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Justiça suspende resolução do Conad sobre reclusão de adolescentes

Em julho de 2020, o Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas) publicou a resolução nº 3/2020, que permite a reclusão de adolescentes em comunidades terapêuticas. Desde sua implantação, a Resolução tem sido alvo de duras críticas pelas entidades de saúde, que defendem a reforma psiquiátrica e as políticas antimanicomiais.

Mês seguinte à publicação, o Conselho Nacional de Saúde (CSN), o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e CNDH (o Conselho Nacional dos Direitos Humanos) recomendaram a anulação da Resolução do Conad. Ao final de seis páginas de argumentação, o documento expressa:

Ao Ministério da Cidadania:

Que não acate a regulamentação proposta pelo CONAD acerca do acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas; e

Amplie o financiamento aos equipamentos e serviços do SUAS, promotor de cuidado em liberdade e promoção de direitos humanos de adolescentes em situação de uso abusivo de álcool e outras drogas.

Ao Ministério da Saúde:

Que apresente os dados relacionados aos investimentos realizados no SUS nos últimos dez anos na política de atenção à saúde mental de adolescentes;

Torne público os dados sobre a implantação da RAPS nos diferentes estados brasileiros e amplie o financiamento aos serviços e equipamentos públicos do SUS, além de fortalecer as ações da RAPS.

Ao Ministério Público Federal:

Que, em observância ao disposto nessa recomendação, ofereça denúncia questionando a legalidade e constitucionalidade do acolhimento de adolescentes em Comunidades Terapêuticas aprovada pelo CONAD.

Histórico de retrocessos

Rogério Giannini

O atual presidente do SinPsi-SP, Rogério Giannini, pontua, ainda, outros problemas em relação à Resolução 3/2020. Para ele “o Conad não é de fato um conselho, pois conselhos são espaços plurais de exercício da democracia, com participação e controle social das políticas públicas; o Conad deixou de ser plural por decisão do atual governo, que retirou da sua composição CFP, o CFM, o CEFESS, a OAB e a SBPC, entre outras entidades. Mesmo com essa composição que garantia uma expertise técnico-científica, ainda assim seria uma espécie de câmara técnica para expedir recomendações e não resoluções, e, ceifado do arcabouço crítico de entidades que são em tese não sujeitas a pressão política, o Conad se tornou um puxadinho do governo, um grupo de amigos, expedindo, nesse caso, um simulacro de resolução”.

Rogério destaca, também, que os últimos anos foram marcados por diversas alterações na política antimanicomial, entre elas, cita:

  • A nomeação em dezembro de 2015 de um notório defensor dos manicômios e conhecido opositor da Reforma Psiquiátrica para o cargo de coordenador da saúde mental do Ministério da Saúde.
  • A criação, por decretos, portarias e resoluções que vão minando a Reforma Psiquiátrica e estabelecendo o que tem sido chamado pelo governo federal de “Nova Política de Saúde Mental”, que, entre outras medidas, aumenta o repasse financeiro para leitos manicomiais e amplia a financiamento das autointituladas Comunidades Terapêuticas.
  • Nova Lei de Drogas – Lei nº 13.840, de 5 de junho de 2019, que provoca graves retrocessos ao prever internações involuntárias. A lei adota o paradigma da abstinência como estratégia central do tratamento aos usuários de drogas, sem que haja menção à estratégia de cuidado pela redução de danos.
  • Financiamento governamental das autointituladas Comunidades Terapêuticas tem sido cada vez mais elevado. Segundo o Ministério da Cidadania, os repasses para as CTs subiram de R$ 154 para R$ 300 milhões de 2019 para 2020, enquanto, no mesmo período, o financiamento para os CAPS foi de 158 milhões.   

Resolução suspensa

No dia 9set2022, a Juíza Federal da 12ª Vara / PE, Joana Carolina Lins Pereira, decidiu em caráter liminar suspender os efeitos da Resolução nº 3/2020; determinar o desligamento dos adolescentes atualmente acolhidos, no prazo de 90 dias, suspender o financiamento federal a vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas. “Deve o Ministério da Saúde assegurar o regular atendimento de tais jovens, à vista do teor de sua Portaria de nº 3.088/2011/MS, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), portaria está voltada, precisamente, ao atendimento de pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas”, determina um dos trechos da sentença.

Clique no link abaixo para ler a íntegra da sentença

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“Essa é uma expressiva vitória e temos de comemorar”, avalia Giannini. “Entendemos que há uma disputa dos setores manicomiais representando os interesses dos hospitais psiquiátricos e das autodenominadas comunidades terapêuticas contra a Reforma Psiquiátrica. Parecem perceber os avanços da Reforma como entraves aos seus negócios. Mas, é possível conjecturar, parece haver também uma disputa mais profunda de valores societários, de visão de ser humano e de sociedade, de democracia, liberdade e de direitos humanos”, conclui.