”Boa tarde, Osasco. Estamos aqui para dizer que se a mídia não mostra porque estamos em marcha desde o dia 8, viemos falar para vocês que o feminismo é a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres”.
Foi assim que as cerca de três mil manifestantes anunciaram a chegada ao centro do município da grande São Paulo, no início da tarde desta quinta-feira (18). A cidade foi a última pela qual passou a 3ª Ação Internacional da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), antes de terminar na praça Charles Miller, diante do estádio do Pacaembu, com um grande ato político.
Por dez dias, companheiras de diversas etnias e de todos os estados do País percorreram mais de 100 km no Estado paulista passando por Campinas, Valinhos, Vinhedo, Louveira, Jundiaí, Várzea Paulista, Cajamar, Jordanésia e Perus.
Com o tema “Seguiremos em marcha até que sejamos todas livres”, a mobilização construída por entidades como a CUT, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), celebrou os 10 anos da Marcha e debateu os eixos que compõem a ação: autonomia econômica das mulheres, o acesso a bens comuns e serviços públicos, a paz e a desmilitarização e o fim da violência contra as mulheres.
*Por que não vai pilotar fogão?*
Um sol forte recebeu a imensa onda lilás organizada em duas gigantescas filas indianas. Pelas vias principais de Osasco, elas entregavam panfletos explicando a origem e a motivação da passeata e tratavam de cada bandeira de luta. “O machismo é a causa da violência contra nós. Queremos políticas públicas para coibir essa prática e o fim da impunidade”, afirmou Sônia Coelho, militante da MMM, que em sua intervenção também defendeu a legalização da prática do aborto “como último recurso daquela mulher que não pode ou não deseja ter um filho em determinado momento da vida.”
Munidas de bandeiras, cartazes, cabos de vassoura transformados em baquetas e latas e tambores fazendo as vezes de instrumentos musicais, elas encerraram a primeira parte do trajeto na estação Comandante Sampaio, rumo à Barra Funda, de onde partiriam para o Pacaembu.
Uma composição exclusivamente destinada às marchantes aguardava enquanto passavam pelas catracas. Antes de prosseguir a viagem, a maquinista Andréia Melo contou o preconceito que enfrenta quase que diariamente no exercício da profissão. “Já ouvi diversas vezes passageiros dizendo “por que não vai pilotar fogão?”, ainda mais quando há atraso, isso quando não falam “tinha que ser mulher” ao ver que sou eu a maquinista”, explica ela, responsável por transportar uma média de 10 mil pessoas diariamente.
Por volta das 16h30, as manifestantes, separadas por estados nos vagões, partiram rumo à última parada.
*Sem comida não há revolução*
Pouco antes das 17h, de mãos dadas elas subiram as escadas da estação Barra Funda. Nesse trecho, companheiras que não puderam fazer parte da caminhada se uniram à batalha e outras ganharam visibilidade.
A chegada à praça Charles Miller foi emocionante. Muitas se abraçavam e a sempre citada comissão de cozinha pode cantar o grito de guerra: “comida é o coração, sem comida não há revolução”.
Direto do Rio Grande do Norte, a assistente social Cláudia Lopes coordenou uma equipe de voluntárias composta por 80 mulheres fixas e outras 20 que se revezavam na preparação dos alimentos. A cada café da manhã, almoço e jantar, a correria era imensa para preparar duas mil refeições. “Volto para casa com a sensação de tarefa cumprida”, comentou.
Os números da manifestação deixam clara a grandiosidade da passeata: além das 100 mulheres que cozinharam, outras 200 cuidaram da limpeza, inclusive nos alojamentos, e mais 60 eram responsáveis por oferecer todo o suporte necessário. Foram consumidas cinco toneladas e meia de legumes, seis toneladas de carne, duas toneladas de arroz, uma tonelada de feijão e 200 quilos de farinha de mandioca. Na estrada, foram 50 mil copos de água e no alojamento, 200 mil litros.
*A luta agora é na base*
Nos discursos em cima do carro de som, as lideranças apontavam que a próxima missão será difundir tudo que aprenderam nos locais onde viviam.
“O ideal de que seguiremos em marcha até todas sejamos livres deve virar realidade em nossas vidas e reverberar nos espaços onde vivemos”, lembrou Bernadete Monteiro, da executiva nacional da Marcha Mundial de Mulheres.
“Nossos temas não são das mulheres apenas, mas de todos que querem construir uma sociedade livre e com justiça social”, disse Etelvina Maccioli, representando o MST e a Via Campesina.
Em nome das indígenas das tribos Macuxi, Cariri, Pataxó Hãhãhãe, Tupinambá e Baré, presentes na marcha, Iranilde ‘Olga’ Barbosa, destacou a importância da jornada no embate diário. “São nas nossas bases, onde somos violentas e onde a população indígena vê seus direitos serem desrespeitados, que o combate recomeça. Em 2005, quando participei da 2ª ação internacional, conseguimos fortalecer a luta e espero que o mesmo aconteça agora.”
Enquanto não houver igualdade, a marcha continua
Secretária de Meio Ambiente da CUT e também representante da Contag, Carmen Foro, ressaltou que o movimento feminista sai fortalecido. “Deixamos nossas casas e nossos afazeres porque acreditamos que podemos mudar o mundo. Vamos seguir em marcha até que tenhamos o fim da violência, a reforma agrária para fortalecer a agricultura familiar, a divisão sexual do trabalho, salário justo e para que todas tenham direito a decidir sobre o próprio corpo. Cada uma de nós voltará para o lugar onde vive e construirá um feminismo mais forte.”
A Secretária da Mulher Trabalhadora, Rosane Silva, afirmou que a mudança exige unidade. “Nesses 10 dias mostramos que somos capazes não apenas de organizar as mulheres, mas também a classe trabalhadora e promover a transformação do mundo para um modelo feminista e socialista. Porém, sozinhas não vamos chegar a lutar algum e por isso a CUT compõe desde o início a Marcha Mundial de Mulheres. Acreditamos em um outro modelo de desenvolvimento mais justo, solidário e igualitário.”
A seguir, a Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-SP, Sônia Auxiliadora, lembrou da relação dos movimentos sociais com o poder público paulista. “Foi muito importante a luta ter passado pelas cidades de um Estado marcado pelo neoliberalismo, pelo capitalismo e pela falta de diálogo. Vivemos numa sociedade muito diversificada e ao mesmo tempo, extremamente desigual. Por isso, a CUT tem lutado para que o lugar da mulher não seja atrás de um fogão, mas sim na política e no movimento sindical.”
Coordenadora nacional da MMM, Nalu Farias, mostrou a satisfação com a comemoração no ano do centenário da declaração do Dia Internacional da Mulher. “Estamos muito orgulhosas porque celebramos de forma digna os 100 anos do 8 de março e resgatamos o passado de nossas antepassadas socialistas. Nos 10 anos da marcha, quisemos construir um campo de movimento das mulheres onde coubessem todas e consolidamos esse desejo, além de exercer uma visão crítica ao modelo opressor do racismo, do patriarcado, do machismo, da homofobia, da lesbofobia e do desrespeito ao meio ambiente”, afirmou.
Por fim, da mesma forma que Rosane, ela também enalteceu a necessidade de aproximar todos os defensores da liberdade no mundo. “Neste 18 de março, mais 50 países estão encerrando esse movimento internacional e uma de nossas bandeiras é a defesa da soberania dos povos. A verdadeira integração regional entre Caribe e a América Latina só acontecerá quando houver a soberania da mulher. Enquanto existir uma única oprimida, violentada ou explorada, seguiremos em marcha.”