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CCJ do Senado aprova alterações na Lei Maria da Penha

Uma das mudanças, não consensual, concede a delegados de polícia a autoridade para definir medidas protetivas às vítimas.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na tarde nesta quarta-feira (29) o projeto de lei da Câmara (PLC 72016) que altera a Lei Maria da Penha para, entre outras coisas, conceder a delegados de polícia a autoridade para definir medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica antes de despacho judicial.

Segundo os defensores do PL, a ideia é dar agilidade aos procedimentos, de forma a evitar a ocorrência de agressões mais violentas, como os assassinatos.

Atualmente, pelas determinações da Lei Maria da Penha, o delegado, ao atender uma ocorrência, tem até 48 horas para solicitar ao juiz a imposição de medidas protetivas. A Justiça, por sua vez, tem mais 48 horas para dar o despacho. “Essa morosidade muitas vezes provoca a morte das mulheres”, destacou o senador Telmário Mota (PDT-RR). Ele foi um dos parlamentares que votaram pela aprovação do PL, que teve como relator o senador Aluysio Nunes (PSDB-SP).

“Precisamos evitar que a mulher vá pra delegacia, lavre um B.O. [boletim de ocorrência] e, depois, tenha que voltar pra casa para conviver com o seu carrasco. Seria importante que o delegado pudesse logo promover esse distanciamento, porque os prazos que a Lei prevê esbarram nos problemas estruturais. Apenas metade dos municípios brasileiros são sedes de comarcas. Então, muitas vezes a resposta judicial é lenta”, defendeu o relator.

Segundo o projeto, na hipótese de risco à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes, a autoridade policial poderá aplicar as medidas, assumindo a responsabilidade de comunicar a decisão ao juiz em até 24 horas e consultar o Ministério Público. O magistrado terá a prerrogativa de manter ou reformar a decisão policial.

O texto do PL  trata ainda do direito das vítimas a atendimento policial e pericial especializado, a ser realizado preferencialmente por profissionais do sexo feminino, além da necessidade de os poderes públicos estaduais e do Distrito Federal priorizarem o aumento do número de delegacias especializadas.

Polêmica

O trâmite da proposta provocou debates acalorados no colegiado porque, para alguns parlamentares, as discussões ainda não estariam devidamente amadurecidas e deveriam passar pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa.

“Seria a comissão de mérito pra julgar o caso. Esse tema exige bastante seriedade de todos nós e precisa ser aprofundado, inclusive com a participação das diversas entidades que atuam na defesa dos direitos das mulheres. Não podemos atropelar isso”, argumentou a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), para quem o movimento feminista estaria ainda à margem da discussão que corre na Casa.

Além dela, outros senadores, entre eles Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e Lindbergh Farias (PT-RJ), defenderam um adiamento da votação, para que o tema pudesse ser detalhado.

“Cabe lembrar que, na Câmara, o PL não passou por nenhuma comissão e foi votado em plenário no apagar das luzes de uma sessão. Nós também achamos que as medidas protetivas precisam ter agilidade, mas essa alteração precisa contar com um debate mais amplo, até porque, se tem apenas delegados defendendo integralmente essa proposta, ela precisa ser mais investigada. E precisa ser discutida por mulheres que ajudaram a criar a Lei e que trabalham no dia a dia do problema”, disse a senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).

Ela salientou que a demora na aprovação de medidas de proteção não estaria apenas na questão judicial. “Nós temos, no Brasil, mais de 5 mil municípios e menos de 400 Delegacias da Mulher, por exemplo. Isso significa que muitos dos casos de violência vão parar em delegacias comuns”, pontuou a senadora, destacando que a falta de estrutura da rede de atendimento seria um dos principais empecilhos à total efetividade da Lei Maria da Penha.

Corporativismo

Durante a sessão na CCJ, os debates sobre o PL giraram também em torno das disputas de competências entre delegados e juízes. Para alguns parlamentares, o foco do projeto estaria sendo desvirtuado para dar espaço a um jogo de forças entre as categorias.

“Não se trata de corporativismo, inclusive porque essa mudança vai dar mais trabalho para os delegados. Nós precisamos considerar que a delegacia é a primeira porta e o primeiro apoio que as vítimas recebem, e nós nos sentimos impotentes nesse auxílio por não temos legitimidade para aplicar as medidas protetivas de imediato”, disse a presidenta da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP), Marilda Pinheiro.

Do outro lado da polêmica, membros do Poder Judiciário argumentam que a concessão de poder aos delegados a respeito do distanciamento entre vítima e agressor fere a Constituição Federal.

“Isso tem a ver com o direito de ir e vir do cidadão, que é um princípio constitucional, então, somente um magistrado poderia arbitrar”, argumentou a juíza Madgeli Frantz Machado, do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid).

“Nós precisamos ter cuidado para não entrarmos nesse esquema de disputa política entre determinados segmentos profissionais. Não estamos aqui para defender o poder do delegado ou do juiz, e sim a agilidade do atendimento às vítimas”, destacou o senador Humberto Costa (PT-PE).

Ele defendeu inicialmente que o projeto ficasse em discussão por mais uma semana, mas disse temer o adiamento da votação. “Isso poderia fazer com que ele caísse num labirinto processual sem fim, como já ocorreu com outras propostas que mexem com prerrogativas de algumas categorias”, justificou.  

Trâmite

Mesmo sem produzir um consenso sobre o rito processual, o PL segue agora para votação no plenário da Casa, ainda sem data definida. Segundo informou o presidente da CCJ do Senado, José Maranhão (PMDB-PB), o plenário pode votar imediatamente ou encaminhar para apreciação da Comissão de Direitos Humanos, caso assim decida a maioria.

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