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Cinco alternativas ao vagão para mulheres

Segregação feminina é indesejável, por punir as vítimas. Para enfrentar concretamente o assédio no transporte coletivo, há outras saídas

A Assembléia Legislativa de São Paulo, como muitas de nós feministas havíamos previsto, aprovou o projeto de lei (PL) que institui um – um único – vagão exclusivo para mulheres nos trens da CPTM e no metrô. Se o governador Geraldo Alckmin não vetar o PL, essa prática será instituída na capital e nas demais cidades do estado que possuem transportes sobre trilhos. Já cansei minha beleza explicando porque conceitualmente essa medida é problemática se desejamos pensar um mundo em que haja igualdade de gênero. Mesmo se ela for temporária ou paliativa. Quem perdeu, pode ler O vagão das mulheres só anda para trás, ou Assédio: por que as explicações fáceis não satisfazem. Não desejo retomar esses argumentos: meu pensamento a respeito permanece o mesmo.

No entanto, há um terceiro aspecto da crítica ao vagão exclusivo que ainda me deixa bem insatisfeita nos debates via web, em mesas de bares ou eventos de movimentos sociais e partidos para discutir o assunto. A pergunta que não quer calar é: “ok, então em vez do vagão exclusivo, o que podemos fazer a curto e médio prazo, para lidar com esse problema tão latente”?

Nenhuma solução é mágica, claro, mas defendo que há pelo menos cinco ações mais eficazes do que os vagões exclusivos. Nenhuma delas vai acabar com a ocorrência desse tipo de problema – sinto informar, mas não existe nada a curto prazo que o faça, nem os vagões exclusivos. Meu ponto aqui é outro: por que limitarmos a liberdade das mulheres nos espaços públicos quando elas são as reais vítimas da situação? Ao menos enquanto não erradicamos a desigualdade de gênero, me parece mais produtivo pensar em maneiras de lidar com essas vítimas que ficam sempre desamparadas do que fingir que o assédio vai deixar de existir com os vagões exclusivos. Algumas ideias nesse sentido:

1) Fale com ela(s)

Falar sobre a experiência de assédio com mulheres que também passaram por isso é uma maneira eficaz de retomar o poder sobre nossos corpos. Ao guardar a experiência individual apenas na memória, não a elaboramos, e deixamos que ela se aposse de nós. Trocando experiências e histórias, percebemos coisas em comum, pontos divergentes, e começamos a compreender que o assédio não foi nossa culpa, que há uma prática mais disseminada e que não é nada pessoalmente errado conosco. Escutar outras mulheres e contar sua própria história é uma ferramenta poderosa para sair da posição vitimizada que ser assediada nos impõe.

Existem algumas ferramentas interessantes para isso. O mapa e aplicativo Chega de Fiu-Fiu, por exemplo, tem sido usado por várias mulheres para compartilhar histórias de assédio em espaços públicos. Ali você pode relatar seu caso ou ler outros casos já postados.

Talvez a melhor maneira, porém, seja criarmos grupos de apoio. Círculos de conversa entre mulheres que se pautem por esse tema: ser mulher na rua, no espaço público. O que vivemos cotidianamente sendo mulheres no espaço público? Como é a experiência de cada uma? Os casos de assédio são uma entre diversas barreiras que enfrentamos todos os dias simplesmente por sairmos de casa. Há muito o que ser conversado, e é possível eleger temas específicos para encontros regados a uma boa cerveja com amigas próximas, vizinhas, conhecidas.

2) Segurança feminina nos vagões

Outra medida possível e nem tão trabalhosa, a curtíssimo prazo, seria instituir segurança feminina nos vagões (ou a cada x vagões). Essas agentes atuariam dando apoio imediato a mulheres que as procurassem ainda dentro dos trens, mas sua presença também pode funcionar intimidando a ocorrência de assédio. Há muitas maneiras possíveis de se pensar nesse tipo de segurança feminina. Essas agentes seriam responsáveis por por atendimento às mulheres, e não operariam como seguranças de patrimônio ou ou seguranças regulares do metrô.

3) Atendimento qualificado às vítimas

Um dos problemas mais graves do assédio é o desamparo a que são relegadas as vítimas. Num país que fetichiza a cadeia e a “punição” (Ler Cadeia, o fetiche social do Brasil), como se essas medidas resolvessem a ocorrência de crimes e problemas pelo exemplo, a primeira reação das pessoas é concentrar energia em ir atrás do assediador. Nisso, as vítimas são abandonadas. É como se a pessoa que causa o trauma fosse um problema social, coletivo, mas a pessoa que sofre o trauma fosse condenada permanentemente a lidar com ele em sua individualidade. Sempre que se trata de questões ligadas às mulheres é assim que funciona: os casos de aborto legal e da portaria 415 (Ler A nova tramoia das bancadas fundamentalistas), gravidezes indesejadas, entre outros, reproduzem o mesmo esquema de pensamento.

Que tal se, desta vez, oferecêssemos apoio real, duradouro e imediato às vítimas?

Além dos grupos de apoio que podem funcionar num nível privado, é preciso haver estrutura de apoio em toda e cada estação do metrô e da CPTM. Essa estrutura pode compreender médicas, psicólogas, assistentes sociais e outras profissionais – mulheres – treinadas para lidar com a questão. Além disso, é preciso que os cuidados com a vítima extrapolem o momento em que ela sofre o assédio. Isso por ser elaborado por meio de parcerias com ONGs e outras instituições sem fins lucrativos, mas idealmente seria um sistema de cuidados integrado ao SUS. Já há uma série de estruturas e equipes capazes de lidar com isso de maneira competente e me parece que elas devam ser aproveitadas.

4) Atendimento legal e jurídico

Além do apoio médico, psicológico e social, é importante que toda estação de metrô tenha também oferta de apoio legal e jurídico. Isso por ser feito com postos avançados de delegacias da mulher, por exemplo. Com o registro imediato e desburocratizado das ocorrências de assédio, a vítima se sente mais amparada e tornamos possível construir estatísticas mais confiáveis sobre a questão. O aconselhamento legal também poderia ser feito em postos desse tipo, tão logo a vítima deseje recebê-lo.

5) Conversa de homem para homem

Parece um pouco bobo, aos meus olhos, ignorar que há um lado da história que precisa ser trabalhado com certa urgência: os homens. A prática de qualquer tipo de assédio está ligada a uma ideia de masculinidade que cada vez mais é colocada em xeque (ainda bem! e viva o feminismo!). Muitos homens já questionam essa espécie de exigência de gênero mas ainda têm receio ou dificuldades para enfrentá-la quando ela se coloca no dia-a-dia. Como homem, questionar e repreender outros homens por esse tipo de prática é uma grande contribuição com a luta pela liberdade das mulheres. Notem, porém, que isso não significa linchamento público, violência física, nem nada parecido. Apenas conversar com os homens ao seu redor sobre o assunto já é um começo. O assédio não pode ser tratado como um problema distante, das mulheres (“do outro”), se metade dos teus amigos são algozes desse tipo horrível de trauma causado a tantas de nós. É uma questão que está mais próxima do que você imagina, provavelmente ao seu alcance em algum momento. Basta estar atento.

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