Professores apontam para clima de chantagem no ambiente eleitoral, mas que dá dinheiro a quem especula com os boatos. “Para o mercado, a democracia não é um bom negócio”
A um mês e meio das eleições, o mercado financeiro já trabalha com relatórios e alertas aos investidores sobre os “riscos” de uma vitória da esquerda, e, particularmente, do PT. Segundo algumas avaliações catastrofistas – supostamente atribuídas ao favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva expostos pelas pesquisas CNT/MDA, Ibope e Datafolha desta semana –, o principal índice da Bolsa (Ibovespa) perderia montantes enormes e o dólar explodiria, podendo chegar a R$ 5.
Para os economistas Guilherme Mello e Pedro Rossi, ambos professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o comportamento dos investidores e seus consultores pode ser qualificado por uma palavra: “chantagem”.
“É uma chantagem permanente, uma espécie de terrorismo econômico que busca justificar reformas (do governo Michel Temer), impedir que a democracia atue no sentido de desconstruir essas reformas e regular o mercado. No período eleitoral essa chantagem se acentua, porque é o momento em que a democracia representa uma ameaça aos mercados”, diz Rossi. “Para o mercado, a democracia não é um bom negócio.”
“É chantagem, sim”, afirma Mello. “Mas é uma chantagem que dá dinheiro a muita gente que especula e ganha a partir de boatos que eles mesmos criaram. O câmbio sobe, mas o investidor já tinha apostado que ia subir e então ganha rios de dinheiro. Não é só uma chantagem política, é também uma esperteza econômica.”
O ex-ministro Ricardo Berzoini, um dos coordenadores da campanha de Lula, lembrou em sua rede social que a chantagem dos mercados não são uma novidade. “Dólar comercial em 25 de agosto de 2002 (ano em que Lula ganhou a primeira eleição), R$ 3,80. Um ano depois, R$ 2,80. Deixa o Lula cuidar do dólar”, ironizou.
Rossi avalia que as ameaças ajudam a formar convenções no mercado financeiro, as quais contribuem para a instabilidade e para a especulação excessiva. “Por exemplo, a convenção de que há uma correlação entre a desvalorização do real e a subida do Lula nas pesquisas. Como essa convenção se transforma em verdade, os agentes passam a especular em cima disso.”
Os relatórios, na realidade, ignoram a situação real do país que, hoje, mesmo em grave crise, tem garantias, algumas das quais construídas ao longo dos períodos dos governos de Lula e Dilma Rousseff.
Entre elas, Mello cita o déficit em conta corrente baixo (US$ 3,586 bilhões no primeiro semestre), superávit comercial (no ano, o saldo é de US$ 36,789 bilhões) e as reservas cambiais altas (cerca de US$ 380 bilhões). “Eles querem chantagear e criar um clima de medo para você apoiar um candidato mais liberal, no momento Geraldo Alckmin, que vá acalmar os mercados. Isso foi feito com Lula, com Dilma, foi feito o tempo todo.”
Rossi lembra que, em 2002, a pressão foi muito forte e houve uma crise cambial associada à eleição de Lula. “Não conseguiram barrar a democracia, mas conseguiram fazer com que Lula acenasse ao mercado, com a Carta aos Brasileiros, diante da instabilidade que ele, mercado, provocou.”
Já o governo Temer “foi o paraíso dos mercados financeiros”, acrescenta o economista, por entregar patrimônio (como o pré-sal) e pelas regulações a favor dos investidores. No caso brasileiro, o mercado financeiro se apropria de grande parte da renda gerada no setor produtivo. “Esses instrumentos de terrorismo econômico e de atuação no sentido desestabilizam as variáveis macroeconômicas.”
O mercado tem alguns candidatos em que pode apostar: Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e mesmo Jair Bolsonaro (PSL), embora este último não seja considerado confiável. O candidato dos sonhos, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), não passa de 2% nas pesquisas.
Na opinião de Guilherme Mello, se os agentes e investidores tivessem bom senso, poderiam apostar em candidatos da esquerda justamente por já terem demonstrado competência na gestão do Estado. Para ele, se Alckmin não decolar, significa que Bolsonaro irá para o segundo turno. “Isso se Lula não for candidato, porque, se for, a eleição pode acabar no primeiro turno.”
No caso de Lula ser impedido e Haddad disputar em seu lugar, ele já demonstrou ter condições de gerir o Estado, diz o economista. “Espero que os investidores financeiros internacionais tenham alguma razoabilidade e saibam que Haddad é um gestor com responsabilidade.”
Ele cita como exemplos a melhora das finanças e da capacidade de investimento da cidade de São Paulo, além de o ex-prefeito ser formulador de políticas públicas e manter diálogo com vários setores, inclusive com os mais liberais.