abandonar a laicidade rumo ao fundamentalismo, impondo aos seus cidadãos regras fundamentadas em crença e religião que não professam.
Não! Não aceitamos que uma agenda reacionária mande nos corpos femininos, sejam eles cis ou trans. Não aceitamos o machismo e a misoginia que diariamente se materializam em estupros, violência doméstica e na rua. Não aceitamos o assédio e discriminação no trabalho e nas esferas de poder, onde são reprimidas, silenciadas, menosprezadas e desvalorizadas.
É particularmente emblemático que Temer tome essa decisão no momento em que o Brasil discute a cultura do estupro existente no país após o estupro coletivo sofrido por uma adolescente no Rio de Janeiro. Ela foi vítima de mais de 30 homens que a violentaram e filmaram o crime para posterior divulgação nas redes sociais. O crime ocorreu no dia 21 de maio e o vídeo se tornou viral no dia 25, quando a barbárie deixou de ser apenas dos estupradores e foi cometida por parte da sociedade que culpabilizou a vítima e justificou a violência escancarando a cultura do estupro naturalizada na sociedade brasileira.
O discurso misógino e machista que emergiu a partir da divulgação das imagens e da notícia revelou uma face do Brasil que não deixa dúvidas do quanto ainda precisamos evoluir no campo da emancipação da mulher. Precisamos trilhar o caminho da desconstrução de toda essa naturalização da violência contra a mulher que foi escancarada nos últimos dias. Os que fazem ginástica discursiva para desmentir a vítima e justificar o estupro precisam estar cientes de que seu posicionamento ratifica os estupros sofridos a cada 11 minutos por uma mulher no Brasil.
Aliás, a resposta do Estado ao episódio do estupro foi totalmente equivocada tentando convencer de que a repressão e a punição são a solução. Apesar de muito importantes e imprescindíveis, sozinhas elas não resolvem. Mais importante do que punir os estupradores é evitar que as mulheres sejam estupradas. Entretanto, um executivo federal machista aliado a um congresso ultraconservador caminham na direção contrária, barrando as tentativas de avanço.
As forças conservadoras se esforçam para promover retrocessos nas políticas estatais civilizatórias e históricas, tentando impedir, por exemplo, mulheres estupradas de abortarem e de terem acesso ao atendimento de saúde (projeto de lei 5069/13, aprovado em 2015 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados). Avançam, ainda, sobre os currículos escolares buscando proibir que tratem da questão de gênero, promovendo o silenciamento dos professores nas salas de aula, entre outras investidas que contribuem para o atraso de nossa sociedade.
Posicionamentos como os de Fátima Pelaes e de Temer, que os endossa ao indicá-la ao cargo, significam retrocesso. Fica uma pergunta à Pelaes: se a adolescente que foi estuprada por 30 homens viesse a engravidar, a senhora acha que ela deveria ter o filho?
Mas a reação a todas esses ataques por meio das ações de militância em defesa dos direitos das mulheres, intensificadas após o horror ocorrido no Rio de Janeiro, deixam acesa a esperança, pois revelam haver espaços de luta e mobilização para a produção de outras narrativas em que mulheres são donas de seus próprios corpos e destinos podendo avançar livres do domínio masculino e sem medo da ameaça da violência que sempre as persegue, à espreita, seja nas ruas ou em suas próprias casas.
Fátima Pelaes não representa essa nova narrativa que buscamos produzir e por isso não nos representa. Fora Fátima! Fora Temer! Fora todos os retrocessos que querem nos impor.