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Com pedido para se festejar golpe, Bolsonaro leva mais problemas ao governo

Presidente teria cometido crime de responsabilidade? Opinião sobre questão jurídica não é unânime. Para cientista política, episódio não é suficiente para desencadear processo de impeachment, ainda

O presidente da República produziu uma nova polêmica ao recomendar comemorações ao golpe militar de 1964, o que provocou forte reação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF). Politicamente, Jair Bolsonaro “trouxe mais um elemento contrário a ele mesmo no cenário, ao defender essa comemoração”, avalia Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos. Inclusive porque uma parcela dos militares é contra essa comemoração.

Embates políticos à parte, Bolsonaro teria incorrido em crime de responsabilidade, e, portanto, seu mandato poderia ser passível de um processo de impeachment? Juridicamente, a resposta é não, segundo a avaliação mais aceita. O próprio MPF expõe seu entendimento ao dizer que, “se repetida nos tempos atuais, a conduta (…) seria, também, crime de responsabilidade”. Ou seja, Bolsonaro teria que apoiar um golpe ou tentativa de golpe militar hoje, para ser objeto de um processo de impeachment.

Para o jurista e professor de direito constitucional Pedro Serrano, “é obviamente inconstitucional” comemorar a data do golpe militar, mas isso não caracteriza um crime de responsabilidade. “O espírito da Constituição de 88 foi o de criar uma semente antiditadura. Como foram as Constituições do pós-guerra na Europa, que tentaram evitar a volta do nazismo e do fascismo.”

Segundo o artigo 85 da Constituição, são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República “que atentem contra a Constituição Federal (CF)”. “Ao meu ver, comemorar a data não caracteriza crime de responsabilidade porque não basta haver inconstitucionalidade para haver impeachment. A Constituição usa a expressão segundo a qual o impeachment deve se traduzir num ‘atentado’ à CF. Ele promover atividades de comemoração no interior do Estado configura um atentado à moralidade democrática, aos valores morais próprios da democracia e, sendo assim, pode ser objeto de ação de improbidade”, diz Serrano.

Ministério Público pede que comandos militares não comemorem golpe de 1964
Já para o jurista e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, Bolsonaro incorre em crime de responsabilidade, já que a Lei 1.079/1950 (que regula a matéria) determina que, entre outros, são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a probidade na administração.

“Mandar festejar uma ditadura que matou e torturou é muito grave para um presidente da República, que tem obrigação de mostrar lealdade à Constituição, porque quando toma posse ele se compromete a preservar o Estado Democrático de Direito”, avalia Aragão. “Imagina se na Alemanha um chanceler mandasse festejar o dia 30 de janeiro, em memória à posse de Adolf Hitler? Ele já estaria fora.”

A questão é que num processo de impeachment, como ficou demonstrado no caso da ex-presidenta Dilma Rousseff, os fatores políticos podem pesar tanto ou mais do que os aspectos jurídicos.

No Congresso
Apesar dos conflitos entre membros do governo e o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), e da fragilidade da articulação política do governo Bolsonaro no Congresso Nacional, Maria do Socorro não vê a possibilidade de tal processo ser instaurado contra o presidente, pelo menos no momento.

“Para mim não é esse novo episódio sobre a comemoração do golpe de 64 que vai levar ao impeachment. O (Rodrigo) Maia já disse que não vai dar esse passo. Por mais que tenha a briga entre os poderes, não parece que será pelo impeachment que vai se resolver esse conflito entre Executivo, Legislativo e Judiciário”, diz a professora da Ufscar.

Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, que teria autoridade para encaminhar e fazer prosperar um pedido de impeachment, teria dito ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que “não dará andamento a pedidos de impeachment”, segundo a Folha de S. Paulo.

“Porém, essa fala de Maia mostra que a questão do impeachment está sendo ventilada. Mesmo assim, penso que é muito cedo, a não ser que venha de um grupo muito forte da Câmara”, acrescenta a professora.

Entretanto, pondera, há uma insatisfação muito grande em relação à dificuldade de Bolsonaro em entender como funciona o presidencialismo de coalizão no país. Como é um processo político, uma desaprovação popular muito grande do presidente pode desencadear o “descontentamento” dos parlamentares.

A avaliação positiva do governo caiu 15 pontos percentuais desde o começo do mandato. “André Singer escreveu um artigo mostrando que setores de 2 a 5 salários mínimos de renda familiar mensal começam a abandonar o barco de Bolsonaro”, observa a cientista política.

Por enquanto, na opinião de Eugênio Aragão, o presidente ainda tem cacife para se sustentar. “Ele ainda tem um capital político, mas esse capital está fugindo das suas mãos muito rapidamente. Ele que se cuide”, alerta o ex-ministro.

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