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‘É uma grande orquestra’, diz presidenta da Fenapsi sobre desmonte do SUS e do SUAS

Eleita para presidir a Federação Nacional das(os) Psicólogas(os) pelos próximos três anos, Shirlene Queiroz lamenta o desmonte de políticas públicas que envolvem e empregam milhares de psicólogas(os) no Brasil

“O desmonte é tão grande que vamos ser obrigadas a trabalhar em condições precárias e, muitas vezes, contrariando princípios que nós mesmas lutamos para defender”, prevê a presidenta da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi) em sua análise sobre a situação do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A reflexão foi exposta por Shirlene  na mesa “Quem somos nós? Em que contexto o conservadorismo precariza nossas vidas e trabalhos”, um dos espaços do Congresso Nacional da Fenapsi, realizado em São Paulo nos dias 7, 8 e 9 de abril. A mesa ainda abordou a temática LGBT e racial.

Para contextualizar o desmonte do SUS e do SUAS, Shirlene falou sobre a importância da inserção da Psicologia nas políticas públicas. “Nos últimos anos, conseguimos superar a compreensão de que a Psicologia é elitista. Até então,  a maioria da população nunca havia tido acesso ao nosso trabalho. Quando a psicóloga e o psicólogo chegam no CRAS [Centro de Atenção Psicossocial] e no CREAS [Centro Especializado de Assistência Social], os usuários passam a compreender a nossa função. Algumas políticas públicas chegaram a municípios com 1.200 habitantes, foi um grande avanço”, relembra.

Shirlene, que atua no Sindicato dos Psicólogos da Paraíba, vê com muita preocupação a agenda de retirada de direitos protagonizada pelo Governo Federal. Para a psicóloga, a PEC do congelamento de gastos, a terceirização irrestrita, a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência e a mudança na política de distribuição de alguns benefícios, como o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC), vão provocar grandes retrocessos no SUS e no SUAS, duas áreas que empregam milhares de psicólogas(os) brasileiras(os).

“A PEC do congelamento de gastos vai impedir novos avanços. O acesso às políticas públicas de saúde mental garantiu que não huouvesse internação [em manicômios], que usuários de álcool e outras drogas fossem cuidados em território, impediram que eles fossem conduzidos a Comunidades Terapêuticas, onde sabemos que, muitas vezes, são feitas terapia de conversão ou imposição religiosa. Infelizmente, esse indicador mudou”, lamenta.

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Retrocessos

Para Shirlene, outros retrocessos estão por vir, entre eles a mudança do financiamento do SUS. “É possível que os recursos não venham mais carimbados para determinadas áreas, ou seja, o montante repassado para a saúde mental será decidido pelo gestor. E sabemos o quanto os gestores estão comprometidos com o modelo hospitalocêntrico [cuidado com a saúde centrado nos hospitais] e com a indústria farmacêutica”, critica.

As consequências desse desinvestimento, segundo Shirlene, são no mínimo três. Em primeiro lugar, o desmonte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) tende a fortalecer o argumento de que o tratamento em liberdade não dá certo, um discurso que encoraja a volta de lógicas manicomiais. Em segundo lugar, Shirlene prevê que, com o SUS devastado, a população seja obrigada a pagar caro por um plano de saúde “popular” de péssima qualidade. O terceiro impacto seria na própria categoria dos psicólogos, que tem o SUS e o SUAS como dois grandes empregadores.

“Nós, que já tínhamos trabalhos precarizados, vamos sofrer ainda mais com a terceirização, que retirou de nós a possibilidade de efetivação, de concursos públicos ou de um bom vínculo de trabalho. Eu me pergunto: até que ponto a necessidade de sobrevivência vai nos colocar em situações totalmente contrárias ao que a gente vinha construindo?”, lamenta Shirlene. Para a psicóloga, essas ações de retrocesso têm um único objetivo: distorcer o próprio conceito de política pública. “É tudo uma grande orquestra”, finaliza.

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