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Assédio Moral não pode ser caracterizado por um simples aborrecimento

Criou-se um discurso de modismo entre os atores do direito trabalhista brasileiro e autoridades representativas dos mais diversos partidos políticos e Estados do Brasil, no que concerne ao assédio moral, no campo das relações do trabalho.

Defendendo práticas modernas nas relações de capital e trabalho, sem deixar de estudar seus reflexos no âmbito da comunidade empresarial (empresários, trabalhadores e entidades representativas), devo deixar claro que sou favorável à criação de regras para contenção de abusos nas relações trabalhistas e punição do assédio moral que se manifesta nas organizações. É preciso evitar injustiças praticadas sob a luz do abuso de autoridade e poder, sem no entanto potencializar, indiscriminadamente, uma das partes desta relação.

No Brasil, o primeiro Projeto de Lei sobre o assunto foi do vereador Arselino Tatto, que com sensibilidade, resolveu agir em prol daqueles que vem sofrendo uma série de abusos. Friso que este projeto, assim como outros que lhe sucederam, enfocam somente penalidades à prática do assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal, por servidores públicos municipais.

E, outros se enveredaram nesta corrente, seguindo Arselino, como o deputado Marcos de Jesus (PL-PE), que em seu projeto visa inserir o assédio moral como crime no Código Penal Brasileiro, cuja pena prevista para o crime é de detenção de três meses a um ano, além de multa; e na versão paulistana, sob a batuta da prefeita Marta Suplicy (PT-SP), uma réplica do projeto de Arselino Tatto (Lei Municiapal-SP nº 13.288, de 10/01/02).

Comentários bastante interessantes, e/ou apropriados, se extraem destes projetos, principalmente da área médica. E outros que, além de irem às raias da insensatez, beiram à banalidade que, francamente, o assunto não merece. Ao contrário, é matéria de extrema importância, principalmente no mundo moderno, onde as pessoas estão se tornando mais perversas e tiranas, se sobrepujando umas às outras, incessantemente sob o jugo do poder.

É claro que assédio moral, na concepção de seu conceito, não está restrito aos ambientes e/ou relações de trabalho. Podemos encontrá-lo, também, em outras esferas como no seio da família, reuniões de grupos sociais, hospitais, clubes de lazer, dentre outros, ou seja na sociedade de forma geral.

Contudo o enfoque neste momento e contexto, diz respeito às manifestações de assédio moral no trabalho, ou seja estamos restringindo-nos ao espaço físico onde as atividades de trabalhadores, de qualquer segmento privado ou público, são exercidas e resultam em produção, quer braçal ou intelectual, sem distinção quanto ao tipo de labor.

O que causa uma certa estranheza, é a generalização de termos e/ou conseqüências de atos praticados por esta sociedade restrita (médica), disseminados por determinados profissionais, que alegam, sem o cuidado necessário, e ao contrário enfaticamente, ser o “stress” assédio moral, como veiculado em meios eletrônicos e radiofônicos.

Claro está, até para os mais leigos em medicina que o stress pode advir de assédio moral no trabalho, mas não que seja seu fator determinante. Até porque, o stress pode ser desencadeado de outros fatos ou atos, e que inclusive podem contribuir para deteriorar as relações de trabalho, sem contudo que tenha ocorrido qualquer tipo de assédio moral provocado por um superior hierárquico, e mesmo no decorrer do exercício das atividades do “trabalhador stressado”.

Vejam que, o stress, por exemplo, pode ser uma conseqüência familiar, que o indivíduo traz para dentro das organizações, e a qualquer momento, em função de somatizações, vir a desencadear situações, que poderão, à princípio, se assemelharem ao assédio moral no trabalho, e mesmo assim não o sê-lo.

No entanto, e fugindo aos estereótipos mal utilizados, ou precariamente pré-concebidos, tendo em vista sua subjetividade, temos que a humilhação repetida e de longa duração, interfere na vida do trabalhador, em suas relações familiares e sociais, e que podem ocasionar graves danos à saúde física e mental, inclusive podendo gerar a incapacidade laborativa do trabalhador.

Assédio moral, nada tem de modernismo, pois se criou em conseqüência das atividades laborativas, com o início do trabalho. O que temos hoje é sua intensificação e forma de abordagens. Trata-se da exposição de trabalhadores à situações humilhantes e constrangedoras, por repetição e prolongamento, situações estas provocadas por agente que detêm autoridade e/ou poder hierárquico.

Tais abusos, assédios, ou humilhações, interferem de forma negativa em seus subordinados, desestabilizando as relações de trabalho, e desencadeando males à saúde física e mental da vítima, dores, tristezas e sofrimentos. Note-se que para se denominar assédio, o agente ativo será sempre o superior hierárquico do agente passivo, vítima do dano.

Ressalte-se que, o assédio moral no trabalho poderá desencadear distúrbios da saúde (física e mental) conforme pesquisa feita com diversos países pela OIT-Organização Internacional do Trabalho (www.ilo.org/public/spanish/bureau/inf/pr/2000/37.htm), e, também, o competente estudo realizado pela PUC-SP, que pôde demonstrar que o assédio moral leva a dores generalizadas em 80% dos casos, aumento da pressão arterial em 45% deles e palpitações e tremores em 60%.

Considera, ainda, a pesquisa da PUC-SP que a tentativa de suicídio é feita por 9% das pessoas submetidas a assédio moral, dentre outros sintomas tais como: depressão, distúrbios digestivos, diminuição da libido, falta de apetite, etc. (Fonte: Revista Consultor Jurídico, de 02/08/2001).

Entretanto, necessitamos, neste tocante, de maior seriedade no trato da questão, pois não podemos criar um guia para o trabalhador com “frases feitas” e insípidas, como já divulgado no meio eletrônico, banalizando o instituto, com um sério risco de caracterizar qualquer rusga no ambiente de trabalho como sendo assédio moral. Foge-se ao âmago da questão, e circunda-se o periférico, sem solução do ponto crucial.

Na minha concepção, assédio moral no trabalho, em verdade, é uma das formas de Dano Moral Trabalhista, dentre outras práticas cujos danos podem ocorrer em três fases da relação de trabalho, que se denominam pré-contratual, contratual e pós-contratual. O que diferencia é que o assédio ocorre somente em uma das fases, a contratual. Pode parecer redundância, mas são situações diferenciadas entre si, que fazem parte de um contexto macro que é o Dano Moral Trabalhista.

O assédio moral deve ser expandido à todos os trabalhadores, e não restrito à administração pública. Contudo, de forma diferente do já proposto nos vários projetos. O que significa não expandir nas mesmas condições. Vejam, por exemplo, que os Projetos de Lei apresentados, até o momento, restringem o âmbito da ocorrência do assédio moral às Administrações Públicas Municipais, e aos funcionários públicos destas. Pode tornar-se sem efeito, ou seja “letra morta”, dado ao fato de que um grande número de cargos ocupados por “superiores hierárquicos” são os chamados “cargos de confiança”, e outros tantos que são ocupados por indicação política, que dificultará, sobremaneira, que o subordinado obtenha algum resultado satisfatório, ou de êxito em suas reivindicações de assédio moral provocadas por seus superiores.

Ademais, o exame da questão, julgamento e determinação da penalização se darão em processo administrativo e não submetidos à esfera da Justiça Comum, que poderá comprometer seu resultado final, ou mesmo a continuidade do processo (poderá ser arquivado, por exemplo, sem julgamento do mérito).

Uma questão de suma importância, se traduz pela máxima de que o assédio moral precisa ser CARACTERIZADO, com provas do IMPULSO DO AGENTE (ação ou omissão), do RESULTADO LESIVO (dano efetivo), e da CAUSALIDADE entre o dano e a ação alheia. Isto porque não devemos deixar impune o causador do dano, ou do assédio moral, que assim, é indiretamente levado a não reincidir. Mas deve, igualmente, haver comedimento a fim de que o nobre instituto não seja desvirtuado em mera fonte de enriquecimento, ou favorecimentos, tanto do personagem que figura no pólo ativo, quanto no passivo da reivindicação.

A tônica que deve ser dada, à esta questão de assédio moral no trabalho, deve pautar-se em relação aos critérios de avaliação, caracterização e da quantificação da indenização devida pelo dano sofrido, até em razão de sabermos que os meios e/ou critérios tradicionais utilizados para a reparação do dano material (patrimonial), não podem ser utilizados.

Serve de alerta, para todos os ramos do direito, que não deve, nem pode qualquer situação tida, precariamente, como assédio moral, ser indenizável ou punida. Ou seja, aqueles aborrecimentos corriqueiros não geram a caracterização e o dever de indenizar. Não se pode ter por objetivo o amparo aos abusos e aos personagens que se tornam abusados.

E para que as organizações possam agir de forma preventiva, devem estar atentas quanto ao fato de que tanto o empregado quanto a própria empresa, expõem diariamente seus bens patrimoniais mais valiosos, sua honra, dignidade, decoro, reputação, e que uma vez atingidos podem mudar o curso de suas vidas, e dos que as rodeiam, para pior, e não raro de forma irreversível.

Finalmente, as alegações pesadas, insinceras e levianas, que podem advir contra “chefes”, também, necessitam ser evitadas, não privilegiando a vingança sem fundamento. E, que é preciso colocar um basta à impunidade de empregadores e empregados, penalizando a má fé e a falta de seriedade e ética nas Relações Trabalhistas.

Para a questão do assédio moral no trabalho necessitamos do máximo de bom senso. À propósito como disse Montaigne “A única coisa bem distribuída no mundo é bom senso. Tanto isto é verdade que todos acreditam que já têm suficiente.”.

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