26abr2024 – Por Norian Segatto
Em 28 de abril celebra-se o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, data que remete à morte de 78 trabalhadores devido à explosão em uma mina nos Estados Unidos, no dia 28 de abril de 1969.
A precarização constante das condições de trabalho, agravada nos últimos anos pela maior flexibilização de regras trabalhistas e de segurança, pela terceirização, uberização, e pelo vale tudo do mercado, criam riscos adicionais à diversas atividades laborais. No Brasil, a cada 50 segundos um acidente é notificado.
Dados do INSS dão conta de que entre 2012 e 2023, foram notificados 7,58 milhões de acidentes, que geraram mais de 2,2 milhões de afastamentos e 28.523 mortes, aproximadamente uma a cada 3 horas. Dados atualizados podem ser consultados no Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho. Se pensarmos que nesse período aumentou muito a informalidade e o número de trabalhadores sem carteira assinada, com certeza esses dados são subestimados, apontando para uma realidade ainda mais cruel.
Diante desses dados cabem duas questões: 1) como melhorar as condições e ambientes de trabalho para evitar acidentes e; 2) como a Psicologia e seus profissionais podem contribuir com isso.
Diversos trabalhos acadêmicos apontam como a piora dos ambientes de trabalho afeta a saúde emocional dos/das trabalhadoras, aumentando a possibilidade da ocorrência de acidentes. A psicóloga Marina Soares Rodrigues, em uma tese de mestrado defendida no Instituto de Psicologia da USP, nos idos da década de 1980, já apontava alguns sintomas psicossociais envolvendo acidentes de trabalho: Segundo ela “o acidente é uma forma de alienação e a alienação é um acidente que mutila um processo. O acidente é um fato empírico e como tal indiscutível, mas é também um acontecimento humano e, portanto, um símbolo, uma mensagem que expressa em um nível diferente a alienação que o precedeu. O acidente é uma forma mutilada de expressar uma vocação inevitavelmente humana. O acidente, entendido como um sintoma, é a afirmação pelo avesso de uma identidade que não encontra o seu direito… O trágico é uma resposta à monotonia do trabalho e da vida. A ansiedade persecutória, que se relaciona com o medo de perder o emprego e com as exigências de quantidade e qualidade, próprias da atividade produtiva, funciona como uma defesa ao aparecimento da ansiedade confusional. Esta é mais central, mais desagregadora e está mais próxima da sensação de loucura que, de certa forma, passa a ser a morada onde reside a vida”.
Dessa forma, entender o fenômeno do acidente de trabalho em seus diversos aspectos, tanto na abordagem individual, mas, essencialmente, dos ambientes e práticas do trabalho, ajuda a/o profissional da psicologia no auxílio à prevenção de acidentes, seja na esfera de uma empresa ou nos modernos arranjos laborais, que eliminam cada vez mais direitos trabalhistas e deixam os trabalhadores à custa da própria sorte, numa roleta russa pela sobrevivência, como se percebe no caso de trabalhadores de aplicativos, em especial os motoboys.
Em 2022 foram quase 613 mil acidentes de trabalho em diversas áreas, ocasionando 2.500 mortes, 7% a mais que no ano anterior, segundo dados do Observatório de Segurança e Saúde. As motos foram as principais responsáveis pelos acidentes de trabalho em todo o Brasil. Em 2022 foram 24.642 acidentes envolvendo motociclistas no país. Para o Ministério Público do Trabalho, o aumento tem a ver com a situação econômica trazida pela pandemia, e esse número pode ser ainda maior.
A psicóloga do trânsito e diretora do SinPsi, Cris Carneiro, chama a atenção para a pressão sobre o trabalho, que leva muitos jovens que trabalham como motoboys se arriscarem diariamente para garantir uns trocados a mais no final do expediente. “Andando pelas ruas de vemos muitos motoboys atravessando o sinal vermelho, fazendo uma ultrapassagem perigosa e às vezes conduzindo de maneira imprudente o veículo. Uma pergunta que nos fica é quanto vale a vida de um trabalhador motoboy?”, questiona e arrisca uma resposta à medida em que o “ambiente de trabalho” exige uma jornada desumana, exaustiva física e mentalmente, que pode resultar em graves acidentes e adoecimento.
O dia 28 de abril é uma data para se refletir sobre os caminhos que o trabalho tem assumido, cada vez mais alienado, sem proteção legal e com baixa remuneração. Ambientes hostis de trabalho geram maior adoecimento, menor foco, com consequente aumento do risco de acidentes. A Psicologia deve atuar e refletir sobre esses fatores para ajudar a mudar essa triste estatística de mortes e acidentes.