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IV CBP: questões do mundo do trabalho e embates na atuação no SUAS aqueceram debates

Um dos pontos mais polêmicos e insistentemente debatidos no IV Congresso Brasileiro de Psicologia (CBP) foi a atuação do psicólogo no Sistema Único de Assistência Social, o SUAS. Os profissionais de psicologia reconhecem que há um despreparo na formação acadêmica para Políticas Públicas. O currículo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, é o mesmo desde os anos 80, o que ignora totalmente o avanço da presença da Psicologia no campo social, a partir da década de 1990.

No Conversando sobre… “Conquistas e desafios da Psicologia no SUAS”, que aconteceu dia 21, foram abordados os direitos dos usuários e o direitos dos trabalhadores, além da identidade dos profissionais do SUAS e a interdisciplinaridade. A questão do assédio moral foi bastante debatida, uma vez que muitos trabalhadores falavam de experiências próprias.

A qualidade dos serviços disponibilizados versus a estruturação do trabalho, e a quantidade de profissionais efetivos versus a precarização de vínculo também são pontos sempre presentes quando o foco é a atuação do psicólogo no SUAS.

Já a Palestra Magna do dia 22, “Psicologia e Políticas Públicas no enfrentamento das desigualdades sociais”, apontou os dilemas que marcam a ciência e a profissão, pois a Psicologia não se consolida, no Brasil, como profissão com atenção voltada à população pobre, o que tem impacto direto na atuação nos SUS e no SUAS.

“A partir do momento em que o psicólogo e a psicóloga entram na política social, para nada vão utilizar o aprendizado da academia, que ainda tem um ensino muito voltado para a elite”, afirmou Isabel de Oliveira. 

Com a experiência adquirida em práticas profissionais, pode-se dizer que a Psicologia é um agente importante no resgate da dignidade das famílias em situação de pobreza, afinal a ciência e a profissão têm conseguido se movimentar dentro dos campos incomuns de seu cotidiano, como na política e nos movimentos sociais.

Creas

No último dia do Congressão, 23 de novembro, foi a vez da mesa redonda “A Psicologia e a interdisciplinaridade no SUAS: desafios e possibilidades em uma perspectiva sócio-histórica”. Na ocasião, falou-se do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, o Creas – unidade pública e estatal, que oferece serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos.

“O Creas, muitas vezes, recebe demandas inapropriadas, quando deveria servir de intermediário. Você recebe gente “moída” pelas situações do sistema prisional, por exemplo, mas se depara com um enfrentamento no campo político”, disse Jean dos Santos.

Segundo o psicólogo, essa fragmentação tem caracterizado a relação entre profissionais de categorias distintas ou mesmo entre profissionais da mesma categoria que tenham visões diferentes do fazer.

“O conhecimento de Psicologia Social e Escolar tem sido necessário para a intervenção nos Creas. Os currículos acadêmicos precisam ser reformulados”, propôs.

Mundo do Trabalho

Exploração, assédio moral e falta de reconhecimento da importância do fazer do psicólogo também foram debatidos. No dia 21, o simpósio “Trabalhador (a) psicólogo (a): enfrentando as questões do mundo do trabalho, ampliando a presença da Psicologia na sociedade” discutiu o trabalho nas Políticas Públicas, os avanços e riscos crescentes nas condições de trabalho.

Em palestra de provocativo título “Quem disse que trabalho não mata?”, José Roberto Heloani, da Unicamp, relatou casos de exploração de bancários que resultou em mais de 30 suicídios. Citou também caso de assédio sexual na área de seleção e recrutamento, em que o entrevistador teria perguntado à candidata à vaga sobre qual a posição preferida para o ato sexual.

“É importante a gente refletir que muitas vezes o psicólogo organizacional tem conhecimento de casos de assédio de chefias e nada faz para mudar o quadro. Só tem dignidade quem respeita. É o primeiro passo, inclusive, para ser respeitado”, enfatizou Heloani.

Pensando em soluções para levar a clínica aos menos abastados, Odair Furtado, da PUC-SP, propôs a criação de cooperativas de psicólogos para o atendimento em periferias com boa qualidade de serviço a preços acessíveis.

“O psicólogo ainda não se mobiliza para isso porque ainda há uma visão muito elitista da prática da Psicologia, que é caracterizada como profissão voltada apenas para a elite. A mudança dessa percepção é algo urgente”, afirmou.

No dia 22, Fernanda Magano, presidente da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi) e dirigente do SinPsi, participou do simpósio da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (ABEP), “Formação em Psicologia Organizacional e do Trabalho PO&T”. 

Fernanda falou dos prejuízos da pejotização (o trabalho como Pessoa Jurídica), que ilude quanto à remuneração, mas coloca para o psicólogo toda a responsabilidade de arcar com cargas tributárias.

“Muitas vezes se vai para o mercado de trabalho com muitas expectativas e sem informação quanto a direitos e proteção de condição de trabalhador. Mas as entidades sindicais existem para a organização e luta das categorias profissionais. Com os psicólogos não é nem deve ser diferente”, salientou Fernanda, citando a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que surgiu em 1913 para garantir direitos com o mínimo de proteção social.

O simpósio concluiu que é possível construir uma Psicologia organizacional do trabalho pareada com uma Psicologia crítica do trabalho, sempre questionando a condição de trabalhador.

“É preciso pensar a transformação do mundo, mesmo que seja a do mundo do trabalho, para que façamos do cotidiano algo prazeroso e não frustrado”, concluiu a dirigente sindical.

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