Notícias

Internação compulsória é ineficaz e viola direitos humanos, diz análise global

 

Análise publicada no British Medical Journal (BMJ) mostra que a prática de internação compulsória, que ocorre sem o consentimento do paciente ou da família e é mediada pelo sistema criminal, precisa ser revista e não é efetiva na luta contra a dependência química. A pesquisa, que acessou dados globais desse tipo de terapia, foi feita pelos cientistas Bulat Idrisov e Karsten Lunze, da Boston University School of Medicine (EUA) em colaboração com pesquisadores do Canadá e da Malásia.  

A análise avaliou que a maioria dos centros de internação compulsória é geralmente administrada e operada pela polícia; e raramente tem qualquer profissional de saúde treinado ou médico na equipe.

Também não há evidências ou estudos sendo produzidos que indiquem a efetividade do tratamento. A abordagem, ressalta o texto, viola direitos humanos e traz mais danos que benefícios para o paciente. 

O tratamento obrigatório e a prisão ocorrem em muitos países, a exemplo da Rússia e áreas da  Ásia e África, onde há registros de graves violações. Na Ásia, mais de 400.000 pessoas são detidas por períodos que variam de meses a anos em mais de 1.000 centros de reabilitação de drogas.

A Rússia tem uma política repressora contra a dependência e as drogas. Entre 2013 e 2015, o país alterou suas leis para que tribunais forçassem dependentes ao tratamento. Com a mudança, a Justiça russa tem o poder de prender dependentes –com medidas que incluem, inclusive, o trabalho forçado. “Não há evidências de que a medida tenha sido eficaz para o tratamento da dependência”, diz a análise.

Abusos, trabalho forçado e violação de direitos

A internação compulsória, segundo o estudo, abre brechas para abusos. Há registros de nenhuma assistência médica, trabalhos forçados, violência sexual e ensino moral e religioso.

Esses centros representam também alto risco para outros danos à saúde, principalmente a transmissão de HIV e hepatite C. Na Malásia, a prevalência do HIV em pessoas internadas para tratamento é duas vezes mais alta que na população prisional e 20 vezes maior na população em geral. Um estudo no sul da China avaliou que a chance de uma pessoa ter HIV aumenta com a probabilidade de internações compulsórias a que foi submetida.

No Brasil, a discussão sobre o tratamento compulsório veio à tona em 2013, quando o governador de São Paulo fez uma parceria com o Ministério Público e a OAB para internar compulsoriamente dependentes de crack.

A internação compulsória está prevista na Lei de Reforma Psiquiátrica 10.216 e, nela, estão elencados três tipos de internação: a voluntária (apoiada pelo paciente), a involuntária (pedida pela família) e a compulsória (pedida por um juiz).

A perspectiva contrastava com a política adotada pela prefeitura, que instituiu em uma abordagem na qual dependentes eram inseridos em um programa que incluía emprego e moradia.

Houve críticas a ambos os programas –e o que a análise publicada no BMJ aponta é que o tratamento de dependência, de modo geral, tem pouco sucesso, mas que as chances são altas em um esforço combinado não-compulsório, de longo prazo e atendimento multidisciplinar.

Melhores práticas internacionais

“Leis que demandam tratamento obrigatório ignoram evidências de que grande parte das terapias atualmente entregues não é eficaz e não é a obrigatoriedade do tratamento ineficaz que vai aumentar a sua eficácia”, escrevem os autores. Ao invés, ressalta a análise, países devem se basear em evidências e nas melhores práticas internacionais.

Os países também devem considerar a intervenção medicamentosa com opióides como a metadona – que, segundo estudos, tem tido eficácia como uma transição para a dependência. Países como a Rússia, por exemplo, proíbem o uso do medicamento com o argumento de que seria apenas substituir uma droga por outra.

A Organização Mundial da Saúde enfatiza que a internação compulsória deve ocorrer por um período limitado –e somente se o dependente oferece um risco para si mesmo e para outros. Sempre que possível, diz a organização, usuários devem ser livres para decidir se querem se submeter a tratamento.

A entidade também sustenta que pessoas que são presas por consumo de opióides devem receber tratamento para dependência como uma alternativa à pena prisional.

 

Deixe um comentário