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CUT elabora documento sobre a história de luta do Haiti

Aproveitando-se do caos provocado pelo terremoto que devastou o Haiti no dia 12 de janeiro, ceifando mais de 200 mil vidas, o governo dos Estados Unidos enviou ao país novo contingente com 10 mil soldados em frota comandada por porta-aviões nuclear.

Após ocuparem o aeroporto da capital, Porto Príncipe, epicentro da tragédia que concentrou energia equivalente a 25 bombas atômicas em um único minuto, as tropas impediram o desembarque de médicos, equipes de resgate, hospitais de campanha, remédios e alimentos, que tiveram de ser desviados para a República Dominicana, parte direita da ilha Hispaniola, informou a Cruz Vermelha Internacional. Conforme alertou o Programa de Alimentos da ONU, em meio à necessidade do socorro imediato, inúmeros produtos também não conseguiram chegar a tempo, pois a maioria dos voos foram utilizados para os militares dos EUA. Enquanto isso, agonizavam os 250 mil feridos, os mais de 4 mil mutilados físicos, os 1,5 milhão de novos desabrigados…

O número de militares ianques – 17 mil – já supera em dois mil o de toda a força de paz da ONU, constituída por 36 nacionalidades, e expõe práticas imperialistas que têm sido a regra contra a democracia e a soberania.

Enquanto não param de chover tropas de ocupação, conforme o Robert F. Kennedy Memorial Center, “a água é a principal causa de mortalidade infantil e doenças nas crianças. O Haiti agora tem a mais alta taxa de mortalidade infantil do Hemisfério Ocidental. Mais da metade de todas as mortes no Haiti foram devidas a doenças gastro-intestinais transmitidas através da água”.

Diante de dados tão eloquentes, a Central Única dos Trabalhadores reafirma: “O que o Haiti precisa é de médicos, enfermeiros, engenheiros e não de tropas de ocupação, seja dos EUA, seja da ONU”. “A situação atual no Haiti não é uma fatalidade, é fruto histórico da superexploração e pilhagem das grandes potências, como a França e os EUA, do país que se constituiu na primeira nação negra independente do mundo em 1804”, enfatiza o documento.

A magnitude da tragédia em um país de nove milhões de habitantes, denuncia a CUT, “é resultado das carências e precárias condições de infraestrutura e das habitações, em uma situação em que o desemprego atingia mais de 60% dos trabalhadores/as e os salários são de miséria, enquanto o governo do Haiti pagava mensalmente milhões de dólares de dívida externa”. “O fato de não haver hospitais, nem meios de transporte, nem serviços públicos organizados, não é um fenômeno ‘natural’, é o resultado de uma política aplicada anos a fio sob a disciplina do FMI e em benefício das grandes potências que apoiaram a ditadura Duvalier até 1981 e depois o golpe de Estado que tirou do poder o presidente Aristide em 2004”, sublinha o documento da Executiva Nacional.

Agora, para colocar ordem na casa, a secretária de Estado Hillary Clinton apareceu em Porto Príncipe para sugerir mais poder ao presidente Préval, como o de decretar toque de recolher: “um decreto assim lhe daria uma autoridade enorme, que seria delegada aos EUA”. O governo Obama vê o Haiti da mesma forma que seus antecessores, como quintal, que rapidamente pode ser transformado em cemitério, como o fizeram durante a sustentação das sanguinárias ditaduras de François Duvalier, o Papa Doc, e de seu filho Baby Doc, que produziram entre 30 a 60 mil cadáveres de oposicionistas com os tristemente célebres Tonton Macoutes, os esquadrões da morte do regime.

Conhecer a história desta que foi a nação mais rica do Hemisfério Norte, como descreveu Voltaire no século 18, por seu ouro negro, por seus escravos, é refletir sobre a nossa própria trajetória, é denunciar o acosso do poder econômico e militar dos EUA e de outros desde a sua independência.

Com o objetivo de que ganhe vida nas salas de aula, o texto a seguir é uma compilação da rica e intensa história do povo haitiano pela liberdade, trazendo contribuições imprescindíveis de estudos e artigos já publicados por Carlos Lopes, Eduardo Galeano e Saul Leblon na Revista do Brasil, no jornal Hora do Povo e na Agência Carta Maior.

A CUT conclama os sindicatos filiados, ramos e CUTs estaduais a divulgarem o mais amplamente o artigo abaixo e a contribuir com depósitos no Banco do Brasil, Agência 3324-3 conta corrente 956251-6 (SOS Sindical Haiti), encarregando-se a CUT nacional de fazer chegar às organizações sindicais com as quais mantém relação os donativos.

Propomos também a organização de brigadas de trabalhadores cutistas para ajudar na reconstrução do Haiti, em especial do movimento sindical haitiano. A CUT, além de assumir sua responsabilidade na ajuda direta ao movimento sindical haitiano, se declara disposta a participar de iniciativas unitárias, com outras centrais e movimentos populares para reforçar a solidariedade aos trabalhadores e ao povo do Haiti neste momento difícil.

*Confira abaixo o documento*

*Um terremoto de duzentos anos*

“Para os 9 milhões de haitianos, a história tem sido uma sucessão de terremotos sociais que sedimentaram nessa ilha do Caribe a maior taxa de pobreza da América e uma das piores do planeta, 70% da população está abaixo da linha da pobreza e 52% são analfabetos. No Haiti, antes do terremoto, já existiam 3,8 milhões de crianças subnutridas”. Saul Leblon

“De 1825 a 1947, a França forçou o Haiti a pagar uma taxa anual para reembolsar os lucros perdidos pelos senhores de escravos franceses, causados pelo bem-sucedido levante de escravos. Ao invés de escravizar haitianos individualmente, a França considerou mais eficiente simplesmente escravizar a nação inteira”. Greg Palast

“Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros”. Eduardo Galeano

“O que Papa e Baby Doc não dizimaram, o FMI deu cabo através dos seus planos de ‘austeridade’. Um plano de austeridade é uma forma de vodu orquestrada por economistas-zumbis crentes na irracionalidade de que o corte dos serviços públicos de algum modo ajudará uma nação a prosperar”. Greg Palast

“O Haiti não é um país pobre, é um país empobrecido”. Henry Boisrolin

O professor de Direito da Loyola University New Orleans, William Quigley, lembra que se o terremoto de 12 de janeiro de 2010 foi trágico, infelizmente mantém a mesma irracionalidade de uma lógica que perdura há mais de dois séculos. Mais precisamente desde 1804, quando o país decidiu ser independente.

Quigley recorda que “há mais de 200 anos os EUA têm se esforçado para quebrar o Haiti” e que, por uma questão de justiça, é necessário que sejam feitas reparações. “Os EUA devem Bilhões – com B maiúsculo – ao Haiti. Os EUA usaram o Haiti como uma ‘plantation’. Os EUA ajudaram a sangrar o país economicamente desde que ele se libertou, repetidamente invadiram o país, apoiaram ditadores que abusaram das pessoas, usaram o país como alvo de dumping para nossa própria vantagem econômica, arruinaram suas estradas e agricultura, e derrubaram as autoridades eleitas pelo povo. Os EUA até usaram o Haiti como os velhos latifundiários das ‘plantations’ (isto é, os senhores de escravos), baixando ali para diversão sexual.”

“Em 1804, quando o Haiti conquistou sua liberdade da França, na primeira revolução de escravos bem sucedida no mundo, os Estados Unidos recusaram-se a reconhecer o país. Os EUA continuaram se recusando a reconhecer o Haiti por mais 60 anos. Por quê? Porque os EUA continuavam a escravizar milhões de seus próprios cidadãos e temiam que, se reconhecessem o Haiti, encorajariam a revolução dos escravos nos EUA.

“Depois da revolução de 1804, o Haiti foi alvo, pela França e pelos EUA, de um mutilante embargo econômico. As sanções americanas duraram até 1863. A França, enfim, usou seu poder militar para forçar o Haiti a pagar indenizações pelos escravos libertados. As indenizações foram de 150 milhões de francos. (A França vendeu todo o território da Louisiana aos EUA por 80 milhões de francos!).

“O Haiti foi forçado a tomar dinheiro emprestado nos bancos da França e dos EUA para pagar indenizações à França. Um grande empréstimo aos EUA foi feito em 1947 para quitar a dívida com os franceses. Qual o valor atual do dinheiro que o Haiti foi forçado a pagar aos bancos franceses e dos EUA? Mais de 20 Bilhões – com B maiúsculo – de dólares.

“Os EUA ocuparam e governaram o Haiti pela força de 1915 a 1934. O presidente Woodrow Wilson enviou tropas para invadi-lo em 1915. As revoltas dos haitianos foram esmagadas pelos militares americanos – que mataram, somente em um confronto, mais de dois mil haitianos. Nos dezenove anos seguintes, os EUA controlaram as alfândegas do Haiti, cobraram impostos e mandaram em muitas das instituições governamentais. Quantos bilhões foram sugados pelos EUA durante esses 19 anos?

“De 1957 a 1986, o Haiti foi forçado a viver sob os ditadores sustentados pelos EUA, ‘Papa Doc’ e ‘Baby Doc’ Duvalier. Os EUA apoiaram econômica e militarmente esses ditadores porque eles faziam o que os EUA queriam e eram politicamente ‘anticomunistas’ – o que agora se traduz como contra os direitos humanos de seu povo. Duvalier roubou milhões do Haiti e contraiu uma dívida de centenas de milhões, que o Haiti ainda deve… As estimativas são de que o Haiti deve US$ 1,3 bilhão de dívida externa e que 40% dessa dívida foi contraída pelos Duvaliers, sustentados pelos EUA.

“Trinta anos atrás, o Haiti não importava arroz. Hoje, o Haiti importa quase todo o seu arroz. Ainda que o Haiti tenha sido a florescente capital do açúcar do Caribe, agora também importa açúcar. Por quê? Os EUA e as instituições financeiras mundiais dominadas pelos EUA – o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – forçaram o Haiti a abrir os seus mercados para o mundo. Então, os EUA promoveram o dumping no Haiti com milhões de toneladas de arroz e açúcar americano a preço subsidiado – destruindo os agricultores e levando à ruína a agricultura haitiana. Ao arruinar a agricultura haitiana, os EUA forçaram o Haiti a tornar-se o terceiro maior mercado mundial do arroz americano. Bom para os fazendeiros americanos, mau para o Haiti.

“Em 2002, os EUA bloquearam centenas de milhões de dólares em empréstimos ao Haiti que seriam utilizados, entre outros projetos públicos como educação, para estradas. São essas as mesmas estradas que agora as equipes de socorro têm tido tanta dificuldade de percorrer!

“Em 2004, os EUA outra vez destruíram a democracia no Haiti, quando apoiaram o golpe contra o presidente Aristide, eleito pelo Haiti” (Bill Quigley, “Why the US Owes Haiti Billions: The Briefest History”, Countercurrents, 17/01/2010).

Embora tropas da ONU estejam no país já quatro anos, o presidente deposto Jean Bertrand Aristide continua exilado e impossibilitado pelo governo norte-americano de regressar ao país. Muitas dos seus apoiadores, lideranças populares, foram torturados, mortos ou simplesmente “desaparecidos”.

Como é sabido, esclarece Carlos Lopes, após a sua primeira deposição, em 1991, e sua volta ao Haiti, em 1994, Aristide cedeu em parte às pressões econômicas norte-americanas. Mas, na medida em que tornou-se patente o desastre, recusou-se a prosseguir no que percebia como a devastação de seu país – e de seu povo.

O cineasta norte-americano Kevin Pina, em seu artigo “The people do not buy liberty and democracy at the market” (“O povo não compra liberdade e democracia no mercado” – a frase é do presidente Jean-Bertrand Aristide), cita que não há dúvida de “que o movimento político Lavalas (o partido de Aristide) opunha-se ao modelo econômico neoliberal que está se desenrolando atualmente no Haiti. A insistência do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento em ajustes estruturais que incluíam a eliminação das tarifas de importação e exportação, a liquidação de empreendimentos e empresas estatais, um salário mínimo baixo e uma confiança obsessiva no setor privado como o motor do desenvolvimento econômico foi chamado ‘o plano da morte’.”

Pina ressalta ainda que “o principal obstáculo ao plano das instituições financeiras internacionais para o Haiti era a própria democracia, na forma do movimento Lavalas, que representava os interesses da maioria dos pobres, e o presidente que eles elegeram duas vezes, Jean-Bertrand Aristide. O governo recusou a privatização de empresas-chave, como a Companhia Telefônica (Teleco) e a companhia de eletricidade (EDH), e enquanto as instituições financeiras internacionais também insistiam para que os programas sociais fossem cortados, o partido Fanmi Lavalas usava os lucros desses empreendimentos estatais para investir em um programa de alfabetização universal e fornecer milhões de refeições subsidiadas aos pobres. Pela primeira vez na história, o Haiti teve uma rede de seguridade que protegia contra a fome e a subnutrição generalizadas. Passando por cima das objeções das instituições financeiras internacionais e da elite econômica predatória do Haiti, a força de trabalho com pagamento mais baixo do hemisfério teve o salário mínimo duplicado duas vezes, no primeiro e no segundo mandato de Aristide. Não por coincidência, ambos os mandatos foram interrompidos por um golpe”.

A aprovação, debaixo da pressão das multinacionais, do salário-mínimo de US$ 3,75 por dia, na avaliação de Pina, foi “o ato final de retorno oficial do Haiti ao neoliberalismo”. A rigor, assegura Carlos Lopes, esse salário passou a ser o máximo, e não o mínimo, para os trabalhadores haitianos. O motivo é que o salário por peça foi deixado à solta – logo, ninguém consegue ganhar nem mesmo o salário mínimo, pois as empresas o burlam através desse pagamento por peça. No primeiro mandato de Aristide, no mesmo decreto em que aumentou o salário mínimo em 140%, o presidente determinou que o salário por peça teria que corresponder, pelo menos, ao salário mínimo. Ou seja, tinha feito com que o mínimo fosse realmente o mínimo.

Como alertou o jurista norte-americano William P. Quigley, defensor das vítimas do Katrina contra o governo Bush, “as corporações dos EUA têm, por anos, com a elite haitiana, dirigido estabelecimentos de escravização com dezenas de milhares de haitianos ganhando menos do que US$ 2 por dia”.

A situação grotesca dos locais de trabalho é descrita por Eric Verhoogen, professor de economia da Columbia University, de Nova Iorque: “A fábrica é quente, vagamente iluminada, superlotada de gente. O ar é pesado pela poeira e pela lanugem que solta dos tecidos. Não há nenhuma ventilação de que se possa falar. Pilhas de sobras de pijamas, vestidos, saias, entopem cada corredor e cada canto. Os trabalhadores têm caras tristes, cansadas. Eles curvam-se por cima de máquinas de costura antiquadas, algumas com mais de 20 anos, costurando vestidos ‘Kelly Reed’ para serem vendidos na Kmart, e outros produtos para lojas dos Estados Unidos. Vários trabalhadores informaram que tinham trabalhado sete domingos seguidos – em outras palavras, mais de 50 dias diretos, sem um dia de folga, mais de 70 horas por semana – durante a estação mais quente do ano. Perguntado se este horário criou problemas para os empregados ou a fábrica no conjunto, o gerente, Raymond DuPoux, disse que ‘eu é que tenho problemas, porque não posso ir à praia. Portanto, tenho problemas com minha esposa’ ”. (“The U.S./Haiti Connection – Rich Companies, Poor Workers”).

Eric Verhoogen cita algumas destas empresas:

– Seamfast Manufacturing – produz vestidos para as redes norte-americanas Kmart e J.C. Penney.

– Chancerelles S.A. – subsidiária da Fine Form, de Nova Iorque, produz sutiãs e cuecas para a Elsie Undergarments, da Flórida.

– National Sewing Contractors – produz pijamas para a Disney e roupas de meninas para a Popsicle Playwear, de Nova Iorque.

– Excel Apparel Exports – produz roupas íntimas femininas para a Hanes, divisão da Sara Lee Corp., vendidas pelo Wal-Mart e pela rede Dillard Department Stores, com sede em Little Rock, Arkansas. Observação de Verhoogen: “Antes do presidente Aristide aumentar o salário mínimo, a cota diária de um trabalhador desta empresa era 360 peças por dia. Agora (depois da deposição do presidente), a cota passou para 840 peças por dia. Os trabalhadores não têm o direito de reclamar do ritmo de trabalho; eles não têm nem mesmo o direito de falar um com o outro”.

– Alpha Sewing – produz luvas para a Ansell Edmont of Coshocton, Ohio, filial da Ansell International of Lilburn, Geórgia.

Kevin Pina retrata a dura e crua realidade após o golpe de 2004: “Em todas as partes o movimento Lavalas e os pobres continuaram a manifestar-se contra o golpe, exigindo justiça e que fosse permitido a Aristide voltar ao Haiti. Seus líderes desapareceram, como Lovinsky Pierre-Antoine, no dia 12 de agosto de 2007, ou apodrecem na prisão, como Ronald Dauphin, ou sucumbiram às torturas, como o padre Gerard Jean-Juste no dia 27 de Maio de 2009”. Um dos documentários de Pina, relata Carlos Lopes, é sobre o funeral do padre Gerard Jean-Juste, onde milhares de pessoas compareceram e enfrentaram uma chuva de balas.

Como sustenta a CUT, para o pleno restabelecimento da democracia e da soberania, “o que o Haiti precisa é de médicos, enfermeiros, engenheiros e não de tropas de ocupação, seja dos EUA, seja da ONU”.

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