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Fronteiras histórico-políticas da Atenção Psicossocial e da Psicologia Clínica

O início de 2017 está sendo marcado por diversos apontamentos na mudança da condução das Políticas Municipais de Saúde Mental, referenciadas na Rede de Atenção Psicossocial. Dessa forma, deve-se considerar que as práticas de Atenção Psicossocial e Redução de Danos se ampliaram e se qualificaram nos últimos anos em uma crescente, buscando um importante aprimoramento das tecnologias de cuidado nas Políticas brasileiras.

O mês de janeiro foi marcado por diferenciações nas práticas de cuidado em saúde mental, álcool e outras drogas, o retorno da discussão acerca de eletroconvulsoterapia pelo Ministério da Saúde; nova intervenção violenta das forças de segurança pública no cenário de uso – popularmente conhecido como ‘Cracolândia’ – além da cogitação de impor testagem toxicológica nos serviços de moradia do Programa De Braços Abertos;retorno de práticas asilares; entre outros nos mostram os retrocessos do espaço político no Brasil, com a redução dos direitos humanos à possibilidade de cura e acesso aos dispositivos biomédicos.  Neste sentido, o CRP SP se preocupa com a condição e com o avanço da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial.

É preciso reafirmar tecnologias de cuidado que transcendam a prática individualizada e individualizante propondo novos arranjos no processo e nas relações de trabalho que avancem na consolidação das diretrizes de Saúde Pública pautadas pelo SUS. Desconstruir ideais que corroboram para uma compreensão do processo saúde – doença é tarefa das mais complexas e precisa conquistar espaços dentro dos nichos de cada processo de trabalho da sociedade e, no que nos diz respeito, da psicologia, como ciência e profissão.

Neste contexto que gostaríamos de refletir sobre o projeto intitulado Janeiro Branco, campanha organizada de forma independente, que tem como proposta incentivar que as pessoas revejam suas perspectivas de vida, aproveitando o ensejo de começo de ano, momento em que, comumente, essa possibilidade se apresenta.  Uma das formas de se fazer isso, segundo a campanha, é cuidando da saúde mental, através da psicoterapia individual: espaço que se constrói como momento de reflexão sobre nossa constituição – pessoal, familiar, comunitária, etc. A psicoterapia, dentre tantas outras, é uma das formas de cuidado em saúde mental e possibilita grandes transformações àquelas e àqueles que dela fazem uso, quando praticada com qualidade e rigor científico, técnico e ético, é possibilidade evidente de melhora e de cuidado, ou seja, quando realizada em um contexto de possibilidades de transformação para o usuário e não apenas como uma resposta a uma situação de produção e reprodução de sofrimento. No entanto, não é uma forma exclusiva de cuidado em psicologia, tampouco em saúde mental, como parece ser indicado pela campanha. Ressaltamos que não há qualquer contrariedade em relação à prática da psicologia clínica particular, entretanto entendemos ser nosso papel indicar a necessidade de cuidado quanto a um discurso que possa representar o retrocesso da lógica interdisciplinar, da clínica ampliada, do cuidado integral, singular e comunitário.

Consideramos, dentre as diversas formas de contribuição da Psicologia, a importância da compreensão sobre o que sentimos, pensamos e agimos não só enquanto ser individual, mas sim vinculado a uma sociedade, a uma cultura, a uma economia, a uma política. Entendemos que a multiplicidade do fazer psicológico não deve privilegiar uma forma de atuação hegemônica, devendo também considerar a atuação das/os profissionais de psicologia sobre a realidade social, causadora de sofrimento psíquico, tal como o território em que se insere o usuário dos serviços.

Afirmamos, sim, que a psicologia, enquanto ciência e profissão, muito se desenvolveu ao longo da história, propondo diversas formas de cuidado. Nossa preocupação, como autarquia responsável por garantir a qualidade ética e técnica dos serviços prestados pela categoria à sociedade é que a psicoterapia individual como é apresentada na Campanha, mostra-se a partir de uma perspectiva tradicionalista dessa prática, dissociando individual e social, enquanto em sua grande maioria, as diversas práticas psicológicas já se desenvolveram a ponto de reduzir esse hiato.

Temos datas históricas sobre a saúde mental, alinhadas com as diversas perspectivas de cuidado em saúde tal como o 18 de Maio, Dia da Luta Antimanicomial, assim como o dia 10 de Outubro, Dia Mundial da Saúde Mental. Essas datas representam um importante momento de construção do cuidado em saúde mental da população, que questiona o encarceramento das pessoas em sofrimento psíquico, propõe as diversas formas de cuidado em psicologia alinhada aos direitos humanos.

O CRP SP apoia a psicologia clínica, a psicologia das políticas públicas e o direito da categoria em propor  e realizar campanhas, sempre dentro da ética e dos princípios prezados pela Psicologia. Defendemos a Psicologia que promove uma sociedade mais justa e igualitária, o amplo acesso ao cuidado integral, que não seja restritiva por desconhecimento, nível sócio-econômico, sazonalidade e falta de investimento em políticas públicas e que não se encerre na defesa de si mesma. Reafirmamos ainda o compromisso do CRP SP com a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial e com a implementação de seus serviços comunitários como não apenas substitutivos às práticas asilares, mas também enquanto progresso de cuidado para uma atenção à saúde mental mais humanizada e equânime. Nos disponibilizamos a corroborar em prol da transformação da dimensão político cultural na sociedade, buscando a compreensão do fenômeno da loucura enquanto parte da condição humana e que, portanto, compõe o paradigma existência – sofrimento.

Reiteramos como positivas aquelas iniciativas de organização de campanhas e manifestações de nossa categoria, desde que consonantes à ética profissional e à cultura de defesa e promoção de direitos humanos. Que numa próxima vez, caso a campanha venha a se repetir, o comitê responsável pela organização considere a possibilidade de convidar o CRP SP para participar do planejamento. O Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região – CRP SP, segue aberto ao diálogo e ao empenho de esforços que – a partir da Psicologia, ciência e profissão – redundem na construção de uma sociedade justa, digna e solidária.

Que todos nós possamos considerar  cada vez mais as diversas formas de cuidado em psicologia e que avancemos para práticas cada vez mais entrelaçadas entre o individual e o social, reafirmando cotidianamente o compromisso social e histórico da psicologia!

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