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Movimento debate tema da ‘gordofobia’ nas praias do Rio

Evento pretende dar visibilidade às pessoas gordas e questionar os padrões de beleza que acabam por causar dor e sofrimento em quem não se enquadra neles

São Paulo – O famoso Arpoador, no Rio de Janeiro, receberá amanhã (18), a partir das 16h, uma turma que não costuma ir à praia. A frequente ausência, entretanto, não está relacionada ao desprazer da areia grudando na pele ou à água salgada no cabelo. É uma ausência constrangida, envergonhada, doída, de quem é considerado “acima do peso” e não se enquadra nos padrões de beleza impostos por uma sociedade que enaltece a magreza e debocha da gordura. Para desmistificar o estereótipo do “corpo de praia”, o movimento “Gordes na Praia” pretende pôr em debate a “gordofobia” e estimular as pessoas a se aceitar e serem felizes do jeito que são.

“A gente quer gerar diálogo e trazer visibilidade para a nossa causa, que é uma coisa muito simples: a gordofobia atinge a sociedade e está totalmente enraizada no machismo. A sociedade patriarcal é machista, e a gordofobia é um braço do machismo que diz de qual jeito a mulher precisa ser e que há uma forma ideal para agradar os homens”, explica a youtuber Alexandra Gurgel, de 28 anos, uma das organizadoras do evento em parceria com o coletivo de comunicação Mídia Ninja e o também youtuber Bernardo Boëchat, do canal Bernardo Fala.

Criadora do canal Alexandrismos, no Youtube, onde discute a questão da gordofobia, entre outros temas, Alexandra Gurgel enfatiza a importância de dar visibilidade a um tema tão caro, principalmente numa cidade como o Rio de Janeiro, que enaltece a cultura do “corpo perfeito”. “Qual corpo perfeito seria esse? O que é um corpo de praia?”, questiona, destacando que o evento não pretende afastar quem não é gordo e que todos podem participar, independentemente de gênero ou cores.

Alexandra Gurgel comenta que já deixou de fazer muita coisa para se enquadrar num padrão de beleza, como sair, se divertir, ir a festas e usar determinadas roupas. Fez lipoescultura, cirurgia plástica, dietas restritivas, usou medicamentos e até tentativas de vomitar após a alimentação. “Eu estava me matando sem saber.” Quando finalmente conseguiu emagrecer, não se reconheceu.

“Existe o machismo e a gordofobia em cima de mim, duas coisas que oprimem”, pondera. “É melhor lutar para se amar do que passar a vida se subjugando a processos que só te matam aos poucos. Você pode até ficar magra e bonita do jeito que você acha que é o certo, só que vai ser uma pessoa infeliz.”

A youtuber afirma que a intenção do movimento é causar empatia com um tema tão delicado que envolve opressão, constrangimento e tristeza. “Por que tenho que mudar para me enquadrar na sociedade? Por que sou obrigada a emagrecer para ser aceita socialmente?”, questiona. “Só quero que as pessoas entendam que cada um pode ser do jeito que quiser, e está tudo bem ser do jeito que quiser. É isso que queremos fazer, para as pessoas verem as outras felizes com seus corpos. É tão simples, é só isso.”

Com mais de 33 mil inscritos no canal do Youtube, criado há um ano, ela afirma ter muitos retornos de pessoas que dizem terem começado a se amar. Segundo Alexandra, não deve haver momento específico para discutir a gordofobia, embora acredite haver maior abertura para o debate na conjuntura atual, em que as pessoas estão se interessando mais por política e por direitos. “Quando a gente tira um preconceito, começa a tirar vários.”

Para ela, a militância feminista a levou ao movimento antigordofobia. “É um leque de preconceitos que vamos tirando da gente. Amar o seu corpo, aceitar quem você é, independente de querer mudar ou não, já é uma revolução”, afirma.

Alexandra Gurgel

Amor e desamor

O vídeo A Solidão da Mulher Gorda, publicado em novembro, é um dos que causou maior impacto no canal Alexandrismos. Ao longo de quase 18 minutos, Alexandra Gurgel discorre sobre o drama das mulheres gordas em seus relacionamentos afetivos – ou a falta deles.

“Elas vivem uma realidade em que os homens não se interessam, dizem precisar ‘beber muito’ e ‘ficar muito louco’ pra poder ficar com a menina, e mesmo assim é escondido”, afirma, citando mulheres gordas que nunca beijaram, nunca transaram ou ficaram nuas na frente de um homem.

No vídeo, Alexandra reflete que as mulheres gordas são muitas vezes sozinhas, solitárias, com baixa autoestima e vulneráveis a se apegar a qualquer pessoa que lhes dê um mínimo de atenção e afeto, o que é um “prato cheio para relacionamentos abusivos”. Por outro lado, diz ela, há momentos em que a mulher gorda é o foco da atenção na roda de amigos. “Não há um equilíbrio, uma normalidade em ser gorda. Ou você é invisível, ou é o foco da atenção. Você não pode ser uma pessoa normal.”

Para ela, a prova de que vivemos em uma sociedade gordofóbica é a normalização de certas expressões, tais como: ‘coisa de gordo’; ‘cabeça de gordo’; ‘olho gordo’; e ‘gordice’. “Trata-se a palavra ‘gordo’ como uma palavra ofensiva e há pessoas que acham normal a palavra ser um xingamento”, diz ela no vídeo. “A mulher gorda vive presa dentro de si mesma, não se dá o direito de desfrutar a vida. Ela acaba criando um comportamento abusivo consigo, ela se odeia e a solução para a vida dela é emagrecer.”

Alexandra Gurgel defende que “gosto” é uma construção social e que é preciso desconstruir esse modelo estereotipado da sociedade e construir “um novo tipo de amor”. “Precisamos fazer esse movimento para que as próximas gerações não sofram com isso. Se aceitar e se amar, é um projeto de vida.”

Clique aqui para conferir a página do evento no Facebook.

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