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Doria, Covas e o descaso com a população pobre e sem-teto

Parlamentares, dirigentes sindicais e lideranças populares apontam equívocos na gestão da cidade de São Paulo

Pré-candidato a governador de São Paulo, João Doria (PSDB) começou o ano de 2018 descumprindo o que ele mesmo prometeu em campanha para a prefeitura de São Paulo, de seguir até o fim do mandato.

A falta de palavra somada à gestão que deixou de promover na cidade de São Paulo fez com que triplicasse a reprovação da população em apenas um ano, como mostrou pesquisa da Datafolha realizada em dezembro do ano passado.

Do total de 12,1 milhões de habitantes na cidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 39% dos moradores consideram que a gestão de Doria foi ruim ou péssima.

Coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim avalia a gestão como impopular e explica que o ex-prefeito não construiu nenhuma política de moradia.

“Ele não fez nada para os pobres, não iniciou nenhum projeto em São Paulo. Apenas fez propaganda de uma Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de 1.900 unidades, numa cidade cujo déficit é de pelo menos 358 mil moradias. E, no meio de tantas promessas que não saíram do papel e de comerciais marqueteiros, nenhuma delas considerou a população de baixa renda”, afirma.  

Outra situação que deixou os movimentos que lutam por moradia indignados foi a declaração feita por Doria quando se referiu ao desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, atingido por um incêndio na madrugada de terça-feira, 1º, no Largo do Paissandu, no centro da cidade de São Paulo. “O prédio foi invadido e parte desta invasão financiada e ocupada por uma facção criminosa”, disse o pré-candidato ao governo.

Em contradição à fala de Doria, nesta sexta-feira (4) canais da imprensa comercial divulgaram foto em que o ex-prefeito posou, em 2017, ao lado do coordenador do movimento que ocupava o prédio que desabou em São Paulo, o mesmo que Doria atribuiu como pertencente a uma facção. Segundo a notícia, a foto foi tirada na festa de aniversário do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que também participou da sessão fotográfica.

Só contradição

Para a deputada estadual e líder da Bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, Beth Sahão, o ex-prefeito se equivocou ao atacar pessoas sem-teto num momento em que todo o país se solidariza com as vítimas.

“O Estado é quem deve garantir um direito que consta na Constituição, ao contrário do que fez o ex-prefeito quando tomou pra si uma área pública de forma irregular. Ou seja, ele deveria ter vergonha na cara por invadir um espaço público antes de criminalizar os movimentos que lutam por moradia digna”, critica a parlamentar.

Beth se refere ao mesmo tema que colocou Doria na parede durante uma entrevista feita no SPTV com o ex-presidente, em 2016, pelo jornalista Cesar Tralli. Ao responder que considerava “invasores e transgressores” aqueles que ocupam terrenos abandonados, Tralli aproveitou a deixa para lembrar o então candidato sobre uma área pública de 400 m² incorporada irregularmente a seu imóvel em Campos do Jordão há 20 anos.

Além desse fato, Beth lembra que, no ano passado, Doria mandou demolir imóveis na área da cracolândia, no centro de São Paulo, com moradores dentro. “Por coincidência eu estava na região e corri para o local para ver o absurdo que estavam fazendo. Derrubando paredes com pessoas dentro e deixando feridos por completa falta de responsabilidade e de humanidade”, lamenta.

Assim como Sahão, a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) lamenta o cenário atual da capital paulista. “Quem anda pela cidade tem percebido, assim como eu, um aumento da quantidade de pessoas nas ruas, em situação de miséria. Fazia tempo que a gente não se deparava com uma cidade tão abandonada, sem cuidados, sem limpeza. É isso que as pessoas têm visto em São Paulo.”.

Em nota publicada nesta semana, deputadas e deputados estaduais do PT denunciam a omissão dos governos municipal, estadual e federal e condenam a postura do ex-prefeito Doria tanto na gestão da cidade de São Paulo como em relação às vitimas do prédio que desabou.

Nada muda

Presidente e secretário de Mobilização da CUT São Paulo, Douglas Izzo e João Batista Gomes, respectivamente, avaliam que, assim como a gestão municipal, os governos federal e estadual devem ser responsabilizados pelo descaso com a questão da moradia.

De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil tem um déficit habitacional de 7,7 milhões de moradias. O dado é de 2015 e tem como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Já o estado de São Paulo, sem surpresa, tem o maior déficit absoluto, de 1,61 milhão de moradias.

“A luta por moradia não pode ser vista como fato isolado. A habitação é um problema que deve envolver os governos em todos os âmbitos”, aponta Izzo. “Tanto Doria como Bruno Covas são responsáveis pela tragédia que ocorreu na última terça, pois não há nenhum movimento por parte do governo de construção de moradias populares. O descaso é total”, completa Gomes.

Raimundo Bonfim afirma que o debate sobre políticas públicas para o setor não está sendo feito, mas apenas a criminalização dos movimentos. “A mídia comercial e os setores reacionários querem agora apresentar um fato isolado e falam sobre a cobrança de aluguel indevida naquele prédio para dizer que todo mundo age da mesma forma. Só que esta não é uma realidade”, defende.

Ao contrário do que setores da sociedade mostram, diz Bonfim, “empreendimentos localizados na cidade de São Paulo como o da Vila Tororó, da Rua do Carmo, da Rua Ipiranga, entre outros, foram reformados e transformados em moradia popular para famílias de baixa renda e servem como exemplo da organização dos movimentos. Só que isso eles não mostram. Querem apenas isolar a narrativa para generalizar a luta dos movimentos populares”, exemplifica Raimundo. 

Chega de enrolação

A deputada Leci Brandão (PCdoB-SP) também critica a postura de representantes do poder público, a partir do desabamento do edifício no Largo do Paissandu. “Aquelas pessoas que moravam ali, não tinham escolha. Foi o jeito que encontraram para sobreviver e proteger as famílias delas. Criminoso é quem engana a população dizendo que é trabalhador para ganhar votos, quem não constrói políticas públicas para o povo, quem tem condição de fazer e não faz.”.

Para Raimundo Bonfim, os governos de Michel Temer (MDB-SP), Márcio França (PSB-SP) e Bruno Covas (PSDB) têm objetivos específicos. “Eles estão aproveitando este momento para duas coisas: primeiro para criminalizar a atuação dos movimentos sociais. Depois para acelerar as reintegrações de posse e se aproveitar do momento para favorecer o mercado imobiliário”, sinaliza.

Também na avaliação da vereadora da capital, Juliana Cardoso (PT), a especulação imobiliária está no centro das intenções dos governos. “A prefeitura só coloca barreiras para enfrentar o problema. Ao invés de criminalizar por que eles não pensam no povo pobre que fica sem nenhum tipo de assistência social que funcione de verdade?”, questiona.

Para ela, os governos deveriam começar a pensar sobre a função social dos prédios que estão abandonados no centro de São Paulo. “Todo fascista criminaliza para levar vantagem nas coisas. Eles deveriam, ao contrário, organizar um grupo de trabalho na prefeitura para agilizar os recursos financeiros que vêm dos governos e a demanda por moradia, não dificultando a relação com os movimentos organizados ou criando entraves de prazo e documentação, como o que eles têm feito”, conclui a parlamentar, que acompanha de perto a realidade dos movimentos de moradia na cidade.

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