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Debate sobre parto humanizado é marcado por críticas ao alto número de cesarianas

A humanização do parto foi tema de audiência pública conjunta realizada nesta terça-feira (27) pelas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Assuntos Sociais (CAS). Desatenção, agressões físicas e emocionais na hora do parto e a preferência dos obstetras por cesarianas são citados como exemplos da chamada violência obstétrica em hospitais públicos e privados.

A ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, lamentou o alto índice de cesarianas, que chega a 40% no Sistema Único de Saúde (SUS) e a 84% nos hospitais privados, contra um índice de 15% referido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo ela, o número mais elevado na rede privada revela um “viés econômico”, devido ao custo mais alto do parto cirúrgico.

Para Ideli, o problema decorre ainda de comodismo, pois marcar cesárea dispensa o profissional de ficar de plantão à espera da hora certa: a cirurgia pode ser feita fora dos finais de semana, feriados ou qualquer data inconveniente para a equipe clínica. No entanto, observou que  a mulher termina induzida a fazer um procedimento mais arriscado, que só indicado para situações específicas.

– É algo invasivo, agressivo e que traz consequências para a mãe e criança – afirmou.

Ideli falou ainda sobre a lei que garante às mulheres o direito de contar com acompanhante na hora do parto, um projeto que ela apresentou quando senadora. A ministra reconheceu que a lei sancionada em 2005 ainda não vem sendo rigorosamente cumprida. Observou que muitos hospitais alegam falta de condições para assegurar a privacidade das demais parturientes. Para ela, no entanto, falta ainda sensibilizar os profissionais para a importância do acompanhamento.

– Muitas vezes a solução é fácil e barata, bastando um simples cortinado para garantir a privacidade – disse.

Saúde da Mulher

O debate foi sugerido pelas senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Ana Rita (PT-RS), que preside a CDH e dirigiu a audiência. A iniciativa foi motivada pela proximidade do Dia Internacional de Ação pela Saúde das Mulheres e do Dia Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Infantil, em 28 de maio. Vanessa destacou ainda denúncias de violência obstétrica recebidas durante o funcionamento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra as Mulheres, em 2012 e 2013.

A senadora destacou medidas que o Ministério da Saúde vem promovendo em favor do parto humanizado. Uma portaria recente agora determina que a equipe médica assegure contato imediato do recém-nascido com a mãe, sem que o bebê seja levado imediatamente para exames complementares, a menos que haja necessidade efetiva.

– As medidas visam beneficiar a saúde materna e infantil, com diretrizes que agradaram aos setores que defendem o parto humanizado e a amamentação – comentou.

Rede Cegonha

Dário Frederico Pasche, que representou o Ministério da Saúde, destacou que as medidas se enquadram dentro de programa mais amplo de atenção à saúde da mulher, o Rede Cegonha. Disse que as medidas são pactuadas com estados e municípios, para que as mulheres possam contar com orientação sobre direitos reprodutivos e o acompanhamento pré-natal, além do parto seguro.

A humanização do parto, ainda conforme Pasche, hoje é uma questão central para o Rede Cegonha e também um desafio, pois envolve mudar a organização e a cultura vigentes nas estruturas de saúde. Segundo ele, historicamente a cultura produzida pelo campo médico avançou para a “medicalização da vida”. Assim, a gestação, o parto e nascimento acabaram se transformando antes de tudo num “ato médico”.

– A humanidade criou o hospital para lidar com situações muito graves e severas, onde o cuidado intensivo e com a intervenção tecnológica se fazem absolutamente necessário. Mas fomentar que os hospitais façam cada vez mais atos que são da fisiologia é um contrasenso – afirmou.

Para que o sistema público possa avançar mais rapidamente, Pesche assinalou que uma das estratégias é favorecer o parto natural, em centros de natureza não-hospitalar, com acompanhamento de profissionais de enfermagem qualificados em obstetrícia. Segundo ele, o modelo é o sistema inglês, em que 85% dos partos são “absolutamente fisiológicos”.

Ainda de acordo com Pesche, em 30% dos partos feitos na Inglaterra não há mesmo qualquer tipo de intervenção da equipe que acompanha. As mulheres não recebem soro, não são submetidas a lavagem intestinal prévia nem ao procedimento chamado de episiotomia, o corte entre o ânus e a vagina para facilitar a saída do bebê, uma pratica que vem sendo feita de forma indiscriminada no país, segundo as denúncias.

Formação médica

Vera Soares, da Secretaria de Políticas para Mulheres, também apontou a necessidade de debater a formação dos médicos. Ela disse que esses profissionais saem das faculdades aptos a lidar com “tecnologias sofisticadas”, mas incapazes de entender e acompanhar uma mulher que faz a opção por ter um parto natural.

Vera Soares concordou que outro desafio é fazer valer a lei que garante o direito a um acompanhante na hora do parto. Em seguida, anunciou que a secretaria, junto ao Ministério da Saúde, prepara uma cartilha para as mulheres grávidas. A intenção é que elas cheguem na hora do parto sabendo todos os seus direitos, para ter condições de exigir.

Disque 180

A senadora Ana Rita sugeriu que a linha telefônica 180, criada para acolher denúncias de violência contra as mulheres, possa ainda ser utilizada para informações de casos de violência obstétrica. Segundo ela, seria uma providência útil enquanto a política de parto humanizado ainda não for uma realidade em toda a rede pública.

– Assim o Ministério da Saúde poderá contar com informações para monitorar e corrigir eventuais falhas que persistam – argumentou.

Ana Rita abriu espaço para que uma jovem mãe, Elisa Lorena de Barros Santos, contasse sua experiência de parto natural, realizado em sua casa. Acompanhada da filha, Iara, de apenas cinco meses, ela contou que preferiu fazer o acompanhamento pré-natal com enfermeiros obstetras, a seu ver pessoas com maior disponibilidade para ouvir e orientar as pacientes. Explicou que Iara nasceu de forma rápida e tranquila.

– Não estou dizendo que todas mulheres precisam ter o parto em casa, mas que o parto ocorra com todo o respeito, de forma humanizada – defendeu.

Mandado judicial

Um caso mencionado quando a CAS aprovou o requerimento para a realização da audiência voltou a ser citado durante a audiência: o de uma mulher no Rio Grande do Sul obrigada, por mandado judicial, a fazer cesariana, mesmo com a diretriz do Ministério da Saúde para a realização de partos humanizados.

O Senado já aprovou, em 2013, o PLS 8/2013, que obriga o SUS a oferecer condições para a realização de partos humanizados em seus estabelecimentos. O texto busca converter em lei as diretrizes da portaria com orientações técnicas para o parto humanizado no SUS, inclusive para regulamentar a presença do acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. A matéria aguarda análise da Câmara dos Deputados.

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