Fonte: MST
No 23.nov, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela manutenção do despejo das 450 famílias do Acampamento Marielle Vive, em Valinhos, interior de São Paulo. A decisão é gravíssima frente aos direitos fundamentais, principalmente, considerando a vigência da Covid-19.
Segundo Tassi Barreto, militante do MST e Iintegrante da coordenação do acampamento Marielle Vive: “A decisão é um ultraje na questão dos direitos humanos. Nós estamos falando de 450 famílias, mais de 150 crianças, em um período de pandemia. Uma decisão que não leva em consideração as negociações que estávamos fazendo com o Ministério Público, com a prefeitura, inclusive até com o proprietário”.
A fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários, local onde está o acampamento, comete crime constitucional há anos, não cumprindo a função social da terra. Além disso, degrada o solo e o meio ambiente. O Tribunal decidiu pela manutenção da posse precária da fazenda, que, se concretizada, tornará a destinar toda a área à especulação imobiliária, usurpando a terra em detrimento do social, das leis, do direito à moradia e à Reforma Agrária.
Tassi narra como foi o antes e o depois da entrada do MST na fazenda abandonada: “Quando a gente entrou, era puro pasto sem nenhum gado, tudo abandonado. E a gente transformou o local, e estamos transformando. Hoje é completamente verde, dá pra ver nas fotos. Tem produção agroecológica, a gente se alimenta do que colhemos e também fazemos doações. Nós temos uma cozinha coletiva permanente em que fazemos 3 refeições diárias”.
As famílias do acampamento Marielle Vive estão há mais de três anos na área. Com as famílias Sem Terra, a fazenda se transformou em um grande acampamento produtivo, que doa alimentos saudáveis, produz e comercializa cestas de produtos agroecológicos e diversos artesanatos, gerando renda e construindo dignidade e outras possibilidades de vida.
Tassi Barreto anuncia a resistência ativa contra a medida: “Nós não vamos aceitar essa decisão, a gente vai recorrer, entrar com os recursos legais para a reversão e pra que a gente tenha o direito à reforma agrária popular. A gente tá fazendo uma grande mobilização com aliados, aliadas, nas redes sociais, visitas para mostrar a solidariedade às famílias. Para alterar esse desfecho tão terrível que seria essa reintegração de posse”.
Para Ângela Cristiane Romano, de 45 anos e acampada no Marielle Vive há 3 anos e 7 meses, o Marielle Vive é muito mais do que um simples acampamento: “A minha família cresceu aqui dentro. Tenho uma filha de 1 ano e 7 meses que tive aqui dentro do Marielle. Esse é o lar da minha família. É onde a gente planta, onde a gente colhe, onde meus filhos tem uma alimentação saudável, tem lazer, não correm os riscos da vida urbana. Eles têm uma educação boa e um crescimento legal. Onde a cidade oferece outras coisas, que são perigo,… aqui não. E aqui é minha casa, como de várias outras famílias. Aqui é minha residência. Espero que essa luta seja positiva, que meus filhos continuem nesse quintal enorme, cheio de natureza, cheio de alimento saudável”.
É também o caso de Gisele Maria Souza e Silva, de 39 anos: “Decidimos vir para o Marielle pela natureza, pela comida sem veneno, pelo que eu posso proporcionar para os meus filhos, pela tranquilidade e tudo o que tem aqui”. As duas acampadas fazem um apelo por suas famílias: “Nos ajudem nessa corrente, pelo fica Marielle. Eu preciso criar os meus filhos. Você que está do outro lado: olhe por nós, venha conhecer quem são as Marielles, quem somos. Somos todas Marielles e precisamos de todos vocês. Marielle Vive Fica!”
Tassi Barreto reforça a importância do Acampamento para a própria sobrevivência das famílias, principalmente quando se trata da situação do Brasil, de mais de 13 milhões de desempregadas(os): “Nós temos geração de renda, através do artesanato e das próprias feiras que participamos com nossos produtos. Então, o Marielle Vive é hoje um local de moradia, de segurança pras famílias, pras crianças, com atividades educativas, pedagógicas, culturais e de lazer. Ele é uma construção de um sonho, de viver em comunidade, um sonho de construir o poder popular, de autoconstrução, todos e todas participando ativamente para a existência da comunidade”.
Em setembro de 2021 o MST recebeu reconhecimento pela luta em defesa dos Direitos Humanos por votação de júri popular com o prêmio “Acampa – Pola Paz e Dereito a Refuxio” na província de Corunha, região Noroeste da Espanha. Na ocasião, o Acampamento Marielle Vive participou virtualmente da live durante o evento em questão.
No centro de La Corunha ficou exposta uma grande mostra de fotos e uma maquete em tamanho real inspirada no Acampamento Marielle Vive, onde foram replicadas a porteira principal, barracos, mural da Escola Popular Luis Ferreira, sala de aula, horta, banheiro, e hasteadas bandeiras do movimento.
Segundo Cintia Zaparoli, arquiteta acampada no Acampamento Marielle Vive de Valinhos/SP, que participou da concepção da maquete: “A réplica se dá em um espaço de 9 x 24 metros. (…) representamos tudo que foi possível na maquete e exposição de fotos. Escrevi textos sobre o MST, a história do acampamento e dos espaços coletivos para contextualizar a exposição. Foi muito interessante participarmos dessa articulação e exposição internacional”.