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Cota para mulheres na reforma política pode ampliar alcance de direitos humanos

São Paulo – A cota de 30% de participação da mulher no Legislativo ganha importância no âmbito da reforma política, a ser votada nesta semana pelo plenário da Câmara. E pode ser ponto de partida, com apelo social e cultural, para fazer os direitos humanos avançarem e se reveja o papel da mulher na sociedade. “A cota é fundamental porque ela altera as relações e faz com que você tenha de pensar a política de outro jeito”, afirma a historiadora Sarah de Roure, integrante da Marcha Mundial das Mulheres.

Mas para que isso aconteça a reforma precisa garantir que a mulher tenha assento no parlamento de fato, e não como hoje, em que a legislação eleitoral prevê sua participação nas inscrições das chapas de candidatos, exigência que os partidos conseguem driblar. “Isso não é respeitado pelos partidos e, além disso, eles inscrevem o número mínimo de mulheres para ter acesso ao fundo partidário, e aí o dinheiro é liberado, mas não é distribuído de forma a beneficiar as candidaturas femininas. As campanhas das mulheres são menos financiadas e existe menos incentivo às figuras públicas femininas na dinâmica dos partidos e dos movimentos”, diz Sarah.

O resultado da situação atual é que as mulheres acabam tendo menos de 10% das cadeiras do Câmara e 15% no Senado, embora sejam maioria na população (52%). Mas a preocupação em fazer os direitos humanos avançarem com a reforma política parece não ser o centro das preocupações da maior parte dos parlamentares que, segundo o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), querem na verdade uma contrarreforma, “que já não tem nenhum vínculo com o sentimento da sociedade e não dá atenção à sua mobilização, pretende apenas mais do mesmo: manter privatizado o sistema político brasileiro e assegurar que os indivíduos, agrupados em torno de poderosos interesses, valham mais do que os partidos”.

 

A crítica do deputado refere-se ao relatório da comissão especial da reforma, que em seus dois pontos essenciais preveem a constitucionalização do financiamento de campanha por empresas e sistema eleitoral pelo ‘distritão’, processo majoritário que, segundo as forças progressistas, enfraquece partidos e propostas de governo, e foca a eleição no personalismo.

Por conta desse distanciamento, as pressões sobre a Casa prosseguem nesta semana e uma grande mobilização deve ocorrer nesta terça-feira (26), quando a reforma pode começar a ser apreciada pelo plenário. Nas redes sociais e na internet, as manifestações estão organizadas segundo a hashtag #NãoàPECdaCorrupção.

Também amanhã, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara realiza seminário para debater a reforma da perspectiva dos direitos. O objetivo das entidades será defender propostas para que a reforma possa ter um caráter efetivo para a sociedade avançar na democracia, o que passa pelo fim do financiamento empresarial e pelo fortalecimento de partidos e de projetos nos pleitos.

Para consolidar os avanços dos direitos na questão de gênero no país, segundo Sarah, seria preciso ir bastante além da reforma política e rever o papel do Estado. “A pouca presença da mulher nos espaços públicos é uma expressão da dinâmica de organização do Estado e de como funciona o nosso sistema eleitoral. Há também o problema para quem as políticas estão dirigidas, para quem o Estado está organizado”, afirma Sarah.

Ela dá como exemplo do processo de avanço que defende a questão da violência contra a mulher. “Tiramos esse assunto do universo do privado para que se tornasse um assunto público. A violência contra a mulher não é questão de crime passional, não é um problema de ciúmes, é um problema político. E quando isso foi reconhecido tivemos a Lei Maria da Penha”, lembra.

Sarah espera que a mesma coisa aconteça com a representação parlamentar da mulher. “A disputa das mulheres, frente ao problema do Estado, é ampliar as fronteiras do Estado.” Se isso acontecer, segundo ela, a sociedade poderá debater sobre o trabalho doméstico de cuidados, em geral, levado pelas mulheres. “Tem um volume enorme de trabalho feito pela mulher em casa, mais que o homem, que não é socialmente reconhecido e sobre o qual o Estado não acha que precisa de políticas públicas”, diz. Reconhecer essa situação, e combater a divisão sexual do trabalho seria, para Sarah, um caminho para buscar equilíbrio de gênero efetivamente.

 

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