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Desafios da Paralimpíada: a baixa venda de ingressos e falta de incentivo aos atletas

Negligência da mídia e possíveis cortes no Bolsa-Atleta estão entre as críticas de atletas e associações paralímpicas

O encerramento dos Jogos Olímpicos Rio 2016 voltou a atenção da mídia para a baixa arrecadação na venda de ingressos para a Paralímpiada, que será realizada entre os dias 7 e 18 de setembro, também no Rio de Janeiro (RJ).

Na última sexta-feira (19), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, chegou a anunciar que o encalhe dos ingressos da competição é uma das causas do déficit do Comitê Rio 2016, pois, segundo o prefeito, “praticamente nenhum ingresso” havia sido vendido.

Até agora somente 20% do programa de ingressos foi vendido, e Paes afirmou que a prefeitura carioca teve que repassar R$150 milhões, com o apoio do governo federal, para bancar o orçamento da entidade.

Cerca de 500 mil ingressos das Paralimpíadas foram comprados pela prefeitura do Rio de Janeiro e doados a alunos da rede municipal de ensino e portadores de deficiência atendidos por centros de referência da cidade.

Quando a informação foi divulgada, no final de maio, o número representava 70% dos ingressos da competição vendidos até então.

Orçamento

Apesar das baixas vendas e do buraco no orçamento de R$ 7,4 bilhões da Rio 2016, os atletas e organizadores esperam que grande parte dos ingressos sejam vendidos nesta próxima semana.

Segundo a assessoria da Rio 2016, apesar da venda dos ingressos para as Paralimpíadas estarem abaixo do previsto pelo Comitê Rio 2016, têm aumentado consideravelmente na última semana, sendo que somente na última segunda-feira (23), logo após o encerramento dos Jogos Olímpicos, foram vendidos 100 mil ingressos, principalmente para as competições de atletismo, natação, basquete em cadeira de rodas, vôlei sentado e futebol de cinco.

Na opinião de Sileno Santos, coordenador da Associação Desportiva para Deficientes (ADD), o fato das Paralimpíadas sucederem um evento muito maior faz com que as pessoas busquem mais ingressos para os Jogos Olímpicos.

“Apenas nesse segundo momento o pessoal vai começar a focar e saber que existe a Paralimpíada. Com a massificação da informação, as vendas vão aumentar bastante. Se você entrar no site agora e procurar pela final do basquete em cadeira de rodas masculino, já está esgotado, e isso aconteceu apenas nesta semana”, afirmou.

Para Sileno, a baixa adesão das Paralimpíadas está relacionada à cultura esportiva do Brasil. “O brasileiro não tem uma cultura multiesportiva que incentiva e está presente em eventos esportivos que não sejam futebol. Além disso, as pessoas não entendem que as pessoas com deficiência também podem praticar esportes e necessitam do apoio da torcida para defender o país em um evento importante”, argumenta.

A ADD está mandando oito de seus atletas para esta edição dos Jogos Paralímpicos, que contará com 278 atletas brasileiros, com a meta de levarem o país à 5ª posição no quadro geral de medalhas.

Expectativa

O objetivo dos atletas brasileiros é reflexo da ótima classificação do Brasil em jogos paralímpicos anteriores: 7º lugar em Londres, com 43 medalhas (21 de ouro, 14 de prata e 8 de bronze) e, nos Jogos Parapanamericanos de Toronto realizados em agosto de 2015, 1º lugar pela terceira vez seguida com recorde de pódios. Foram 257 medalhas, sendo 109 ouros, 74 pratas e 74 bronzes.

“Sem dúvida nenhuma, a Paralimpíada é o evento mais importante para o segmento do esporte adaptado. É o auge para o atleta. Ele passou os últimos quatro anos treinando e se preparando para um evento que vai ser transmitido para mais de 70 países”, destaca Sileno.

Para o coordenador da ADD, o fato de esta edição dos Jogos Paralímpicos estarem sendo realizadas no Rio de Janeiro é um grande incentivo para atletas portadores de deficiência física:

“Vai ter um impacto local. Houve mudanças principalmente na locomoção do Rio, como aa melhoria no transporte público e a acessibilidade nas arenas esportivas, que facilitam a adesão de pessoas portadoras de deficiência no esporte. Entretanto, a Paralimpíada também terá um efeito nacional, fortalecendo o movimento de pessoas enxergando essa possibilidade, saindo de casa e se associando a instituições de prática esportiva. Vão querer se espelhar para estarem lá”, aposta Sileno.

Incentivo governamental

O incentivo do governo tem sido essencial para grande parte dos atletas olímpicos e paralímpicos que participam desta edição dos jogos. Dos medalhistas olímpicos brasileiros, apenas dois não foram apoiados pelo Bolsa-Atleta, programa de incentivo ao esporte criado pelo então presidente Lula, em 2005.

O Bolsa-Atleta é o maior programa de patrocínio individual de esportistas do mundo, beneficiando desde atletas principiantes até os de alto rendimento, com a categoria “pódio”, a mais alta do programa.

Alguns anúncios do governo interino, entretanto, têm preocupado os atletas. No primeiro mês à frente do Ministério do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB), suspendeu um edital no valor de R$ 150 milhões, que garantia justamente o investimento governamental em modalidades olímpicas após os jogos.

O edital havia sido uma das últimas medidas do governo de Dilma Rousseff na área esportiva, tendo sido publicada no Diário Oficial no dia 11 de maio, um dia antes do Senado votar seu afastamento temporário.

O presidente interino Michel Temer também sinalizou cortes no orçamento do programa Bolsa Atleta, o que repercutiu negativamente dentro de seu próprio gabinete, e tentou ser abafado pelo secretário provisório de Alto Rendimento do Ministério do Esporte, Luís Lima, que afirmou que o programa “deve” ser mantido.

Para Pedro Henrique Vieira, da seleção brasileira de basquete em cadeira de rodas, a perspectiva de perder o incentivo do Estado preocupa muito os atletas paralímpicos.

“Se esse benefício for suspenso, perderemos muitos atletas, e o esporte transforma a vida de pessoas com deficiência. Já não temos muitos incentivos e patrocinadores. Com a falta do Bolsa-Atleta, haveria uma perda muito grande para o esporte e social dos deficientes do nosso país”, afirmou.

Essa será a primeira Paralimpíada de Pedro, que começou a treinar basquete em cadeiras de rodas em 2003, através da ADD, e se tornou profissional na modalidade em 2009. Participou do Parapanamericano Juvenil em 2013, quando a seleção obteve o ouro.

“Desde que conheci o esporte, meu sonho sempre foi defender o país em alguma competição. Acredito que o maior desafio de um atleta paralímpico é a superação, pois a cada dia temos dificuldades, alguns por falta de patrocínio e falta de locais de treinamento adaptados, alguns por contusões. Muitas vezes não temos o reconhecimento e a divulgação necessária na mídia e, mesmo com todos esses e outros obstáculos, continuamos treinando forte para defender o país”, confessou.

Quanto à baixa venda de ingressos, Pedro acredita que se deve principalmente à pouca atenção que a mídia tem dado ao evento. “Muitas emissoras de televisão, assim que terminaram as Olimpíadas Rio 2016, disseram: ‘que venha Tóquio 2020’. Na minha opinião, deveriam ressaltar que ainda haverá jogos e muita emoção nas Paralimpíadas. Acredito que essa Paralimpíada será incrível. Estou bastante motivado, e por ser no Rio de Janeiro, a vontade de conquistarmos bons resultados para nossos torcedores é maior ainda”, concluiu o atleta.

O valor dos ingressos das Paralimpíadas varia de R$ 10 a R$ 130. São 23 esportes em competição, incluindo as estreias de canoagem e triatlo, e mais de 300 sessões esportivas. Os ingressos podem ser comprados no site do evento.

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