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‘Desculpe, mas eu tô indo’

No V Congresso Brasileiro de Saúde Mental, membro da Rede EcoSol fala da importância do projeto

O V Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental, a Abrasme, contou com a participação da Rede de Saúde Mental e Economia Solidária (EcoSol), que expôs as produção artesanal dos usuários pelos corredores da Universidade de São Paulo (UNIP), entre os dias 26 e 28 de maio.

A Feira EcoSol tinha de tudo, de doces caseiros a bonecas de pano, passando por camisetas, utensílios domésticos e marcadores de livros. Tudo lindo, tudo original, tudo fruto do trabalho de quem foi reinserido na sociedade após a Reforma Psiquiátrica. 

O SinPsi conversou com Rosângela Maria Silva, usuária dos serviços de saúde mental e pessoa com deficiência física, membro da Rede e do CECCO (Centro de Convivência e Cooperativa) Raul Seixas, que vendia sua arte na Feira.

Como é fazer parte da Rede EcoSol?

É a minha vida. Comecei junto com a Rede, há mais de sete anos. Cheguei com muitos problemas e me apresentaram uma perspectiva melhor de estar no mundo.

Mas você já sabia fazer artesanato?

Não. Eu não sabia fazer nada e nem imaginava que conseguiria. Comecei aprendendo a fazer tapete no tear. Quando vi que era capaz, tive uma sensação que até hoje não consigo explicar. Olha só! Chego até a me arrepiar. É uma sensação muito boa, sabe? Aprender a fazer esse trabalho melhorou tudo na minha vida, eu me sinto nas alturas. Hoje faço chaveiros, brincos, chuquinhas de cabelo, tudo isso aqui.

E sua família apoia você?

Mais ou menos. Minha família é meio crítica, não entende bem, acha que não tenho que ficar indo ao Cecco por causa do meu problema físico. Minha mãe acha melhor eu ficar em casa vendo televisão, é uma forma de proteção, eu sei. Mas uma vez eu disse a ela: “Depois de tudo o que eu aprendi na Rede, acha que eu vou ficar em casa? A senhora me desculpe, mas eu tô indo”.

E como foi que a Rede EcoSol te empoderou?

Eu dou palestras sobre economia solidária há dois anos. Antes era envergonhada, mas achei que estava na hora de fazer alguma coisa para ajudar os outros, da mesma forma que me ajudaram. Hoje eu conheço muita gente, tenho amigos e apoio. Faço muita coisa que eu nem pensei que faria, como viajar de avião para participar de congresso. Já fui para João Pessoa, na Paraíba, já fui a Brasília. Participo também de um grupo sobre moradia, de outro para mulheres da economia solidária. Enquanto estou aqui falando, já estou pensando em projetos.

Como funciona

No cenário da Reforma Psiquiátrica, que tem a premissa do tratamento em liberdade, o campo do trabalho aparece como um dos eixos fundamentais do processo de inclusão social, uma vez que resgata a cidadania e aumenta o poder de trocas sociais, transformando o usuário de saúde mental em cidadão atuante com maior participação de negociação no mundo.

A Rede de Saúde Mental e Economia Solidária (REDE) é um coletivo de organizações da sociedade civil, de empreendimentos econômicos e solidários e projetos de geração de trabalho e renda organizados por usuários, técnicos e familiares dos serviços substitutivos da rede de saúde mental do Estado de São Paulo.

Desenvolve atividades de comercialização, formação, troca de conhecimentos e tecnologias sociais. É um processo de enunciação coletiva de fortalecimento das iniciativas de inclusão social pelo trabalho e do cooperativismo social. A participação na Rede se realiza com a presença em suas reuniões mensais e na participação nas atividades organizadas coletivamente.

A REDE funciona dentro de serviços públicos de Saúde Mental – como CAPS e Centros de Convivência – e têm seu mercado muito restrito às pessoas que frequentam tais serviços, o que tem impossibilitado o aumento da geração de renda e o aumento do público consumidor.

Mas pensar em um trabalho onde os desejos, a criatividade e o transbordamento da loucura sejam levados em conta não cabe no modo capitalista de produção. Por isso a escolha pela economia solidária tenha sido algo natural ao longo do processo de produção de conhecimento nessa área.

Sendo assim, a REDE tece possibilidades reais de contrapor a lógica de exclusão do capitalismo, tentando resgatar o fazer, os desejos e os transbordamentos daqueles que se propõe a dar algum sentido à loucura.

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