Após quase uma década de luta dos movimentos sociais, um acordo na comissão especial da Câmara dos Deputados permitiu a aprovação do substitutivo do projeto de lei (PL) que cria o Estatuto da Igualdade Racial.
O autor da proposta, Paulo Paim (PT-RS), encaminhou pela primeira vez um PL referente ao tema em 2000, quando era deputado federal. Em 2005, já como senador, o parlamentar apresentou o PL 6264, aprovado nessa quarta-feira (09).
O projeto segue agora para votação no Senado.
Ao apontar mudanças nas áreas educação, saúde e acesso ao mercado de trabalho, o estatuto se torna mais um grande passo para estabelecer a igualdade racial no Brasil.
*Avanços e retrocessos*
Entre os destaques da proposta aprovada estão a implementação de um sistema de cotas que reserva 20% das vagas em universidades públicas e privadas e 10% nos partidos políticos aos candidatos negros, a especialização do Sistema Único de Saúde em doenças mais características da raça negra como a anemia falciforme e a obrigatoriedade do ensino da história da África e do negro no Brasil aos alunos do ensino fundamental das escolas públicas e privadas.
Além disso, o governo poderá oferecer incentivo fiscal às empresas que tenham ao menos 20% dos funcionários negros.
Para que o Projeto de Lei 6264 pudesse passar pela Câmara, alguns pontos importantes foram excluídos como a preferência em licitações públicas a empresas que promovessem ações de igualdade racial, as cotas para atores e figurantes negros nas emissoras de TV, a identificação dos estudantes de acordo com a raça, no censo escolar e a obrigatoriedade da criação de cotas para negros nas universidades públicas. O texto cita apenas que o governo deve adotar programas que garantam acesso dessa população ao ensino superior.
Os movimentos sociais criticaram ainda a exclusão da regularização automática de terras para remanescentes de quilombos.
*Ponto de partida*
Para a secretaria de combate à desigualdade racial da CUT/SP, Rosana Silva, o Estatuto da Igualdade Racial servirá como referência para a adoção de políticas públicas nas esferas municipais, estaduais e federal. “A aprovação unificará e norteará a luta do movimento negro”, acredita.
Outro ponto que Rosana destaca é a contribuição que o ensino da história do negro no Brasil pode oferecer às futuras gerações. “As crianças não nascem rascistas e quando aprendem na sala de aula que somos todos iguais, começam a repassar isso, inclusive na família. Formaremos pessoas capazes de respeitar o próximo”, acredita.
*Números da exclusão*
Apesar da maior parte do Brasil ser negra – 49,7% da população, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – os negros recebem 50% a menos que os não-negros na região metropolitana de São Paulo, segundo dados divulgados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e pela Fundação Seade. As taxas de desemprego também são maiores para negros em comparação às pessoas de outras raças (17,6% contra 13,3%) e nas empresas brasileiras, pouco mais de 3% dos cargos de chefia são ocupados por negros, segundo o Ibope e o Instituto Ethos.
A população negra também entra mais cedo no mercado de trabalho e sai mais tarde, já que muitas vezes atua em atividades precárias, sem carteira assinada e não pode contar com a proteção social. Para as mulheres, a situação é ainda pior: as negras, na base da pirâmide social, recebem menos da metade dos trabalhadores não-negros, no topo.
Nos últimos seis anos, a adoção de programas sociais como o Bolsa Família e a política de valorização do salário mínimo, que propiciaram o aumento da renda e ações como o ProUni (Programa Universidade para Todos) e as políticas de cotas permitiram a elevação da escolaridade e a diminuição da desigualdade, mas é preciso avançar muito mais para vencer a discriminação e garantir a igualdade racial.
Além da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, a CUT defende a implementação das Convenções 100 e 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) – que tratam, respectivamente, da igualdade de remuneração entre homens e mulheres e da discriminação no emprego e na profissão – e a aplicação da lei 7.716/89, que trata o racismo como crime inafiançável e passível de prisão.